No universo das startups do Brasil, a Pismo é o principal sucesso deste ano. Fundada em 2016, a startup atraiu o olhar da Visa, que, em junho, comprou a companhia brasileira em negócio avaliado em US$ 1 bilhão, tornando-a, portanto, um “unicórnio” — nome dado às startups quando atingem valuation bilionário em dólar.
A Pismo fornece infraestrutura bancária e de pagamentos para instituitições financeiras, com plataforma em tempo real e customizável para cada cliente. É o que está “por trás” de serviços como Itaú, BTG Pactual e B3.
Por trás do sucesso da Pismo está um time de fundadores que se conheceu na antiga Conductor, hoje Dock, outro unicórnio da área de finanças: o presidente executivo é Ricardo Jusua, Juliana Binatti é a chefe de produto, Marcelo Parise é o vice-presidente de engenharia e Daniela Binatti é a chefe de tecnologia.
“Quando fundamos a empresa, todos nós estávamos ali pelos 40 anos de idade. Isso também é um ponto importante, porque tivemos experiência como executivos e construímos carreiras em outras organizações”, conta Daniela Binatti, a executiva responsável por criar todo o sistema de tecnologia da Pismo, bem como supervisionar as equipes de engenheiros e desenvolvedores — é a ela que o mercado atribui o sucesso da startup. “O fato de a gente se conhecer há muito tempo, e a experiência que a gente já tinha, e não montando uma empresa com 20 e poucos anos de idade, fazem bastante diferença.”
Três meses após o anúncio da aquisição, Daniela decidiu falar com o Estadão sobre a trajetória da Pismo, que se tornou unicórnio em um momento de revés para o ecossistema de inovação e startups — desde 2022, o mercado vive uma escassez de capital em todo o mundo, o que prejudica o valuation dessas companhias e, portanto, torna os unicórnios figuras ainda mais raras. Por questões de sigilo, a executiva não pode falar sobre o acodo com a Visa, ainda em finalização.
Na próxima quinta-feira, 28, Daniela Binatti deve subir ao palco do evento Vamos Latam Summit, organizado pela Latitud, para a conferência “O que faz um unicórnio?”. Participarão da mesa Paulo Veras, cofundador da 99, e Rodrigo Baer, investidor tradicional do ecossistema brasileiro de inovação e um dos responsáveis por aportar na Pismo em 2016, por meio da gestora brasileira Redpoint eVentures.
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Em 2021, a Pismo levantou um aporte de US$ 108 milhões de outros investidores de peso do mercado, como Amazon e SoftBank. Também participaram do negócio a B3, Falabella Ventures, PruVen e os então investidores atuais Redpoint eventures e Headline. Nessa época, a empresa começou a internacionalização do negócio, mirando o mercado americano, britânico e de Cingapura.
“Os fundos ajudam demais, e a gente tem que ter muita humildade para aceitar, ouvir e executar. Mas também temos que ter coragem de defender as coisas em que temos mais experiência. Já estávamos há 20 anos nesse mercado e sabemos a hora de falar não”, diz Daniela.
Abaixo, leia trechos da entrevista ao Estadão.
A venda da Pismo para a Visa é uma espécie de auge para o setor de startups do Brasil, em especial para as fintechs. Como chegamos até aqui?
Quando decidimos construir a Pismo, trabalhamos juntos 16 anos construindo do zero uma outra plataforma de processamento, lidando com instituições financeiras e varejistas. Nós tínhamos muita clareza do que a gente precisaria fazer diferente para que a solução pudesse escalar de maneira diferente. Passamos um ano na sala de jantar do apartamento da Juliana (Binatti, cofundadora), porque nós éramos cada um de uma área. Eu sou de infraestrutura, segurança, sistemas operacionais; o Marcelo (Parise, cofundador), de engenharia; Ricardo (Josua, cofundador), de financeiro e comercial, e a Juliana, de produtos. Cada um dentro do seu escopo falou quais eram os problemas que não conseguíamos resolver com a solução anterior e o que faríamos diferente dessa vez. Na época que estávamos desenhando a arquitetura da Pismo, eu fui buscar muitas referências fora (do País) no final de 2014. Nós víamos outras soluções escalando: a Salesforce estava em alta, a Amazon Web Services (AWS) estava se estabelecendo aqui no Brasil. Era um modelo de negócio bem diferente e que demorou um tempinho para o mercado entender o que estavávamos oferecendo. Mas esse foi um dos grandes motivos do porquê ganhamos a atenção de nomes internacionais.
Quando foi que deu esse estalo no mercado e, aí sim, a Pismo conseguiu escalar?
Foi quando o Nubank verticalizou os pagamentos na empresa, depois de uma ou duas rodadas de investimento. Todos os novos entrantes do mercado tinham capital suficiente para verticalizar a solução ou eles estavam apoiados em soluções legadas. Do mesmo jeito que isso acontecia com o Nubank aqui, também acontecia um movimento grande de bancos digitais e fintechs na Europa e todo mundo ou estava captando o suficiente para verticalizar ou estava apoiando em soluções legadas e teve um baita problema. Nós, da Pismo, só precisávamos de um caso de sucesso para conseguir provar o nosso modelo. E, com o investimento semente da gestora Redpoint Ventures, que era parceira do Itaú, tivemos a oportunidade de discutir muito o modelo e poder apresentar para o Itaú o primeiro piloto. Logo depois, veio o BTG com uma proposta bem diferente de banco digital apoiado em uma solução. Aí começou a ficar mais fácil de demonstrar o poder daquela solução e de todos os recursos disponíveis que estávamos desenvolvendo na Pismo.
