A Fazenda Futuro, startup brasileira de alimentos a base de plantas (ou plant based), começou 2022 com um desejo ambicioso: tornar-se uma das maiores empresas do setor nos EUA. Para isso, levantou, em novembro do ano passado, um investimento de R$ 300 milhões — valor que vai, em sua maior parte, alimentar o sonho americano. As prateleiras devem começar a ser abastecidas em abril.
Com produtos como carne moída, linguiça, hambúrguer e atum, Marcos Leta, fundador e presidente da Fazenda Futuro, tem como desafio enfrentar rótulos consolidados no país, como Beyond Meat e Impossible Foods,que no fim de 2021 recebeu um aporte recorde de US$ 500 milhões e se prepara para abrir capital ainda neste ano. Em entrevista ao Estadão, Leta contou sobre a expectativa de lançar a startup em um país novo, ao mesmo tempo em que gerencia o crescimento na Europa e no Brasil — são 28 países, no total. Confira os principais momentos da entrevista.
O que muda na empresa com o aporte de R$ 300 milhões?
As nossas rodadas de investimento sempre têm um objetivo. Na Série A, a meta foi aumentar o espaço da fábrica e capacidade produtiva. A Série B foi, principalmente, destinada a continuar o crescimento fabril e focar na operação na Europa. A Série C vai ser para fazer continuar fazendo investimentos no crescimento no mercado europeu e, a maior parte desse capital, para começar o trabalho nos EUA.
Qual é a estratégia da Fazenda Futuro para expandir nos EUA?
São alguns pontos em que a gente cria uma vantagem competitiva em relação a marcas americanas, como a Impossible Foods e a Beyond Meat. Um grande desafio dessa categoria é o preço. Chega uma hora em que, se você não diminui o preço, você chega em um limite de crescimento. Vamos ser entre 15% e 20% mais baratos que a Beyond Meat nos EUA. Um outro ponto é que, de alguma forma, essas empresas ainda não conseguiram aumentar o portfólio maior. A gente consegue oferecer mais produtos para o varejista. Isso faz diferença, porque ele quer que uma só empresa consiga oferecer um portfólio amplo para a compra.
Vocês chegam nos EUA com a proposta de preços mais competitivos, mesmo com a fábrica localizada no Brasil. Como vão gerenciar a logística de importação sem impactar no preço?
O custo de produção no Brasil, de fato, é mais barato do que o custo de produção nos EUA. Ainda, como você está exportando a produção, você acaba não incluindo alguns impostos internos, isso facilita a conseguir preços mais competitivos e fazer frente com marcas americanas.
Essa logística ainda é um desafio?
Hoje, os produtos que têm volumes maiores, como hambúrguer, por exemplo, a gente produz no Brasil. Como o País é um dos maiores exportadores de carne animal do mundo, já existe uma logística para produtos congelados muito bem organizada. No final do dia, a gente usa esse mesmo sistema (de carne animal) para chegar a diversos países do mundo. O nosso maior desafio sempre é em como avançar em tecnologia e reduzir o custo para aumentar consumo. Existem alguns locais em que a gente manda o produto e empacota no país, porque fica mais barato, mas cerca de 90% da produção sai do Brasil.
Qual é a estratégia da startup para se diferenciar em um mercado que está atraindo diversas marcas para o setor?
O consumidor decide se o produto é gostoso ou não, se é mais próximo da carne ou não. Se o principal foco do frigorífico não é o plant-based, mas é continuar matando e vendendo animal, não existe um foco tão grande em desenvolvimento de tecnologia para estar nesse mercado. A gente vive 100% do plant-based, então existe um foco muito grande de capacidade intelectual muito maior que outras marcas ou frigoríficos.
E como se diferenciam em tecnologia?
A gente tem fábrica própria, o que facilita muito. Então a gente não terceiriza a produção e consegue desenvolver os processos industriais. A gente não acredita que uma só tecnologia consiga desenvolver o produto. Inteligência artificial é uma parte do processo, mas é uma parte pequena. Ela não dá a fórmula precisa. Com múltiplas tecnologias, é possível ter um processo industrial mais único, onde você consegue dar características mais reais e mais próximas da carne. Existem vários tipos de tecnologia: língua artificial que mede textura, testes de extratos naturais para medir o nível de proximidade do sangue do boi, por exemplo.
O que falta para colocar a carne vegetal na mesa do brasileiro?
Só o tempo vai construir essa categoria, como aconteceu em outros países que, hoje, têm o mercado mais maduro. Isso inclui ter o desenvolvimento de bons produtos, não deixar que outras empresas “estraguem” esse mercado com produtos ruins, e dar tempo para o consumidor experimentar e conhecer. O principal é entender que você não está em uma corrida de 5 km, você está em uma maratona de 100 km para construir essa categoria no Brasil.
Isso passa por reduzir os preços dos produtos vegetais em relação aos produtos de origem animal?
A cada fórmula nova que você desenvolve, dentro das variáveis, é importante diminuir o custo para poder passar isso para o consumidor. O segundo ponto é a escala. A categoria ainda é muito pequena. À medida que vai ganhando escala, crescendo em outros países, você consegue ter eficiências fabris maiores e consegue passar essa eficiência para o consumidor, mas isso leva tempo. Não acontece em dois, três anos de operação. Um outro ponto é que a carne animal vai aumentar de custo ao longo do tempo, então os incentivos para a carne animal vão acabar. Carne é uma categoria que precisa ser revista e, basicamente, os preços das duas categorias (carne animal e vegetal) vão ficar cada vez mais próximos.
Quais os planos para 2022?
Em termos de captação, nosso caixa dura os próximos dois anos e meio, então a gente não pretende ter nenhuma captação em vista. Nosso plano vai continuar sendo criar a categoria no Brasil, consolidar mais a marca na Europa, principalmente na Inglaterra, e começar realmente a operação nos Estados Unidos. Nossa fábrica sustenta o nosso crescimento, então nenhuma expansão vai ser necessária nesse sentido.
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