Carro autônomo: tecnologia vai revolucionar o transporte terrestre?

Possibilidade de redução do número de acidentes e de mortes seria a principal vantagem de veículos guiados por inteligência artificial

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Foto do author Luciana Dyniewicz

Dona dos veículos brancos que têm rodado sozinhos pelas ruas de São Francisco, Phoenix e Los Angeles, a Waymo não é a única empresa com “robotaxi” em operação nos Estados Unidos. Hoje, 24 companhias têm autorização no país para fazer testes com carros autônomos, de acordo com levantamento da consultoria McKinsey feito com base nos dados do Department of Motor Vehicles (Departamento de Veículos Motorizados). Esse número, porém, era de 37 em 2019. A redução indica que o setor está em uma fase de consolidação.

Além da Waymo, companhia “irmã” do Google, a Motional (uma joint venture entre a Hyundai e a empresa de tecnologia automobilística Aptiv) tem carros em operação em Las Vegas. A Cruise, da General Motors, vinha, desde junho, colocando veículos autônomos nas ruas de Phoenix e Dallas, mas com um motorista de segurança presente para intervir na direção se necessário. Na terça-feira, 10, porém, a GM anunciou que desistiu do projeto devido ao alto volume de investimentos necessários para expandir o negócio. A empresa havia colocado cerca de US$ 10 bilhões (R$ 60 bilhões) na Cruise e, em 2023, teve de suspender as operações temporariamente após um de seus veículos atropelar e arrastar um pedestre.

Na China, mais de dez empresas correm para se consolidar no setor, com a gigante Baidu tendo 400 veículos na cidade de Wuhan.

Conforme as experiências vão avançando e se espalhando, as dúvidas em relação à tecnologia começam a se dissipar e a possibilidade de o carro autônomo revolucionar o transporte terrestre se torna mais concreta, de acordo com especialistas na área.

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Carro da Waymo se tornou parte da paisagem urbana em São Francisco, Estados Unidos Foto: Waymo/Divulgação

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“A tecnologia já existe. Quem acha que não precisa entrar em um desses carros para ver que é seguro. Eles são impressionantes. Veem outros veículos que nós, humanos, nem percebemos que estão se aproximando”, diz Carlos Libera, sócio da consultoria Bain and Company e especialista no setor automotivo.

“Não dá para comparar o que a máquina consegue fazer com o que nós fazemos. As pessoas estão dirigindo e pensando na família ou em alguma outra coisa, enquanto o sistema do carro está exclusivamente mapeando tudo a todo momento para dar a resposta mais segura possível”, acrescenta Libera.

Consultores destacam que, do total dos acidentes automotivos, 94% acontecem por algum erro do motorista. Portanto, quando a tecnologia dos carros autônomos estiver completamente madura, esses acidentes poderão ser evitados. A Waymo afirma ter reduzido o número de acionamento de airbags em 81% e o de acidentes com lesões em 72% em mais de 40 milhões de quilômetros operados.

Nos últimos anos, no entanto, notícias sobre acidentes com vítimas fatais envolvendo carros sem motoristas percorreram o mundo. Entre julho de 2021 a outubro de 2024, ao menos 45 pessoas morreram em acidentes com veículos autônomos nos EUA, de acordo com dados da NHTSA (agência responsável pela segurança no trânsito no país).

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Antes de 2021, porém, já havia registros de ocorrência. Em 2018, por exemplo, um automóvel em teste do Uber atropelou e matou uma ciclista. Havia uma motorista de segurança no carro, que estava distraída e não freou o veículo a tempo. Ela foi responsabilizada pela morte.

“Eventos como esses podem acontecer e, quando acontecem, atraem muita atenção. Mas, se você olhar a frequência, ela é baixa e inferior a de carros dirigidos por humanos. Boa parte desses acidentes reportados ainda teve uma pessoa como responsável”, afirma o consultor Roberto Fantoni, da McKinsey.

Fantoni destaca que o carro autônomo está longe de ser algo apenas curioso por suas características futurísticas. Segundo ele, os ganhos sociais e econômicos do veículo são importantes. Por isso, é grande a chance de ele ser amplamente adotado nos próximos anos – apesar de muitos desafios ainda precisarem ser superados.

A possibilidade de redução do número de acidentes e de mortes seria a principal vantagem do automóvel autônomo, aponta o consultor. “Os acidentes são menores mesmo com os carros semi-autônomos, que alertam o motorista quando há risco de colisão.”

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As vantagens econômicas serão relevantes, dado que o passageiro poderá aproveitar o tempo que hoje gasta dirigindo para, por exemplo, participar de uma reunião, acrescenta Fantoni. Os engarrafamentos também devem diminuir, pois os carros autônomos podem sinalizar problemas e se deslocarem para o acostamento ao invés de quebrarem no meio da pista.

Sócio da KPMG, o consultor e especialista no setor automotivo Ricardo Roa pondera que a tecnologia é uma ameaça a postos de trabalho, dado que a demanda por motoristas pode cair. Por outro lado, afirma que, quando surge um produto novo, novas cadeias de produção são necessárias para colocá-lo no mercado. Com isso, há espaço para surgirem fornecedores e empregos.

Interior de carro autônomo da Waymo, que deu carona para o 'Estadão' Foto: Luciana Dyniewicz/Estadão

Compartilhamento de carros

Roa diz também que os carros autônomos e os consequentes serviços de “robotaxi” podem ser uma alternativa para as novas gerações, que quase não se interessam em ter um carro próprio. “Os jovens não querem adquirir um veículo, não querem o custo de ter um veículo e não querem dirigir. O carro autônomo pode ser uma saída para eles no futuro.”

Os consultores ainda afirmam que o modelo de propriedade de automóveis deve mudar. Isso porque há empresas (sobretudo a Tesla) que apostam na estratégia de que donos de carros autônomos poderão colocá-los à disposição em plataformas para que terceiros possam usá-los, algo semelhante ao que o Airbnb oferece para proprietários de imóveis.

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“A visão de longo prazo é que quase ninguém vai precisar de carro. Mas quem quiser ter um poderá colocá-lo na rede para que o veículo seja mais utilizado. O dono pode usar só no fim de semana e compartilhar o ativo durante a semana”, afirma Libera, da Bain. Nesse caso, é possível que as montadoras não apenas produzam o automóvel, como também façam a gestão de uma frota própria ou de terceiros.

Analistas de banco, porém, veem essa estratégia como menos provável. Em relatório publicado em setembro, Joseph Spak, Patrick Hummel e Alejandro Nuno, do UBS, afirmaram que donos de carros podem, inicialmente, gostar da ideia de ganhar dinheiro com o veículo, mas que será difícil eles deixarem estranhos usarem modelos que podem custar US$ 45 mil (quase R$ 275 mil). “Acreditamos que pode ser difícil mudar o comportamento humano. Além disso, quem seria responsável pela manutenção, limpeza e recarga do carro?”, questionam.

A repórter viajou como bolsista do World Press Institute (WPI)

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