Em 2012, o espanhol Sergio Furio chegou ao Brasil, direto de Nova York, sem saber falar português e com um plano ambicioso: mudar o mercado de crédito local com apoio de tecnologia. Oito anos depois, ele vê sua empresa fazer história no ecossistema de startups local: ao anunciar nesta sexta-feira, 18, a captação de uma rodada de US$ 255 milhões liderada pelo fundo de private equity LGT Lightstone, a Creditas está agora avaliada em US$ 1,75 bilhão e é o mais novo "unicórnio" brasileiro – o terceiro de 2020, após Loft e Vtex, e o 13.º do País.
Furio, porém, não comemora o feito de pertencer ao seleto clube dos unicórnios (startups avaliadas acima de US$ 1 bilhão). “É um número escrito no papel, mas não muda nada: vamos continuar a falar de trabalho”, diz o executivo. E haja trabalho pela frente: com os recursos do aporte, a empresa pretende acelerar seu desempenho em três frentes diferentes, buscando consolidar lançamentos que fez ao longo de 2020.
Uma são serviços financeiros, como os empréstimos baseados em garantias como imóveis e automóveis, que lhe deram notoriedade ao longo dos últimos anos. Outra são os serviços para consumidor, como reformas de imóveis a partir de um empréstimo tomado com a Creditas ou crédito consignado privado. E a terceira é a expansão no México, onde a fintech começou a atuar em julho e já tem um time de 60 pessoas. “É um país que tem problemas semelhantes ao Brasil, com penetração de crédito ainda menor e um mercado grande”, diz o espanhol. “Queremos que, em dois anos, a operação mexicana tenha o tamanho do que o Brasil tem hoje para nós.”
Ao todo, a Creditas tem hoje 1,8 mil pessoas. Eram 1,5 mil em março, quando a empresa começou o home office. Os valores do aporte também serão usados para contratações: até o fim de 2021, Furio espera liderar um time de 2,5 mil funcionários. O espanhol também não descarta usar os recursos para fazer fusões e aquisições, algo que já funcionou na receita da empresa. “Em 2019, compramos a Creditoo, de crédito consignado, e vimos que podemos usar startups pequenas e com potencial para escalar bem o nosso negócio”, diz o presidente executivo da fintech, sem traçar metas específicas sobre o tema.
Virada
O aporte encerra bem um ano bastante conturbado na história da Creditas: com o início da pandemia, a empresa viu o mercado de capitais ser tomado pela incerteza e teve de reduzir seu ritmo de crescimento para diminuir riscos. Também congelou contratações por alguns meses e precisou aprender a lidar com o home office.
No meio do caminho, acabou tendo descobertas interessantes: chegou a ter lucro em alguns meses e viu a melhora de suas margens. Além disso, dobrou sua receita: nos nove primeiros meses do ano, faturou R$ 232,1 milhões, 107% acima dos R$ 111,9 milhões do mesmo período no ano passado. Para a temporada de 2020, a expectativa é de bater a casa de R$ 300 milhões em faturamento.
“Os recursos captados agora vão ajudar a gente a acelerar o futuro. Quanto mais você cresce, mais você gasta, mas gera receita no futuro – e nossa expectativa é dobrar a Creditas em 2021”, diz Furio. Além disso, a empresa também dobrou o tamanho de seu portfólio de crédito em 12 meses: em setembro, tinha mais de R$ 1 bilhão de ativos sob gestão, contra R$ 534,7 milhões no mesmo mês de 2019.
É a primeira vez que a empresa detalha sua situação financeira. Não é à toa: além do LGT Lightstone, a Creditas recebeu ainda apoio de diversos fundos de private equity nesta rodada. É um passo, sem pressa, rumo a um destino ainda pouco explorado pelas startups brasileiras: a bolsa de valores. “Trouxemos investidores que fazem bem a ponte entre o mercado privado e o mercado público. Não queremos ter pressão para fazer uma listagem rápida, queríamos ter dinheiro para crescer e levar a empresa a lucro. Mas é algo que podemos olhar em dois a três anos”, afirma o executivo.
A meta da startup é passar a divulgar trimestralmente seus resultados, de olho em conquistar a confiança do mercado já pensando no futuro. “Levar a empresa à bolsa é uma forma de permitir que a empresa tenha vida futura e independente de seu fundador”, diz o executivo. Com a nova rodada, ele afirma que já não tem mais o controle acionário da empresa, mas possui o controle do conselho e ainda é seu maior acionista. “Temos 14 investidores diferentes agora, então já operamos quase como uma empresa aberta. Sigo com independência no negócio.”
Crise? Que crise?
Para Guilherme Horn, conselheiro da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), o aporte ressalta a confiança de investidores não só na Creditas, mas também no mercado brasileiro de fintechs. Na visão dele, parte do sucesso do novo unicórnio se deve a apostar no mercado de crédito com garantias, que tem menor risco e ainda era pouco explorado no País. Ele vê ainda a fintech bem posicionada para aproveitar as transformações do setor financeiro, especialmente com a chegada do open banking.
Por outro lado, o especialista também vê um grande desafio para a Creditas nos próximos capítulos: uma estrutura confiável de captação de recursos para os empréstimos. “Conforme você aumenta a quantidade de empréstimos concedidos, aumenta também o risco. É possível mitigar parte disso com tecnologia, mas também é preciso cuidar de onde vem os recursos de forma saudável”, diz Horn.
Na visão de Felipe Matos, presidente eleito da Associação Brasileira de Startups (ABStartups) e colunista do Estadão, outro ponto de atenção para a empresa é o investimento no crédito consignado privado em tempos de crise econômica. É uma preocupação para o mercado em 2021, de forma geral, ainda mais com o fim do auxílio emergencial, o que pode gerar problemas para empresas de diversos setores. Mas Furio não teme a crise: “em uma recessão, nós conseguiríamos até crescer mais rápido, porque os bancos tiram o pé e nós reduzimos o custo de aquisição”, diz o executivo.
Para Matos, por outro lado, a empresa tem uma fortaleza na ideia de combinar serviços financeiros com atenção aos consumidores – como faz com os empréstimos e reformas, por exemplo. Na visão dele, é algo que pode diferenciar a Creditas em um mercado cuja competição hoje se resume às taxas de juros. Já Horn vê bastante sentido na aposta da empresa no México, um país cujo sistema financeiro “está cinco anos atrás do Brasil e tem bastante similaridade conosco”.
Na visão de Furio, tudo é uma questão de adaptação – um aprendizado que ele leva de 2020 para guardar no bolso. “Hoje, as coisas mudam tão rápido que ganha não só quem é melhor, mas quem é mais adaptável”, diz o executivo. E, olhando pelo retrovisor, ele não se arrepende de todas as mudanças que fez ao longo da carreira. “Troquei Nova York, que é uma cidade incrível, pelo Brasil, mas aqui consegui fazer algo impensável. Cresci para caramba e valeu a pena”, diz. Cenas dos próximos capítulos? Em breve.
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