Startup Casai deixa o Brasil após atrasar pagamentos de fornecedores e proprietários

Companhia de hospedagens de curta duração havia realizado fusão com a brasileira Nomah em agosto para se manter no mercado

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Foto do author Guilherme Guerra

A startup Casai, de hospedagens de curta duração e dona da marca brasileira Nomah (adquirida em agosto passado), não resistiu ao mau momento do mercado de tecnologia e vai encerrar a operação no Brasil até o final deste mês - a informação foi confirmada pela companhia ao Estadão. O serviço da plataforma, similar ao Airbnb, vai continuar no México, onde foi fundada em 2019.

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Segundo apurou a reportagem, não é mais possível fazer reservas para os próximos meses no site da startup. O serviço atendia São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis e Barueri (SP) com apartamentos para locação em hospedagens focadas em nômades digitais, que demandam alta velocidade de internet e simplicidade no atendimento. Além disso, foram removidos os anúncios de imóveis da Casai em plataformas de terceiros, como Airbnb e Booking.

Em contato com o Estadão, a Casai atribui a saída do Brasil ao atual momento do mercado de tecnologia, que busca maior eficiência em meio à escassez de capital. “O mercado de tecnologia e capital de risco passa por um momento desafiador e entendemos que a melhor alternativa era encerrar as atividades no País”, afirma a companhia. A empresa diz ainda que não vai pedir falência e que o encerramento acontece de “forma coordenada”.

O encerramento da operação ocorre em meio ao atraso de pagamentos com fornecedores e com os proprietários que colocaram seus imóveis para locação na plataforma da startup. Embora não revele as quantias a serem quitadas, a Casai confirma os atrasos.

Um dos fornecedores diz ao Estadão que a Casai não deu prazo para o acerto de uma dívida de cerca de R$ 17 mil. “Estou em um vácuo. Não tenho capital de giro para sustentar o negócio sem receber essa quantia”, afirma.

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A outro fornecedor, a startup disse que o pagamento será feito em 6 parcelas, a começar de janeiro. Segundo este empresário, os pagamentos começaram a atrasar em setembro do ano passado e só em dezembro foi dado o prazo para honrar as dívidas. “A Casai é um cliente considerável do nosso negócio,” diz.

O mercado de tecnologia e capital de risco passa por um momento desafiador e entendemos que a melhor alternativa era encerrar as atividades no País

Casai

Sobre os atrasos, a Casai diz que “está entrando em contato com seus fornecedores para acerto de contas de valores pendentes e deve finalizar este processo ao longo do mês de janeiro.”

Em relação às pendências com os proprietários de imóveis, a startup afirma que vai utilizar a fiança locatícia para quitar as pendências e que está “desenhando a melhor forma de pagamento”.

A Casai confirmou também que todos os funcionários da Casai e Nomah no Brasil já estão em aviso prévio. A startup afirma que não houve atraso nos pagamentos e garante que antecipou as verbas rescisórias. “Para todos colaboradores, perguntamos se havia interesse em trabalhar em operadores parceiros, de forma que a indicação direta pudesse ser feita”, declarou a companhia em nota.

Parte do portfólio de imóveis da Casai deve passar para as startups Tabas e Charlie, confirmaram essas empresas ao Estadão. Na prática, os apartamentos para locação e seus respectivos proprietários que eram clientes da Casai e Nomah passam a estar disponíveis na plataforma dessas outras companhias — respectivamente, nascidas em 2020 e 2019 no Brasil.

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Da esq. para dir., Nico Barawid, fundador da Casai, e Thomaz Gus, fundador da Nomah Foto: Rogerio Pallatta

Encerramento do serviço acontece após fusão

O fim da operação brasileira da Casai encerra uma jornada conturbada para a startup brasileira Nomah. Fundada em 2016 por Thomaz Guz sob o nome de Uotel, a startup foi comprada em julho de 2020 pela Loft, um dos maiores nomes do Brasil no ramo do mercado imobiliário, e recebeu um “banho de loja” ao mudar a identidade visual e receber o nome Nomah.

Em agosto de 2022, a Loft vendeu a participação majoritária da operação para a Casai, startup fundada no México em 2019 pelas mãos de Nico Barawid e Maricarmen Herrerías. A venda coincide com um momento difícil da Loft, que precisou cortar projetos e reestruturar a companhia. Além de repassar a Nomah, a empresa demitiu 855 pessoas ao longo do ano passado, o maior corte entre startups unicórnios do País.

