CEO do Rappi diz que domínio do iFood em restaurantes prejudica mercado e vai ao Cade contra rival

Responsável pela operação do aplicativo colombiano de entregas no País, Tijana Jakovic critica iFood por dominar 80% das entregas nesse segmento e impedir a competição

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Foto do author Guilherme Guerra
Atualização:

Há pouco mais de um ano no comando da Rappi no Brasil, Tijana Jankovic está diante um momento desafiador. Enquanto ela vê o crescimento de rivais em entregas de supermercado, como Shopper e Daki, a executiva de 34 anos está travando uma batalha intensa com o iFood pelo segmento de comida de restaurantes.

Com passagem por Uber e Google, Tijana lidera um grupo com cerca de 40 empresas e associações em uma nova petição junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A alegação é de que o iFood, que domina 80% do delivery de comida, segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), violou as regras estipuladas no ano passado pelo órgão. Na época, o Cade proibiu o iFood de fechar contratos de exclusividade com restaurantes.

A disputa deverá ser quente. iFood e Rappi são dois dos maiores “unicórnios” da América Latina, com avaliações de € 5,4 bilhões e US$ 5,2 bilhões. Ao Estadão, Tijana explica porquê considera o modelo de exclusividade prejudicial para o mercado. Nascida na Sérvia, a executiva também falou sobre outros desafios da gigante colombiana, como o aumento da concorrência, a adaptação do modelo de “superapp” para o Brasil e as dificuldades do modelo de entregas super rápidas. Veja abaixo.

Tijana Jankovic acredita que exclusividade de restaurantes prejudica o mercado de apps de comida Foto: Alex Silva/Estadão

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No Brasil, o Rappi está pressionado por vários concorrentes em diferentes áreas, como delivery de restaurante ou de mercado. Qual a estratégia para o País?

Nossa proposta de valor é a de ser um super app de consumo de todas as necessidades do cliente, com entregas abaixo de 60 minutos. A gente vem baixando esse tempo para 30 minutos ou até 10 minutos, diferente de ter um negócio dominante em que se agrega os outros pequenos concorrentes. A parte central da nossa estratégia é o nosso programa de benefícios Rappi Prime. O mais importante é que um usuário Rappi Prime reconheça os benefícios em qualquer consumo que ele faça. Nossa presença no Brasil é um pouco diferente do que ser somente um app de restaurantes, mercados ou de entregas rápidas.

Por que o Rappi não quer ser uma companhia ‘dominante’ no mercado?

Para nós, a definição de participação no mercado é bem fluida. Não ficamos olhando com obsessão essa questão, porque não existe uma única empresa no mercado que compete diretamente com nós, com os mesmos serviços e a mesma proposta de valor. Então, em vez de ter uma dinâmica de qual porcentual observamos, olhamos para o quanto um mercado como um todo tem a crescer. Olhamos para market share, claro, mas nenhum número vai descrever exatamente nosso posicionamento no mercado porque temos vários competidores em diferentes atividades.

O Rappi foi ao Cade junto com outros 40 nomes do mercado contra os contratos de exclusividade firmados pelo iFood com restaurantes. Por quê?

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Em nenhum segmento há uma concentração de 80% de mercado. Mesmo em tecnologia, é difícil ter uma empresa que seja única no setor. E em nenhum outro país há uma concentração tão grande com um nome tão dominante no mercado. A raiz do problema está nas políticas que trouxeram essa participação de mercado, impedindo os demais competidores de competir com as mesmas regras. Não deveria ser permitido bloquear o restante do mercado por falta de acesso ao conteúdo, principalmente a conteúdo essencial para fazer uma empresa funcionar. E hoje os restaurantes não têm uma verdadeira escolha ao se filiar a uma empresa exclusivamente, porque a oferta em deixar a exclusividade não é sustentável financeiramente para o restaurante. A pandemia piorou o poder de negociação de restaurantes, que ficaram extremamente fragilizados e dependeram inteiramente do delivery. E, mesmo assim, esse cenário resultou na saída de grandes players do mercado, como o Uber Eats. (Procurado pela reportagem, o iFood não se manifestou até a conclusão deste texto. O material será atualizado caso a empresa se pronuncie)

Qual é o problema da exclusividade?

Vamos dividir em três pontos. É a concentração de exclusividade entre as marcas que movimentam a decisão de compra. Se você lista o mercado do Brasil, encontra uns cinquenta nomes que movimentam, mais ou menos, 60% do País. Existem 500 mil restaurantes, mas o arroz com feijão é uma lista extremamente concentrada. A questão da exclusividade realmente prejudica qualquer outro player em oferecer um mínimo para que possa competir. Outra parte é que não pode haver uma oferta de exclusividade extremamente desbalanceada, pela qual o parceiro basicamente não tem outra escolha. Podemos discutir se o mercado como um todo deveria ter o conceito de exclusividade ou não, mas acreditamos que não deveria existir um desequilíbrio enorme. A terceira parte é que vários rivais não conseguem se beneficiar da competição, que é o que seria saudável. Infelizmente, o restaurante não olha para os demais. Essa cadeia acaba prejudicando o mercado como um todo.

