‘Precisamos ter responsabilidade na crise’, diz CEO da Creditas

Fundador da Creditas explica a estratégia de crescimento da startup e afirma que definição de 'fintech de crédito' ficou pequena para a empresa

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Atualização:

Depois de atingir em dezembro do ano passado o status de “unicórnio” (apelido dado às startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão), a Creditas tem vivido meses de crescimento acelerado: após ganhar mercado com empréstimos baseados em garantias como imóveis e automóveis, a empresa tem diversificado seus serviços avançando em seguros, compra e venda de carros e benefícios corporativos. No terceiro trimestre, a Creditas teve aumento de 233% na receita em comparação com o mesmo período de 2020, atingindo R$ 257,1 milhões.

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Em entrevista ao Estadão, o espanhol Sergio Furio, fundador e presidente executivo da Creditas, explica a estratégia de crescimento da startup e afirma que a definição de “fintech de crédito” ficou pequena para a empresa. “Queremos ser o centro da vida das pessoas ao redor de três ativos: casa, carro e salário”, afirma. Com a crise brasileira, porém, a startup enxerga que precisa pensar de forma cuidadosa a concessão de crédito. Para ele, a empresa carrega uma grande responsabilidade junto aos clientes, quando considerada a situação econômica de boa parte da população.

Abaixo, os melhores momentos. 

Sergio Furio, fundador e presidente executivo da Creditas Foto: Taba Benedicto/Estadão

Como a Creditas chega ao final de 2021, após quase dois anos de pandemia?

A pandemia foi um susto. Tínhamos acabado de fazer uma captação em 2019 – estávamos com todos os motores ligados e o pé no acelerador. Executamos os planos de um cenário catastrófico: paramos o marketing e aplicamos uma série de dinâmicas de redução de custos para preservar caixa, mirando a sobrevivência. Mas precisar desacelerar uma empresa que está voando não é simples: você precisa fazer mais para conseguir colocar o freio, e não simplesmente fazer menos. Porém, mesmo sem marketing, passamos 4 meses operando com fluxo de caixa positivo, porque tínhamos toda a carteira de crédito que gerava caixa – veio muito tráfego orgânico. Até que chegou agosto do ano passado e vimos que era um modelo que estava funcionando muito bem. Retomamos o ritmo de crescimento, que estamos sustentando até agora. 

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Por que esse segundo momento foi uma oportunidade para acelerar?

O mercado de capitais, onde a gente faz o funding dos nossos créditos, tinha mais apetite do que nunca, porque temos os ativos como garantia. Quando o mercado fica volátil, os investidores buscam alta qualidade – e os ativos das Creditas são exatamente isso. Aproveitamos também o segundo e o terceiro trimestre de 2020 para desenvolver tecnologias que automatizaram peças bem importantes da nossa cadeia. Antes da pandemia fazíamos 70% das inspeções de carro fisicamente, por exemplo. Agora automatizamos esse processo e colocamos o serviço dentro do nosso app, para que o cliente mesmo possa fazer. Assinatura de contratos também fazíamos a maior parte em papel, porque os clientes queriam assim. Mas na pandemia não teve outra saída, e hoje os contratos e as documentações são totalmente digitais. Dentro disso, lançamos produtos novos completamente digitalizados, como o e-commerce da Creditas, em que o cliente pode comprar um iPhone e pagar diretamente com o salário. Quando o cliente testa esse tipo de coisa e vê que funciona, ele não volta atrás.

Essas mudanças tecnológicas já estavam no radar antes da pandemia?

Grande parte eram coisas que já estavam no radar, mas que não saíam do papel porque não havia demanda do cliente. Mas surgiram coisas que passamos a pensar. Vimos que houve um aumento da consciência social – todos estamos mais cientes do poder que temos como indivíduos e sociedade. Pensando nisso, fizemos um investimento estratégico de R$ 100 milhões na Voltz, uma empresa de motos elétricas que facilita a transição de motores de combustão para elétricos. A Creditas não é mais só uma fintech de crédito, temos uma visão de mudar o jeito que as pessoas lidam com os ativos que elas têm. 

A Creditas teve um crescimento de receita de mais de 233% no terceiro trimestre. A que você atribui esse resultado?

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Os bons ventos da digitalização ajudaram, e ser uma empresa de tecnologia nos permite acelerar mais rápido – se eu tivesse um modelo de varejo puro, por exemplo, precisaria ir abrindo lojinhas aos poucos. Conseguimos encontrar um modelo de negócio digital que funciona com baixo custo. Outra coisa que ajudou foi a configuração do nosso ecossistema de produtos. Fizemos uma migração de fintech de crédito focada em home equity (imóvel como garantia) e auto equity (garantido por um carro) para um ecossistema de soluções tecnológicas, que está funcionando muito bem.

Ao mesmo tempo, as perdas quase dobraram para R$ 81,2 milhões. Por quê?

É preciso entender o que é o prejuízo da Creditas. Geramos margem pelo spread do crédito (diferença entre o valor de captação e concessão do recurso), e nosso crédito médio é de 8 anos. Para trazer esses clientes, eu invisto em marketing e pessoas, mas isso trará retorno ao longo do tempo. Uma empresa em crescimento, quanto mais cresce, mais gasta, mas esse gasto é um investimento na margem futura. Por isso a receita da Creditas aumenta no tempo de forma exponencial. As perdas devem ser comparadas com a geração de receita – e esse dado caiu pela metade no último ano. O caminho está muito claro para a gente.