A Loft afirma que vai seguir como acionista minoritária da Casai, mesmo com a operação atendendo apenas o México. “A operação, negócio e bem-estar financeiro do Grupo Loft segue consistente e inalterado”, diz a companhia em comunicado à reportagem.

Na época da fusão, a Casai anunciou também ter recebido uma rodada de investimento bancada pelos fundos a16z e monashees, dois nomes tradicionais do setor de startups — o valor não foi divulgado. O aporte, mais a união das marcas, tinha como objetivo criar um gigante do mercado imobiliário na América Latina.

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A Casai diz que o encerramento das atividades se dá pela conjuntura do mercado, e não por conta do modelo de negócio. “O negócio se mostrou rentável para diferentes investidores e abriu portas para uma grande quantidade de firmas que também puderam entrar no segmento”, diz a companhia em nota.

Barawid deve continuar liderando a operação no México. Já Guz, que assumiu a operação no Brasil desde a fusão em agosto, diz que pretende “pensar em um nova empreitada com os aprendizados valiosos que teve nestes últimos 6 anos”, diz a nota.

Serviço de hospedagens curtas

O modelo de negócio de imóveis para “hospedagens curtas e médias” preenche o leque de opções vistas no mercado de tecnologia, que inclui Airbnb (de hospedagens de curtíssimo prazo, geralmente a turismo) ao QuintoAndar (de estadias para moradia).

No caso da Casai e Nomah, a diferença do negócio, porém, está nos apartamentos “tecnológicos”, mobiliados com fechadura inteligente, Wi-Fi de alta velocidade, dispositivo de streaming conectado à televisão e assistente virtual do Google no imóvel.

Nas últimas semanas, o serviço da Casai, porém, registrou uma série de reclamações de clientes. Na plataforma ReclameAqui, onde a Nomah recebeu nota 4,4 de 10 de reputação, clientes vinham se queixando de falta de suporte no atendimento, problemas com o check-in do apartamento e cobranças indevidas. A última resposta dada pela empresa na plataforma foi em 25 de outubro.

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Em 25 de dezembro, viralizou nas redes sociais o relato do criador de conteúdo Federico Devito, que afirma ter pertences pessoais roubados em um apartamento locado pela Casai em Florianópolis. Segundo o influenciador, sua mala foi levada para fora do apartamento e, quando devolvida, estava violada e com itens em falta. Até agora, o caso não foi resolvido, diz ele.

A Casai diz que “ativamente” busca uma solução para o caso, que não compactua com ações fraudulentas e que cancelou o serviço da empresa de limpeza que teria prestado atendimento no dia do incidente.

“Ao olhar o caso, reconhecemos que o nosso time de suporte (da Casai) não agiu de forma adequada em sua última mensagem e já tomamos as medidas necessárias para que isso não se repita”, diz a empresa em nota ao Estadão.

Nomah era uma marca do Grupo Loft até agosto de 2022, quando foi vendida para a mexicana Casai Foto: Nomah

Mau momento para as startups

Ao contrário do período visto até 2021, as empresas de tecnologia vêm sofrendo pressão com a alta dos juros e o cenário inflacionário, que forçam os negócios de startups a se tornar mais eficientes e rentáveis diante de investidores avessos ao risco. Por isso, com objetivo de enxugar custos, demissões tornaram-se comuns em um mercado conhecido por contratar milhares de pessoas para manter o alto ritmo de crescimento.

Segundo levantamento do Estadão, somente no Brasil, cerca de 3,9 mil demissões em massa foram realizadas entre startups “unicórnios”, clube de elite do mercado que diz respeito a pequenas empresas de tecnologia de capital fechado com avaliação superior a US$ 1 bilhão. Entre as 24 startups nacionais, 16 realizaram grandes cortes com fins de enxugamento de custos.

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O quadro, porém, também atinge o mercado de startups de modo geral, sem incluir os unicórnios. A healthtech Alice cortou mais de 170 pessoas até dezembro de 2022, enquanto a Buser enxugou em 30% o pessoal, cerca de 165 funcionários. Esses números, no entanto, não compõem o levantamento do Estadão.

Para 2023, especialistas apontam que a tendência de austeridade vista em 2022 deve continuar. Além disso, sem capital necessário para continuar operando, os negócios insustentáveis devem quebrar ou fechar as portas, dizem.

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