Depois de um ano em que o ecossistema brasileiro de inovação viu nascer nove unicórnios (startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão), as apostas para o setor em 2022 são altas: especialistas ouvidos pelo Estadão esperam que as startups do País sigam recebendo grandes volumes de investimento no ano que se inicia.
Assim, fundos estrangeiros devem olhar cada vez mais para o Brasil, enquanto corporações tradicionais estarão mais dispostas a investir em startups. Da mesma maneira que já ocorre com grandes companhias, é esperado também que as empresas brasileiras de tecnologia sejam cobradas a adotar práticas de ESG (sigla em inglês para os aspectos ambiental, social e governança).
Mas haverá desafios no processo. Com a alta demanda por profissionais de tecnologia, o mercado deve atingir um ponto crítico de escassez de desenvolvedores – além de incentivos à educação, um caminho para solucionar o problema talvez sejam as ferramentas de “no-code”, que ajudam profissionais leigos em tecnologia a construírem sites e apps sem precisar de conhecimento profundo de programação. Pode haver também outra pedra no sapato das startups: o contexto econômico brasileiro.
Abaixo, oito especialistas em inovação comentam a perspectiva para o mercado brasileiro de startups no ano que se inicia.
‘Cenário político não mudará a inovação’, diz Bedy Yang, sócia do fundo 500 Startups
Os fundos de investimento estão cada vez mais com a consciência de investir buscando aspectos sociais e ambientais. Como o capital está ficando cada vez mais consciente, isso também vai impulsionar iniciativas dentro das empresas e startups. Além disso, o mercado brasileiro realmente entrou em um cenário completamente global – teremos grandes empresas abrindo capital na Nasdaq, por exemplo. E acho que o cenário político não mudará o mercado de inovação em 2022. Quando investimos, olhamos muito mais do que o período de um governo sobre outro governo. Inovação não se cria da noite pro dia, então sempre olhamos para os próximos 10 ou 15 anos. Os presidentes “vão e voltam” dentro desse contexto.
‘Este vai ser o ano do no-code’, diz Luiz Gomes, diretor da aceleradora recifense Overdrives, do Grupo Ser Educacional
Em 2022, vamos chegar em um ponto crítico de escassez de desenvolvedores no Brasil. A demanda por contratação de pessoas de tecnologia já é bem maior que a capacidade de formação de novos profissionais. As empresas grandes têm cada vez mais benefícios para atrair esses talentos, enquanto as startups menores acabam sofrendo mais. Dentro disso, este vai ser o ano do “no-code”, que é a estratégia de desenvolvimento de software sem a escrita de linhas de código – são ferramentas que podem ser manipuladas apenas com lógica de programação, para entregar de fato um produto inicial mais rápido no mercado. Além disso, devemos ver startups se tornando unicórnios cada vez mais rápido. Isso se justifica pelos resultados atuais do ecossistema e pela forma como o mercado brasileiro tem sido observado por investidores internacionais. Em 2022, ainda teremos muita desvalorização da moeda – sendo assim, para quem investe de fora no Brasil, há uma oportunidade mais atrativa.
‘Startups grandes comprarão empresas pequenas‘, diz João Ventura, CEO da Sling Hub
Acredito que o número de fusões e aquisições vai crescer bastante em 2022. A motivação principal disso é que muitas startups grandes levantaram muito dinheiro nos últimos tempos. Os unicórnios brasileiros estão muito capitalizados e uma forma de crescer rapidamente é comprando outras startups – e eles precisam entregar esse crescimento acelerado. Boa parte dessas aquisições será de startups grandes comprando empresas pequenas. Do lado dos investimentos, também vejo crescimento. As gestoras brasileiras de capital de risco estão com bastante dinheiro para investir. Teremos rodadas grandes – todo esse movimento que está acontecendo hoje vai se intensificar.
‘Corporações estão mais dispostas a investir em startups’, diz Marcos Mueller, CEO da aceleradora Darwin Startups
Uma tendência forte é o amadurecimento natural das companhias no relacionamento com as startups. Cada vez mais corporações estão dispostas a investir em startups – ao mesmo tempo, startups estão mais disponíveis para se relacionar com corporações. Era uma natureza não tão comum antigamente, e muitos casos colaboravam para que isso não acontecesse – havia muitas histórias de insucesso nesse relacionamento. Isso ficou no passado e agora vemos muitas coisas sendo criadas em parceria, o que é muito bom porque a lógica das corporações acelera uma série de inovações. Para a startup, essa relação dá a estrutura, a robustez, o reconhecimento e a credibilidade de uma corporação para poder acessar novos mercados.
‘Empreendedores têm a responsabilidade de fazer diferente’, diz Camilla Junqueira, diretora geral da Endeavor
Neste momento, estamos vivendo uma dualidade. De um lado, há recordes de captação, novas empresas abrindo capital e novos unicórnios. Mas, do outro lado, vemos desemprego, fome e crise ambiental. As startups, principalmente de grande porte, têm o papel de mostrar novos caminhos para lidarmos com problemas cada vez mais complexos e globais. Nesse sentido, enxergo que o ESG é uma tendência – os empreendedores têm a responsabilidade de fazer diferente. Olhando para este ano, qualquer vertical que tenha grandes problemas para serem resolvidos tem potencial de crescimento grande. O próprio mercado de fintechs, que já está em alta há bastante tempo, vai continuar crescendo. Healthtechs, agritechs e qualquer serviço para PMEs vão continuar se desenvolvendo, com certeza.
‘Startups não nascem mais na garagem’, diz Pedro Carneiro, diretor da aceleradora ACE Startups
Em 2022, veremos startups maduras crescendo cada vez mais rápido – no ano passado, tivemos bons exemplos como Loft, QuintoAndar e outros unicórnios. Teremos grandes rodadas em grandes empresas, que vão escalar para novos países. A segunda tendência é que as startups vão nascer maiores. As primeiras rodadas de empresas que são muito iniciais já envolvem dezenas de milhões de dólares. Não estamos mais naquele cenário de startups nascendo na garagem, com projetos artesanais, porque há muito mais capital no mercado disponível para impulsionar boas ideias e bons negócios.
‘Capital deve chegar mais cedo na vida das startups’, diz Maria Rita Spina Bueno, diretora executiva da Anjos do Brasil
Acredito que mesmo com o cenário econômico desfavorável, vamos continuar a ter um aumento no volume de capital investido em startups. Nunca tivemos rodadas tão grandes no Brasil e isso vai se tornar cada vez mais comum, principalmente pela necessidade de escala e internacionalização. E isso deve começar mais cedo na vida das startups. Se, até então, as rodadas iniciais giravam em torno de R$ 500 mil, as startups estão começando a captar quase R$ 4 milhões ainda com investimento-anjo.
‘Teremos um ambiente econômico complicado pela frente’, diz Bruno Diniz, sócio da Consultoria Spiralem
Estamos vivendo um dos períodos com maior transformação de infraestrutura e de regulação no mercado de tecnologia no Brasil – com essas aberturas, uma das tendências é que as fintechs passem a entrar em novos mercados, como marketplace e entregas. Mas teremos um ambiente econômico complicado pela frente, em escala global e local. Fatores como a alta taxa de juros podem impactar fintechs de crédito, por exemplo. Além disso, companhias de tecnologia que abriram capital, como o Nubank, serão mais cobradas para atingir a lucratividade.
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