Por que a Creditas tem várias frentes de negócios diferentes, mas não é um banco digital completo?

Se em vez de comprar e vender carros fôssemos um banco digital, seríamos mais um no mercado. A visão do banco é ser o centro da vida financeira do cliente, e nós queremos ser o centro da vida da pessoa em volta de três ativos: casa, carro e salário. A Creditas quer acompanhar o cliente nas diferentes necessidades que ele tenha na vida: eu financio o seu veículo, dou um crédito de liquidez, troco seu carro, faço a manutenção, faço o seguro, tudo em um lugar só. A parte boa de ter tudo isso é aumentar a retenção de cliente – eu reduzo o custo de aquisição de clientes, porque já os tenho aqui. Com menos custos, consigo aumentar as margens e reduzir os preços.

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A Creditas entrou na compra e venda de veículos seminovos com a aquisição da Volanty. Mas há competidores no setor como a mexicana Kavak, que é especializada nisso e está investindo pesadamente no Brasil. Haverá espaço para a Creditas nesse mercado?

Seria a mesma coisa que comparar uma empresa que se dedica só a fazer empréstimo pessoal a um banco. O mercado de empréstimo pessoal até hoje é totalmente dominado pelos bancos, porque se você só oferece o empréstimo pessoal, há apenas uma via de monetização – é preciso investir em marketing para atrair o cliente só para aquele serviço. Quando você tem um ecossistema completo, a retenção de clientes aumenta. Curtimos mais esse tipo de dinâmica. Além disso, não só compramos e vendemos carros próprios, mas também atuamos com carros de terceiros – temos os parceiros que são as revendas. É uma diferença em relação à Kavak, que foca só em carro próprio. Nós queremos ajudar esse varejista de revenda a ter melhores produtos financeiros. Também temos de considerar que a Kavak e a Creditas hoje têm 0,1% desse mercado, que é gigante no Brasil. Encontramos muito pouco a Kavak e acho que continuará assim. 

Por que fazer uma parceria com o Nubank? O que muda na Creditas?

Estamos bastante empolgados com essa parceria estratégica porque é bastante abrangente. Vamos distribuir nossos produtos pelo aplicativo do Nubank e eles podem virar nossos acionistas – se eles performarem bem distribuindo nossos produtos, vão poder comprar um pedaço da Creditas, até 7,7%. As duas empresas têm muito em comum e atacam o mesmo problema de ângulos muito diferentes. Há três meses temos times do Nubank e da Creditas trabalhando conjuntamente no desenho da experiência para o usuário. 

Como anda a operação da Creditas no México?

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Temos lá um time de 170 pessoas, criado durante a pandemia. Lançamos 4 produtos: financiamento de carros, crédito com garantia de carro, crédito com garantia de imóvel e consignado privado. Nossa operação no México está crescendo três vezes mais rápido do que o Brasil crescia na mesma fase. 

Qual é a responsabilidade da Creditas em meio à crise econômica brasileira?

É uma superresponsabilidade. A primeira coisa é estruturar nossa operação do jeito certo. Não adianta aprovar crédito para todo mundo porque as pessoas não têm dinheiro. A abordagem não deve ser paternalista, e sim de pensar se há uma solução para a vida das pessoas que eu consiga aplicar– estamos mexendo com os ativos e não quero que elas os percam. Preciso olhar a vida financeira da pessoa e ver que outras coisas ela tem e entender por que ela está pedindo determinado crédito. É nossa responsabilidade entrar nessas dívidas, entendê-las, e colocar uma estrutura de fluxo de caixa que a pessoa possa pagar. Não queremos dar crédito simplesmente por dar crédito. Queremos dar um crédito para que você consiga arrumar sua vida. 

A Creditas levantou sua última rodada de investimento em dezembro de 2020. Está no radar levantar um novo aporte em breve?

Ainda há um mercado grande, onde o capital é necessário. Se a gente quer continuar com um ritmo de crescimento acelerado, precisaremos levantar capital de forma recorrente. Ainda estamos bem capitalizados, mas a cada dia nosso time vem com mais oportunidades e mais ambições, então é justo pensar que nos próximos 18 meses algo tem de acontecer. 

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A incerteza na economia nacional e na política deve impactar a Creditas nos próximos meses?

Perrengue sempre tem no Brasil, já descobri isso. Cada dia você acorda pensando qual vai ser o problema da vez. Agora, estamos vivendo uma instabilidade política que impacta os agentes econômicos na definição de juros a longo prazo, geração de investimento em capital, que inibe o emprego. Tudo isso impacta, óbvio. Mas também temos um olhar pragmático: precisamos focar no que podemos controlar, que é minha tecnologia e meus times. Se construímos um time que desenvolve coisas rapidamente, ele vai conseguir aproveitar as oportunidades. Quem é grande não quer volatilidade, porque prefere que as coisas fiquem como estão. Nós, pequenos, que temos muitas coisas a fazer, nos mexemos na bagunça para tentar dar uma resposta rápida ao mercado. 

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