De robôs recicladores a sistema que detecta plástico no oceano: IA acelera economia circular

Tecnologias da chamada Indústria 4.0 estão sendo utilizadas para reduzir desperdício na produção, ajudar no rastreamento e no tratamento dos resíduos

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Por 13º Curso Estadão de Jornalismo Econômico
Atualização:

Tecnologias associadas à chamada Indústria 4.0 podem apoiar e acelerar a transição da economia tradicional - ligada a um modelo linear de produção que exaure recursos naturais - para a economia circular. A inteligência artificial se destaca nesse cenário, segundo a Fundação Ellen MacArthur. Referência mundial no assunto, a entidade aponta benefícios no design de produtos, na criação e na operação de modelos de negócios circulares e na otimização da infraestrutura para que os resíduos possam retornar à economia.

A empresa americana AMP Robotics, por exemplo, desenvolveu um sistema capaz de identificar e separar mais de 50 categorias de resíduos, usando inteligência artificial e robótica. A partir da imagem desses itens, capturada nas esteiras recicladoras, a tecnologia reconhece formas, texturas, cores e até logotipos. Na sequência, robôs separam plásticos, metais, vidro e eletrônicos, entre outros.

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Cada item que passa nas esteiras gera dados em tempo real, que fornecem feedbacks sobre a qualidade dos resíduos recuperados, os que estavam contaminados e os que foram perdidos no processo. É possível, ainda, ter informações sobre o funcionamento do sistema, para sinalizar necessidade de manutenção e evitar que a operação seja interrompida.

A inteligência artificial também vem sendo testada pela ONG The Ocean Cleanup para localizar nos oceanos manchas de resíduos plásticos flutuantes. O chamado sistema automatizado de imagem de detritos (Adis, na sigla em inglês) tem uma câmera de IA incorporada, desenvolvida para ser capaz de detectar megaplásticos flutuantes, com mais de 50 centímetros, compactar e carregar os dados resultantes de forma descentralizada.

“Os dados serão utilizados principalmente para monitoramento de tendências em larga escala e de longo prazo sobre a acumulação de plástico”, explica o líder do sistema na The Ocean Cleanup, Robin de Vries. O modelo também consegue antever o deslocamento de manchas de resíduos no mar, facilitando que os materiais sejam localizados, coletados e depois enviados para reciclagem. Há cinco grandes áreas de lixo nos oceanos, em contínua movimentação. A maior delas se encontra entre a Califórnia e o Havaí, segundo dados da ONG.

O Adis deve ser expandido nos próximos meses. “Após a prova de conceito inicial, em 2021, realizamos validações e testes repetidos e bem-sucedidos”, conta Vries. “Em 2024, pretendemos começar a recolher os primeiros dados globais e a utilizar de uma forma mais automatizada.”

Como a grande maioria dos plásticos flutuantes chega pelos rios, a organização ainda desenvolve trabalho para interceptar os resíduos antes que atinjam o mar. Pelo mapeamento da Ocean Cleanup, perto de mil rios são responsáveis por 80% da poluição que chega aos oceanos, incluindo dezenas de brasileiros.

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Tecnologia reconhece formas, texturas, cores e até logotipos dos resíduos que passam pelas esteiras recicladoras Foto: AMP Robotics/Divulgação

Cerca de 3,44 milhões de toneladas desse material, ou um terço de todo o plástico produzido no País, corre o risco de parar nos oceanos por ano, de acordo com relatório produzido em 2022 pelo Blue Keepers, projeto ligado à Plataforma de Ação pela Água e Oceano do Pacto Global da ONU. A estimativa é de que cada brasileiro possa ser responsável por poluir os mares com 16 quilos anuais de plásticos.

“O Blue Keepers hoje percorre o Brasil fazendo coleta dos resíduos que estão poluindo manguezais, margens de rios e mares”, explica a gerente de Resíduos e Circularidade do Pacto Global da ONU no Brasil, Gabriela Otero. “Há coleta em Manaus, Fortaleza, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Brasília, Santos, Belém e, em breve, chegaremos a Porto Alegre. A gente parte do oceano e vai atrás da fonte de poluição.”

Estimativa é de que cada brasileiro possa ser responsável por poluir os mares com até 16 quilos de plásticos por ano Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Funcionários supervisionam máquinas inteligentes

Em meio a seu processo de transição energética, a Unilever vem utilizando a inteligência artificial para aprimorar a análise de dados e fazer simulações dos projetos na fábrica de sabão de Indaiatuba (SP). Em janeiro de 2023, a unidade passou a utilizar energia renovável produzida a partir da biomassa de eucalipto. A medida impacta na redução da emissão de 37 mil toneladas de dióxido de carbono por ano, segundo a companhia.

