O Tio Sam está querendo conhecer as nossas startups: a Plug and Play, uma das principais aceleradoras do Vale do Silício, inaugura na próxima semana seu primeiro escritório no Brasil. Investidora inicial de empresas como Google, Dropbox e Rappi, a americana fez um aporte de US$ 2 milhões para abrir sua sede em São Paulo. Por aqui, a empresa pretende mostrar sua metodologia para conectar as startups novatas e grandes corporações – de saída, o projeto já conta com cinco parceiros: a empresa de serviços financeiros Elo, a operadora Claro, a cooperativa de crédito Sicoob Unicoob e as indústrias Klabin e Suzano.
Juntas, as cinco parceiras ajudarão a Plug and Play a desenvolver seus dois primeiros programas de aceleração no País, agendados para começar em março de 2020. Um será destinado às fintechs (startups financeiras), um dos setores de maior destaque no ecossistema brasileiro. O outro terá foco nas foodtechs e agritechs (startups de alimentação e agrícolas, respectivamente), envolvendo também a cadeia de suprimentos e embalagens desses negócios.
A meta é impulsionar 30 empresas durante três meses, em atividades que compreendem mentoria e contato com investidores. A Plug and Play pode investir em algumas startups aceleradas, após o fim do programa.
“Focamos nesses setores porque sabemos que o Brasil concentra muita tecnologia na área financeira e porque alimentação e agricultura representam grande parte da economia local”, explica Andrea Sanchez, diretora da área de fintechs da Plug and Play, ao Estado. Segundo ela, a atenção do escritório local não vai se limitar apenas às empresas brasileiras, mas de toda a América do Sul– a filial paulistana é a primeira da aceleradora na região, embora a Plug and Play já tenha mais de 25 sedes espalhadas pelo mundo.
Proximidade
O que não significa que o território brasileiro seja totalmente desconhecido para a Plug and Play: há alguns anos, a aceleradora vem atuando em parcerias com empresas daqui. É o caso do hospital Albert Einstein ou do Banco do Brasil, que já procuraram a consultoria da empresa diretamente no Vale do Silício.
A ideia de abrir um escritório no País surgiu após esse contato. “Nos últimos anos, tivemos sinais de que algo estava acontecendo por aí”, diz Andrea. Em abril, a aceleradora realizou um evento na capital paulista para identificar o interesse do ecossistema por seus serviços. A ocasião reuniu mais de 300 pessoas.
A aceleradora também já investiu em cerca de 40 empresas brasileiras – o caso mais conhecido é o da Logbee, que oferece soluções de logística para o Magazine Luiza. Com o novo escritório, a meta é também ampliar essa frente: há planos de fazer aportes em 20 startups locais, ainda em estágio inicial de desenvolvimento, até o fim de 2020. Não é preciso ter sido acelerada pela Plug and Play para receber aportes. “Buscamos ter no máximo 1% de participação nas empresas em que investimos. Não queremos intervir no que as startups estão fazendo, até para evitar conflitos com os parceiros”, afirma a executiva.
A empresa quer ainda transformar seu escritório em um espaço aberto para os empreendedores: com 600 m², o espaço é localizado na Vila Olímpia, perto do centro de inovação Cubo, do Itaú, e da sede de startups de grande porte como Gympass e Creditas. A meta da Plug and Play é que ele seja visitado por qualquer pessoa interessada no ambiente de inovação. “Queremos um ambiente leve. Nossa meta é construir uma comunidade e fazer com que as pessoas se sintam no Vale do Silício”, diz Andrea.
Para Rafael Ribeiro, diretor executivo da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), a vinda oficial da Plug and Play para o Brasil é mais um sinal do amadurecimento do ecossistema local. “É um círculo virtuoso: investimentos de grandes empresas, como o SoftBank, dão visibilidade e incentivam que outros nomes do mercado entrem no País”, avalia, em referência ao grupo japonês, que abriu este ano um fundo de US$ 5 bi para startups latinas.
Parcerias
Fundada em 2006, a Plug and Play já acelerou mais de 2 mil startups em todo o mundo – a maior parte delas encontradas em programas de conexão entre startups e corporações, fazendo uma ponte entre quem busca vender e estar em contato com inovação. Mais de 300 empresas em todo o mundo já buscaram parcerias com a aceleradora, nomes como Coca-Cola, Carrefour e Amazon. A ideia de trazer essa oportunidade para São Paulo foi o que animou parceiros como a Claro. “Com a Plug and Play, poderemos chegar mais longe na relação com empreendedores”, diz Rodrigo Duclos, diretor digital da Claro.
Há quem busque, nos programas da aceleradora, soluções específicas para seus negócios. É o caso da empresa de papel e celulose Suzano. “Poderemos, por exemplo, encontrar startups que usem drones para identificar pragas numa floresta”, projeta Alexandre Cezilla, gerente executivo da área digital da empresa. O mesmo vale para a cooperativa de crédito Sicoob Unicoob. “Buscamos oportunidades para acelerar o cadastro de associados, otimizar processos de liberação de crédito, atendimento e identificação de produtos”, diz Emerson Iten, diretor de tecnologia da cooperativa.
Para Daniel Passarelli, superintendente de inovação da Elo, o principal diferencial da aceleradora é sua conexão global. “Buscamos estar na fronteira do conhecimento e, com a Plug and Play, podemos ter contato com tecnologias de regiões como Europa e China”, diz. Já para Renata Freesz, gerente de inovação da Klabin, o principal atrativo foi a realização dos programas no Brasil. “Como empresa brasileira, temos o papel de fomentar o empreendedorismo nacional”, afirma.
Ao chegar por aqui, porém, a Plug and Play encontrará competição: pioneiras na aceleração no Brasil, nomes como Ace, Liga Ventures e Startup Farm também fazem programas próximos de corporações. Para Felipe Matos, autor do livro 10 Mil Startups, será interessante ver como o mercado reage à “novata”. “Enquanto a Plug and Play tem vantagem de ser internacional, as empresas daqui conhecem bem o mercado local e tem vantagens de custo”, afirma . Para ele, a americana precisará dialogar com o mercado e não impor seu método. “Nosso mercado interno é grande e muitas empresas nascem com características locais. A Plug and Play precisa estar aberta a isso.”
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