O Brasil pode se tornar um dos primeiros países a ter sua própria regulamentação de inteligência artificial (IA) em breve. Em andamento desde 2022, o Projeto de Lei (PL) 2.338/2023, mais conhecido como Marco da IA, deve avançar de fase nesta quinta-feira, 28, com a leitura do texto final e votação do Senado.
O PL trata das diretrizes para a regulação do desenvolvimento da tecnologia no País. É este documento que deve conter regras para como as IAs devem ser regidas, quais dados elas podem usar e o que podem ser considerados sistemas de IA no Brasil - o modelo segue o exemplo da lei aprovada na União Europeia, pioneira na regulação da IA no mundo.
O projeto é discutido desde o final de 2022 e teve seu prazo de redação de texto prorrogado algumas vezes neste ano pela Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial (CTIA), responsável pelas audiências públicas opinativas e pela construção do texto da possível lei.
Até o momento, mais de 100 emendas foram propostas ao texto original, que teve sua última leitura no Senado em junho deste ano. Agora, a previsão é que as mudanças no texto sejam finais e que o PL possa ir à votação nas próximas semanas.
“Entre os principais temas abordados nos projetos estão a definição de princípios éticos para IA, a criação de uma Política Nacional de Inteligência Artificial, a regulação do uso de IA em áreas como publicidade e justiça, além de mecanismos de governança e responsabilização”, de acordo com o Senado.
O que diz o Projeto de Lei
Um dos principais pontos do Marco da IA é a classificação de risco dos produtos construídos com a tecnologia. Segundo o texto, fica proibido o desenvolvimento de IAs que possam “comprometer a segurança, direitos fundamentais ou a integridade física e moral das pessoas de forma significativa e irreparável”, que são chamadas de Risco Excessivo. DeepFakes e IAs que podem manipular o sistema eleitoral entram nessa categoria.
O documento também fala que as IAs de Risco Alto, que podem ter impacto nos direitos fundamentais dos indivíduos, como sistemas de seleção de candidatos e biometria via IA, devem ser submetidas a uma maior supervisão e uma regulamentação rigorosa antes de serem liberadas.
Já as IAs consideradas de Risco Geral ou Baixo Risco podem ser desenvolvidas com menos burocracia, por não apresentarem riscos fundamentais - de acordo com texto, é o caso de IAs de tradução, correção ortográfica ou de filtro de mensagens, por exemplo.
Para a fiscalização, o texto determina dois órgãos responsáveis pela supervisão e triagem dessas tecnologias: o Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA) e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que figura como um possível braço de fiscalização.
Outra diretriz diz respeito ao uso de dados é que a utilização deve estar de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Além disso, todos os agentes de IA - como são chamados os desenvolvedores, fornecedores e aplicadores da tecnologia - precisam deixar claro quais informações estão sendo usadas por IAs e precisam do consentimento dos usuários para seu uso.
Ainda, o projeto prevê que o Governo Federal destine recursos financeiros e crie programas de fomento à educação e capacitação de profissionais para trabalharem na área.
As regras, se aprovadas, serão válidas para IAs desenvolvidas por empresas, com fins comerciais, e à tecnologias públicas e governamentais. A regulação não se aplica, porém, ao desenvolvimento da tecnologia em alguns setores, como defesa nacional, pesquisa e desenvolvimento e IAs criadas para uso pessoal.
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A primeira fase do PL foi realizada pela CTIA, responsável por reunir informações, audiências públicas e alinhar o interesse entre o governo e setores da sociedade civil a respeito da regulação. Foi esse fator que causou tantos adiamentos na entrega do texto: enquanto os parlamentares prezavam por um modelo regulatório mais rigoroso, o setor empresarial, influenciado pelas Big Techs, queriam regras mais flexíveis sob o argumento de que isso estimula inovação.
Um exemplo da discordância entre as partes foi a própria classificação de risco das IAs. Gigantes de tecnologia insistiram para que os parâmetros que definiam uma IA tida como “perigosa” fossem mais brandos - o que significa um menor escrutínio sobre o que essas empresas estão fazendo.
Outro ponto foi a condição de responsabilizar as empresas sobre possíveis danos causados pela tecnologia, que permite que usuários possam recorrer à Justiça para reparação de “danos materiais ou morais” caso sejam afetados negativamente pelo produto.
Nas audiências realizadas para discutir o tema, representantes de comissões internacionais chegaram a fazer parte da conversa, como Courtney Lang, vice-presidente de política, confiança, dados e tecnologia no Conselho da Indústria de Tecnologia da Informação, e Matthew Reisman, diretor de privacidade e política de dados no Centro de Liderança em Política de Informação. Ambos os grupos têm, como membros, gigantes de tecnologia como Google, Amazon, Meta, Apple e Microsoft.
O Projeto de Lei foi apresentado, inicialmente, pelo presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e tem como relator o Senador Eduardo Gomes (PL-TO). Nesta quinta, a leitura do texto será feita pelo Senador Carlos Viana (Podemos-MG), presidente da CTIA, que retorna ao cargo após ter disputado a prefeitura de Belo Horizonte. A mesa ainda tem como vice-presidente o Senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP).
Próximos passos
Após a leitura do novo texto no Senado, que deve acontecer nesta quinta, o Projeto de Lei vai para votação na mesma casa e, depois, para a Câmara dos Deputados, que poderá aprovar ou reprovar o PL em votação com maioria simples. Se aprovado, o texto vai para sanção do presidente da República ou, caso tenha a inclusão de emendas, volta para o Senado. Caso seja reprovado, o projeto é arquivado.
Ainda há a possibilidade de que, após a leitura, os membros da comissão peçam mais tempo para identificar demandas ou emendas ao texto principal. Até o momento, o prazo final para entrega do texto pela CTIA é 14 de dezembro.
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