Em entrevista ao Estadão/Broadcast, a diretora de Reputação e Assuntos Corporativos da Unilever América Latina, Suelma Rosa, destaca que o uso da IA vem garantindo uma grande capacidade de automação. “Tornou-se um ativo valioso para o desenvolvimento da empresa”, afirma Suelma.

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Na rotina de trabalho, os profissionais fazem simulações e maquetes em 3D para as análises virtuais da área antes de instalar qualquer equipamento. “Atualmente, os profissionais na fábrica devem monitorar esses dados no papel de supervisores das máquinas inteligentes.”

A companhia também vem diminuindo a utilização de plástico virgem, como explica a executiva da Unilever. “Entre 2018 e 2022, a companhia reduziu o uso de 32 mil toneladas de plástico virgem em suas embalagens, o que resultou em cerca de 46 mil toneladas de CO2 a menos no meio ambiente”, conta Suelma. “Isso equivale a aproximadamente 2.300 caminhões carregados de plástico ou a neutralização do consumo de plástico de 1 milhão de pessoas.”

Menos desperdício na indústria de alimentos

O Brasil está entre os que mais desperdiçam alimentos no mundo, segundo o Relatório do Índice de Desperdício Alimentar de 2021 da ONU. Na região da América Latina e Caribe, o País lidera o ranking, acompanhado do México e Colômbia, com uma estimativa total de mais de 12,5 milhões de toneladas de alimentos desperdiçados somente em domicílios.

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O estudo também faz o levantamento do desperdício no ramo de food service, com 5,8 milhões de toneladas ao ano, e supermercados, com 3,3 milhões de toneladas anuais. Um cenário que tem fortes impactos sociais, econômicos e ambientais - e começa a ser beneficiado pelo uso da tecnologia.

O potencial da IA se soma ao de tecnologias como Big Data, machine learning e blockchain, ampliando os impactos ambientais e econômicos da circularidade. Com elas seria possível prolongar a vida útil dos produtos, por meio de manutenção preditiva, por exemplo. Ou garantir a rastreabilidade nas cadeias produtivas, reduzindo o desperdício e dando transparência sobre a origem dos recursos, por meio da utilização do blockchain.

Unidade do Burger King durante Black Friday: rede diz ter reduzido em 20% desperdício com sistema de IA Foto: Taba Benedicto/Estadão

O Burger King é um exemplo. Através do sistema de IA Sentinella, a rede reduziu em 20% o desperdício de insumos desde 2022. Com o objetivo de otimizar os pedidos e chegar ao nível de desperdício zero, a ferramenta de machine learning sugere a reposição de produtos de acordo com as vendas e com a sazonalidade.

Vice-presidente de Desenvolvimento da Zamp, operadora que detém a marca, Fabio Alves afirma que o sistema possibilita um maior aproveitamento do estoque de alimentos perecíveis, além de impactar na qualidade dos produtos ofertados aos clientes. “O uso do machine learning, com sugestões mais assertivas de reposição, minimiza o risco de não ter itens do cardápio em loja, o que melhora a satisfação do cliente e percepção de eficiência do serviço.”

Outra iniciativa é o Aterro Zero, que recolhe os resíduos descartados nas lixeiras do Burger King e os destina a cooperativas parceiras para fazer o reaproveitamento dos materiais. “A meta é que, até 2025, a empresa consiga destinar até 90% dos resíduos produzidos nas lojas de rua para as soluções de reciclagem e de compostagem”, diz Alves.

Já o McDonald’s traçou um sistema para rastrear alimentos excedentes em suas lojas que passaram a ser doados a pessoas em situação de vulnerabilidade. Ou seja, a geolocalização identifica o doador e o donatário mais próximo e gera métricas, inclusive o nível de redução de emissão de CO2.

De acordo com a gerente sênior de Impacto Social e Desenvolvimento Sustentável da Arcos Dorados Brasil, operadora dos restaurantes do McDonald’s, Marie Tarrisse, já foram doadas mais de 5 toneladas de alimentos desde março de 2023 através do programa Comida Invisível. O projeto reúne mais de 20 mil ONG’s que recebem doações e as conecta com as empresas que doam alimentos.

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Em relação aos resíduos alimentícios, o óleo de cozinha usado na produção é 100% reaproveitado pelo McDonald’s, que corresponde a cerca de 1,7 milhão de litros em um ano. O material é destinado para a fabricação de subprodutos, a exemplo do biodiesel. “Acreditamos que as iniciativas voltadas para o impacto social e o desenvolvimento sustentável não devem acontecer de forma isolada das outras atividades da empresa. Essas ações precisam estar alinhadas à condução do negócio para que o impacto positivo gerado seja genuíno”, afirmou Marie.

Com reportagem de Daniel Aloisio, Jean Araújo, Julia Camim, Letícia Ozório, Ma Leri, Mayane Santos e Rafaela Souza

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