Ex-alunos de faculdades criam grupos para fazer investimento-anjo

Formados em faculdades, como FGV, Insper e Poli, adotam tática de aporte coletivo para reduzir riscos no universo das startups

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Foto do author Matheus Mans

Com o avanço da pandemia de covid-19, o cenário de investimentos em startups deve sofrer mudanças no País. Mas há quem aposte que os cheques não vão parar de ser feitos – e até quem diga que, em meio à crise, podem surgir oportunidades, especialmente em aportes para startups em estágio ainda inicial, que buscam seu primeiro apoio. Nesse cenário, um dos grupos que podem se dar bem são os clubes de ex-alunos, que reúnem pessoas que estudaram numa mesma instituição de ensino para fazerem investimentos-anjo em empresas novatas. 

Nesses grupos, formados por ex-alunos de universidades, não se fala apenas dos bons tempos das salas de aula e das festas. Os participantes, geralmente com alguma experiência em investimentos, discutem internamente oportunidades em startups e, se quiserem, se unem para realizar aportes em startups ainda em estágio inicial, com cheques coletivos que podem chegar a R$ 1 milhão. Assim, é possível diversificar a carteira de ativos, ao mesmo tempo que se constroem redes de relacionamentos, laços são reatados e empreendedores são beneficiados. O formato já existe há alguns anos nos EUA e começou a ser aplicado no Brasil em 2017, mas viu crescimento nos últimos tempos. 

Pioneiro.Mike Ajnsztajn ajudou a criar o GV Angels há três anos; grupo já fez 18 cheques, entre R$ 300 mil e R$ 1 milhão e tem 170 investidores-membros Foto: Ace

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Mike Ajnsztajn, fundador da empresa de inovação e consultoria Ace, explica que o momento é de oportunidade para esses grupos. Isso porque o cenário de incertezas faz com que haja uma redução no valor das startups na hora de negociar um aporte. Assim, fica mais fácil fazer mais investimentos com menos dinheiro – e, num futuro em que o cenário seja mais aprazível, ter retorno ainda maior com o mesmo aporte. 

Para a startup, por outro lado, receber um cheque de um clube de ex-alunos traz uma rede de contatos diferenciada. “São grupos relevantes. Há uma maior seletividade. Em um único investimento é possível reunir 15 pessoas com uma mesma visão e formação, mas atuação em diversos setores”, diz ele, que também é um dos nomes por trás do GV Angels, grupo de formandos da Fundação Getúlio Vargas, pioneiro no País.

Cenário

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Criado há três anos, o GV Angels já fez 18 cheques, entre R$ 300 mil e R$ 1 milhão. Ao todo, possui uma rede de 170 investidores conectados, na sua maioria executivos e empreendedores de sucesso no País. “Nosso maior diferencial é o acesso ao mercado”, diz William Cordeiro, diretor executivo do GV Angels. “Ajudamos o empreendedor a entrar em contato com o setor, conectamos com tomadores de decisão. Mais do que dinheiro, nós abrimos redes de conexão.”

Para construir esse formato, no Brasil há três anos, os fundadores trabalharam com a Fundação Getúlio Vargas – por mais que o clube de investidores seja independente da instituição – e buscaram inspiração em grupos semelhantes fora do Brasil. Hoje, o GV Angels possui uma carteira diversa: aportou em startups como InstaViagem, que faz pacotes personalizados de turismo; na Resolvi, que acelera processos contra empresas aéreas; e na Eats For You, que conecta cozinheiras e domésticas com o consumidor final.

Para Nelson Andreatta, presidente executivo e fundador da Eats for You, o investimento foi um divisor de águas na empresa. “O grupo tem profissionais com carreiras de sucesso no mercado que fazem total diferença para achatar a curva de aprendizado de uma startup”, diz o empreendedor, que levantou um aporte de R$ 530 mil com o fundo. 

Filhotes

Depois da GV Angels, começaram a pipocar exemplos de outras universidades com seus próprios grupos. Segundo levantamento da organização Anjos do Brasil, que apoia o investimento-anjo no País, já existem nove grupos similares no País. Entre eles, há associações de investidores-anjo do Insper, da Escola Politécnica da USP (Poli-USP), da FEA-USP e até mesmo de brasileiros que frequentaram a escola de negócios americana Wharton, da Universidade da Pensilvânia. 

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A maioria deles ainda está testando o mercado. O Insper Angels, também fundado em 2017, conta com 118 investidores-anjo, mas apenas 7 investimentos – nos quais há uma divisão de R$ 75 mil, em média, para cada membro que decide entrar no aporte. Segundo um dos executivos do grupo, eles ainda se consideram “novatos” e pretendem expandir a atuação no mercado neste ano.

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“Nos tornamos uma empresa independente do Insper há pouquíssimo tempo. Estamos nos estruturando como organização”, explica Vitor Kawamura, fundador do Insper Angels e um dos principais responsáveis pela nova fase do grupo. “Vamos expandir nossa divulgação para os mais de 18 mil ex-alunos na base do Insper. Nosso foco, porém, vai se manter em startups que atraiam a nossa base como um todo. Iremos evitar negócios mais específicos”.

Já no Poli Angels, fundado em 2018, tem 114 participantes e já investiu R$ 2 milhões. O foco ali, porém, está nas qualidades do empreendedor. “Estamos abertos para analisar todas as propostas que surgem. Normalmente, as startups que passam pelos estágios de avaliação têm um time empreendedor forte, dedicado e que se complementa, além de visão clara da transformação que buscam”, diz Rubens Approbato Machado Jr, cofundador do Poli Angels.

Segundo apurou o Estado, grupos também estão sendo montados por ex-alunos da Universidade Presbiteriana Mackenzie e do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). As duas instituições estão estruturando suas bases de ex-alunos para que estes possam investir em conjunto.

Mas para que esses grupos deem passos maiores, especialistas apontam que a diversidade precisa vir de fora para dentro. A maioria dos integrantes desses grupos, afinal, são homens, de até 50 anos, brancos e de grandes centros. “Para se tornarem mais efetivas, esses grupos de investidores precisam buscar diversidade de gênero, de idade e de conhecimento”, afirma Maria Rita Spina, diretora executiva da organização Anjos do Brasil. “No da Poli, a grande maioria são de engenheiros e com pouco conhecimento diverso. Num momento de crise, quanto maior o alcance, melhor a saída”.

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