Nos EUA, startups terminam o ano em um frenesi de negociações

Investidores estão se atropelando para dar dinheiro a novas empresas, enquanto aberturas de capital bilionárias fazem muita gente acreditar que os bons tempos estão de volta no Vale

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Por Erin Griffith

No início da pandemia, eram abundantes os avisos de startups em ruínas. Eles desapareceram em grande parte após o choque inicial do novo coronavírus passar. Agora, à medida que a nova realidade do trabalho, escola, compras e socialização remotos sobrecarrega a adoção de produtos e serviços de tecnologia, o sentimento mudou ainda mais – para um frenesi de negociações.

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Startups como Discord e Robinhood estão conseguindo mais dinheiro com avaliações altíssimas e, em seguida, sendo inundadas com novas ofertas de financiamento. Os fundos de venture capital estão lutando para fazer negócios. E já que o serviço de entrega DoorDash e a startup de aluguel de casas Airbnb abriram seus capitais com avaliações bilionárias, a bonança de ofertas públicas iniciais provavelmente enriquecerá e alimentará ainda mais o boom de startups do Vale do Silício.

“Quase todas as empresas importantes no momento estão sendo procuradas loucamente”, disse Matt Murphy, investidor da empresa de capital de risco Menlo Ventures. “Mais do que nunca, existe essa corrida para estar nos ativos a qualquer preço.”

Dubugras (dir.): “As ligações não solicitadas aumentaram neste ano” Foto: Brex

Juros baixos ajudam

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O boom não está sendo impulsionado apenas pela maior demanda por produtos e serviços digitais. As baixas taxas de juros estão levando os investidores a buscar retornos em ativos cada vez mais arriscados. As empresas de risco arrecadaram níveis recordes de capital. Um mercado de ações em alta tem permitido mais IPOs. Grandes empresas de tecnologia estão fazendo aquisições ousadas. Até mesmo o bitcoin atingiu um novo recorde.

Isso ajudou as startups a acumular US$ 36,5 bilhões em financiamento no terceiro trimestre, um aumento de 30% em relação ao ano anterior, de acordo com a CB Insights, que acompanha o financiamento privado. Segundo o Pitchbook, já aconteceram 223 mega rodadas – de US$ 100 milhões ou mais – até agora este ano, em um ritmo que deve superar o total do ano passado, de acordo com a Pitchbook.

As avaliações médias para startups mais maduras também dispararam para US$ 584 milhões, de acordo com a Pitchbook. “Não vejo nada parecido em mais de 20 anos”, disse Eric Paley, investidor da empresa de risco Founder Collective. “A festa está tão barulhenta e as bebidas estão fluindo tão livremente quanto na época da bolha da internet, embora estejamos todos bebendo em casa e sozinhos.”

As startups privadas normalmente levantam fundos a cada 12 a 18 meses, mas com os investidores competindo furiosamente para lhes dar dinheiro, esse prazo agora encolheu para três a seis meses, disseram empresários e investidores. Algumas startups estão até fechando rodadas consecutivas de financiamento com avaliações mais altas.

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Depois que a Discord, uma plataforma de mídia social, arrecadou dinheiro em junho após ser avaliada em US$ 3,5 bilhões, os investidores imediatamente ligaram para dar mais capital à empresa, disse uma pessoa com conhecimento da empresa. Agora, a Discord está em negociações para arrecadar mais e dobrar sua avaliação para US$ 7 bilhões, disseram duas pessoas a par das negociações que não foram autorizadas a falar publicamente. A Discord não quis comentar o caso. O site TechCrunch foi o primeiro a publicar sobre o novo financiamento.

A Instacart, uma empresa de entrega de alimentos, também conseguiu duas rodadas de financiamento de grande sucesso neste ano, mais do que dobrando sua avaliação para US$ 17,7 bilhões. Já o Robinhood, o aplicativo de negociação de ações, arrecadou US$ 1,25 bilhão em quatro rodadas de financiamento diferentes neste ano e foi avaliado em US$ 11,7 bilhões.

Robinhood, de Vlad Tenev, está avaliada em US$ 11, 7 bilhões Foto: Brendan McDermid/Reuters

Rápidos no gatilho

Em uma pandemia, os investidores acharam difícil impressionar os empresários com jantares chiques ou festas cheias de celebridades. Mas eles ganharam uma vantagem ao se movimentarem mais rapidamente. Rahul Vohra, um empresário que também apoia jovens startups, frequentemente ouve o pitch de uma empresa, orienta aplicações, assina um acordo e transfere o dinheiro, tudo no mesmo dia, disse ele.

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“Não adianta ficar parado em uma negociação”, disse Vohra. Esperar uma semana significa que o negócio pode ficar mais caro ou sobrecarregado com outros investidores, custando-lhe a chance de investir, disse ele.

O brasileiro Henrique Dubugras, CEO da Brex, uma startup que fornece cartões de crédito para outras startups, disse que também recebeu mais ligações não solicitadas de investidores. No início da pandemia, a Brex demitiu 62 funcionários e fechou um restaurante que operava no South Park de São Francisco. Mas em junho, os negócios começaram a se recuperar, disse ele. Em seguida, vieram as ligações de capitalistas de risco. “Sinceramente, nunca o vi [o mercado] tão agressivo quanto agora”, disse Dubugras. Ele disse que a Brex não estava planejando levantar mais fundos.

O tema criou uma sensação de desconforto entre alguns investidores. Paley disse que algumas das empresas do portfólio do Founder Collective realizaram rodadas de financiamento "empolgantes" que pareciam arriscadas. “Quando as pessoas nos dão os parabéns, ficamos acanhados e sem saber se essas avaliações incomuns e elevadas são boas para nós ou para os fundadores”, disse ele.

Desastre iminente?

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Mas não faz sentido declarar que o desastre é iminente, disseram outros investidores. Quem ouviria? Por mais de uma década, investidores proeminentes tentaram alertar contra os gastos, avaliações e bolhas de startups. Nesse tempo, a indústria de tecnologia só ficou maior, mais rica e mais poderosa.

Alguns investidores chamaram a atenção para a Sequoia Capital, uma das empresas de capital de risco mais conhecidas do Vale do Silício, que enviou um memorando raro e dramático em março dizendo às empresas para se prepararem para um ano difícil. Seis meses depois, Roelof Botha, um parceiro da Sequoia, disse em uma conferência virtual do TechCrunch que não havia previsto o quanto esse momento beneficiaria as empresas de tecnologia. A Sequoia não quis se pronunciar.

Naquela mesma semana, três startups apoiadas pela Sequoia conseguiram IPOs lucrativos. A empresa teve ganhos inesperados esta semana por causa de seus investimentos no DoorDash e na Airbnb. A Sequoia também possui ações da Zoom, empresa de videoconferência que passou de uma avaliação de US$ 1 bilhão para US $116 bilhões em menos de dois anos. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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