Qual seria a solução?

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Nosso desejo com Cade é que não faz sentido ter exclusividade no segmento de restaurantes. Mas existem atuações diferentes dessas exclusividades que prejudicam mais ou menos esse mínimo de competição. Existem soluções intermediárias, e o Cade é o mais capacitado para decidir sobre isso. A gente vem trazendo provas e explicações de como o mercado atual não está num momento saudável.

Há otimismo de que o Cade vai acatar a petição do Rappi?

A gente vem tendo um diálogo muito ativo com o Cade. Estamos confiantes de que a situação atual vai ser revertida. Não nos colocamos na posição de especialistas para definir qual é a solução. Nosso papel é garantir que a decisão atual seja revertida em favor do mercado como um todo. A gente tem muita confiança de que o diagnóstico é claríssimo e absoluto.

Entregas super rápidas são uma tendência do pós-pandemia, mas diversas startups dedicadas ao modelo não estão indo bem em 2022. Como está o desempenho do Rappi na modalidade?

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Para nós, o cenário é bem diferente. A operação Turbo é extremamente complexa do ponto de vista operacional. Para entregar esse serviço é preciso ter custos operacionais de densificação de lojas para garantir o gerenciamento instantâneo do estoque de itens. Também há custos logísticos. E supermercados são um serviço extremamente desafiador. Por isso é muito diferente quando é uma empresa que só possui esse serviço no negócio. No nosso caso, é uma estratégia de portfólio e é possível otimizar algumas coisas. Por exemplo, não precisamos adquirir o cliente, porque dividimos o custo do usuário em todas as verticais. Isso nos dá uma vantagem enorme em relação a esses que tentam construir o negócio do zero. Outra parte, às vezes até mais importante, é a otimização de entregadores parceiros: trata-se de quantas entregas eles têm para garantir boa produtividade, o que fideliza os parceiros. Em nosso caso, ele pode fazer pedidos de restaurante, de mercado, farmácia e aqueles no modelo Turbo.

A expansão de uma malha dessas exige recursos. O Rappi está buscando um novo aporte?

A mudança no mercado de capitais foi notável, por isso houve a desaceleração de muitos nomes, principalmente alguns novatos que estão numa fase menos madura. No nosso caso, estamos em outro estágio. Fizemos muita otimização da empresa antes de essa mudança acontecer. Hoje, a gente olha para disponibilidade de capital internamente.

O Rappi já opera no azul?

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Não podemos abrir os números. O que podemos comunicar é que, hoje, estamos muito sólidos do ponto de vista de caixa, e portanto não dependemos de aportes imediatos ou de deixar de poder expandir ou investir em qualquer um dos nossos mercados e serviços por falta de capital externo.

No Brasil, o conceito de superapp, uma das bandeiras do Rappi, parece não ter pegado como em mercados asiáticos. Isso desapontou vocês?

Nenhum conceito de fora se traduz igualmente dentro do Brasil. A definição sempre muda. O mercado funciona nos próprios trilhos. E isso não quer dizer que não pegou. Hoje, a nossa missão é garantir que temos a nossa interpretação de superapp para o mercado do Brasil e, em geral, para a América Latina: consumo imediato de tudo dentro de 30 a 60 minutos. O Rappi não tem a ambição de incorporar um e-commerce tradicional, com entrega planejada em vários dias e importação de itens. E existe a questão da comunicação, que pega muito na Ásia, com WeChat. Por lá é comum também adicionar algum serviço financeiro para os usuários. Acho que isso também não é algo que, no Brasil, se imagine como missão de um superapp. Ainda vamos ver muito desenvolvimento e coisa a ser desbravada. Mas concordo que o conceito de superapp vai ser rachado em dois ou três ecossistemas dominantes.

Qual é a estratégia do Rappi para os entregadores?

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Conceitualmente, somos um marketplace de três partes: usuários, entregadores e varejistas. A beleza e o desafio de um marketplace é que a plataforma só funciona se todos ficam felizes, se todos acham vantajoso participar. Essa é a premissa básica com a qual a gente opera. Os entregadores são igualmente importantes como os usuários ou parceiros. E, assim como temos o Rappi Prime, lançamos o Sou Rappi. Esse programa de vantagens nasceu depois de um tempo de estudo e traz vale-combustível, que sabemos ser parte de custo importante, serviços médicos e benefícios de educação e qualificação.

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