Quando foi isso?
Recebemos o aporte da Redpoint em dezembro de 2016, começamos a operação em 2017. Quando fechamos o escritório em março de 2020, éramos 40 pessoas e assinamos um investimento, do tipo série A, a 3 dias de fecharmos tudo para a pandemia. Foi aí que a gente começou a escalar e contratar. Contratamos 200, 250 pessoas durante a pandemia no modelo remoto. Foi uma baita janela de oportunidade, porque a gente atendia diversas lojas fechadas na América Latina. Havia a mudança de comportamento do consumidor, mais direcionada para o e-commerce. E os nossos clientes foram capazes de muito rápido mudar seus produtos, justamente por conta da nossa tese de fornecer um conjunto de APIs.
A Pismo conseguiu surfar na digitalização da pandemia?
Sem dúvida. Aí levamos uma (rodada de investimento do tipo) série B, que foi quando entraram a Amazon, SoftBank, a Accel no final de 2021. Aí abrimos nosso primeiro escritório fora do Brasil. Já estávamos junto com os investidores, testando o mercado, apresentando um pouco essa proposta de solução para players fora do Brasil e fora da América Latina, na verdade. Tivemos o contrato da Índia, que foi quando a gente contratou o Vishal (Dalal) para liderar a expansão internacional. Sem dúvida, foi na pandemia que a gente escalou a Pismo.
Os fundos de venture capital foram um apoio para além do capital aportado?
Sim. Quando a gente estava começando, quem abriu a porta para a gente no Itaú foi a Redpoint por conta da parceria com o Cubo. Isso foi o game changer na nossa história. Quando a gente começou a construir a Pismo, a gente não imaginava que iria começar a história da empresa com uma banco. Não foi simples, não há milagres, mas, às vezes, sem o fundo de investimento, não é possível. Todos os nossos primeiros clientes foram todos por indicação. Foram esses investidores que abriram a primeira porta para nós. Sempre fomos muito concentrados em fazer muito bem nosso serviço e em não querer vender mais do que éramos capaz de entregar. Estamos em um negócio de reputação. Hoje, temos uma reputação muito boa com todos os nossos clientes.
O mercado de startups atribui o sucesso da Pismo à sra., especificamente. Como você lida com isso e como é o trabalho em equipe com os outros fundadores?
Não é um mérito meu. O mais importante é ter cofundadores que são pessoas de confiança e resilientes. É muito difícil, porque só se conta as histórias mais felizes quando tudo está bem. Temos características muito diferentes. Por exemplo, eu sou diretora de tecnologia (CTO) da Pismo, então eu colaborei muito com a concepção da arquitetura e na forma de operar a plataforma. Mas eu, por exemplo, sou uma pessoa péssima em fazer coisas de dia a dia. Gasto muita energia trabalhando na concepção, mas, na hora que resolvo aquele problema, eu já estou no próximo desafio. Não sou boa em execução. Por isso, no desenho da organização da Pismo, eu e o Marcelo dividimos a liderança de tecnologia como pares. Não é um desenho comum. Normalmente, o CTO lidera tudo e o vice-presidente de engenharia vem abaixo na hierarquia. Mas o Marcelo é meu par. Então, eu faço o desenho, o Marcelo executa e faz a entrega. Se não fosse ele, provavelmente muitas das minhas ideias estariam só no papel.
O fato de os cofundadores terem trabalhado juntos previamente ajudou que essa sinergia funcionasse melhor nessa segunda vez, com a Pismo?
Sem dúvida. Quando fundamos a empresa, todos nós estávamos ali pelos 40 anos de idade. Isso também é um ponto importante, porque tivemos experiência como executivos e construímos carreiras em outras organizações. Temos maturidade para se permitir jogar com os nossos melhores talentos. Aqui dentro, somos os quatro iguais, temos a mesma participação, operamos tudo, todas as decisões são tomadas em conjunto. O fato de a gente se conhecer há muito tempo, e a experiência que a gente já tinha, e não montando uma empresa com 20 e poucos anos de idade, fazem bastante diferença.
Também temos que ter coragem de defender as coisas em que temos mais experiência
Daniela Binatti, chefe de tecnologia da Pismo
Quais os fatores necessários para se tornar um unicórnio?
É preciso ter uma estrutura e uma fundação que permitam a escala global. Hoje, a Pismo consegue lançar seu produto em qualquer região do mundo que tenha a AWS. É só apertar alguns botões e descobrir a instalação. Então, é preciso ter uma solução escalável.
Outro fator é uma prestação de serviço muito sólida e fazer um trabalho muito bom, e não querer dar um passo maior que a perna. Ao não ceder a pressões de contrato de investidores lá no passado, quando o dinheiro estava bombando no mercado de startups, não precisamos fazer demissões em massa quando o mercado mudou. Os fundos ajudam demais, e a gente tem que ter muita humildade para aceitar, ouvir e executar. Mas também temos que ter coragem de defender as coisas em que temos mais experiência. Já estávamos há 20 anos nesse mercado e sabemos a hora de falar não.
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