Pesquisador brasileiro especialista em IA tem entrada nos EUA barrada e acredita em boicote

Rodrigo Nogueira participaria de conferência sobre inteligência artificial na Universidade Harvard; embaixada e consulados dos Estados Unidos no Brasil não comentarão o caso

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Foto do author Bruno Romani
Atualização:

Um dos principais nomes da inteligência artificial (IA) do Brasil, o paulista Rodrigo Nogueira, teve o seu visto negado para entrar nos Estados Unidos, onde daria uma palestra na Universidade Harvard no dia 18 de abril. Nogueira, que fundou a startup Maritaca AI, especializada em modelos de linguagem, como ChatGPT, acredita que foi barrado devido à sua área de atuação, que se tornou um campo de disputa global entre as principais potências do mundo. A embaixada americana no Brasil e o consulado dos EUA em São Paulo não comentarão o caso. “Por política do governo dos Estados Unidos, não comentamos sobre casos individuais de visto”, diz a nota enviada à reportagem pela assessoria de imprensa da embaixada e consulados dos Estados Unidos no Brasil.

“Eu fiz a entrevista no consulado em São Paulo no dia 27 de fevereiro. Estava tudo normal até que eu falei que trabalhava com inteligência artificial. Então, naquele momento, tudo mudou. Parece que chegou uma nuvem de chuva na conversa”, conta ele ao Estadão. “Contei que trabalhava com chatbots e que a maioria dos meus clientes são brasileiros. Também precisei explicar sobre uma viagem que fiz a Taiwan em 2023, onde participei da conferência Sigir, focada em buscas”, conta.

Rodrigo Nogueira teve visto negado para participar de evento nos EUA Foto: Maritaca AI/Divulgação

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Ele diz que o visto foi aprovado, mas que no dia seguinte recebeu uma comunicação do consulado exigindo o motivo da viagem para Taiwan e a pesquisa realizada na Universidade de Nova York — Nogueira morou por seis anos nos EUA, dos quais em cinco fez doutorado na instituição americana, atuando no mesmo laboratório cujo nome mais famoso é o do francês Yann LeCun, um dos principais nomes da história da IA, ganhador em 2018 do Prêmio Turing (o “Nobel da Computação”).

“No dia 10 de março, o consulado me pediu o currículo completo, uma cópia da minha tese nos EUA, cópias de todos os artigos que já publiquei e o histórico de viagens”, conta. “Mandei tudo, exceto pela cópia dos artigos. Tenho mais de 100 artigos publicados, então mandei uma lista e onde poderiam ser acessados”. Nogueira conta que no dia 12 recebeu uma comunicação que afirma que teve o visto negado e que não poderia se candidatar a um novo visto pelos próximos 12 meses. Ele afirma que teve o visto negado sob a sessão 221 (g), que diz que, embora o visto tenha sido negado, os documentos permanecem sob análise, o que pode resultar numa reversão da decisão inicial. No entanto, o consulado não estabelece quando ou se vai oferecer uma nova resposta.

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Com isso, o pesquisador não poderá comparecer ao Painel “Inteligência Artificial no Brasil”, organizado em Harvard por professores brasileiros na instituição americana e apoiado pelo Centro de Desenvolvimento Internacional de Harvard, Centro de Pesquisa em Computação e Sociedade de Harvard, Weatherhead Center for International Affairs, Harvard Data Science Initiative e o Consulado Geral do Brasil em Boston. A reportagem entrou em contato com os organizadores do evento, mas não teve resposta.

Ele falaria sobre os avanços da Maritaca, que tem mais de 100 clientes no Brasil, incluindo o JusBrasil, que lançou nesta quarta, 19, uma ferramenta com tecnologia da startup.

“Eles transferiram o evento para um formato online, mas estou pensando em não participar em protesto”, diz ele. Nogueira, que já teve visto de estudante e de turismo e negócios, conta que questões financeiras, por exemplo, não tomaram a atenção do processo. “Isso é algo comum, né? Mas o que gerou foco foi minha atuação em IA e a viagem para Taiwan”, diz ele.

“Acho que se eu trabalhasse com marketing, por exemplo, e tivesse ido a Taiwan, não haveria problema. Mas a viagem mais a atuação em IA pode ter pesado”, diz. Ele também atribui a algumas postagens que faz no LinkedIn. Nogueira é um grande defensor de que o Brasil tenha a sua própria infraestrutura para desenvolver IA para que o País não dependa de outras nações. “O que era uma coisa técnica, virou política”, diz ele. Em 2024, ele já havia defendido a ideia em artigo para o Estadão.

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O pesquisador compartilhou a situação em postagem na mesma social e causou espanto na comunidade de IA do Brasil. Lá afirmou: “Estamos vivendo novos tempos”.

Pesquisador francês barrado

A situação de Nogueira não é inédita nas últimas semanas. Nesta quarta, 19, o jornal francês Le Monde reportou que, em 9 de março, um pesquisador do país especializado em espaço teve sua entrada negada no país onde iria participar de uma conferência em Houston, Texas, como parte de uma missão do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS). O cientista foi acusado de abrigar “mensagens de ódio e conspiratórias” por ter publicado críticas ao presidente Donald Trump.

Segundo os agentes de imigração, o conteúdo “transmitia ódio a Trump e poderia ser qualificado como terrorismo”. A agência AFP diz que ele teve os eletrônicos confiscados e foi enviado de volta à Europa no dia 10 de março. Ele também virou alvo de uma investigação do FBI, que já foi arquivada.

Philippe Baptiste, Ministro de Ensino Superior e Pesquisa da França, mostrou preocupação em uma declaração à AFP.“A liberdade de opinião, a pesquisa livre e a liberdade acadêmica são valores que continuaremos a defender com orgulho. Defenderei o direito de todos os pesquisadores franceses, respeitando a lei”, disse ele.

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Yann LeCun, que também é francês, também expressou preocupação no LinkedIn: “Um cientista francês teve sua entrada nos EUA negada para participar de uma conferência. Ao fazer uma busca aleatória em seu telefone e laptop, os agentes do DHS encontraram mensagens nas quais ele expressava oposição às políticas científicas de Trump. Não se trata apenas de uma violação da liberdade de expressão, mas também de uma violação da privacidade.

Quem é Rodrigo Nogueira

Rodrigo Nogueira é formado na Unicamp e passou a experimentar com treinamento especializado de IAs em 2020, quando voltou de um doutorado na Universidade de Nova York. Além de trabalhar no laboratório de LeCun, Nogueira tinha como orientador Kyunghyun Cho, um dos criadores do “mecanismo de atenção”, um dos pilares para a criação do Transformer, arquitetura revolucionária da IA. Nessa época, o brasileiro criou o Bertinbal, um modelo de IA focado em português e criado sobre o BERT, modelo amplo de linguagem do Google que foi padrão na indústria durante muitos anos.

Ele fundou a Maritaca AI em 2022, com o objetivo de ser uma espécie de “OpenAI brasileira”, ao adaptar e ajustar para o português brasileiro grandes modelos de linguagem. Entre os modelos da empresa está o Sabiá, que alimenta um chatbot chamado MariTalk. Em 2023, ele apareceu na lista do Estadão dos principais nomes da IA no Brasil.