Uber, WeWork, 99, Alibaba, Slack, projetos de carros autônomos, startups de saúde, fabricantes de chips e empresas de telecomunicações. A lista de empresas na qual o grupo japonês SoftBank têm participações pode parecer uma grande salada – e, em breve, ela vai ganhar um tempero latino: a empresa anunciou na última semana um fundo de US$ 5 bilhões dedicados a investir em startups da América Latina. Mas, para Marcelo Claure, diretor de operações da nipônica e líder do fundo que vai se estabelecer na região, há um foco bem definido.
"Procuramos empresas que tenham habilidade de usar inteligência artificial e dados para desafiar indústrias tradicionais", disse. "Se investimos em muitas indústrias, é porque muitas delas ainda não passaram por disrupção", explica o executivo, que conversou com o Estado na manhã de ontem. Nesta semana, Claure, que é boliviano, está visitando a região – no Brasil, almoçou com o ministro da Economia Paulo Guedes e conheceu o centro de startups Cubo, do Itaú. "É um lugar que não se encontra em muitas cidades do mundo", elogiou. Aqui no Brasil, além da 99, na qual investiu em 2017 e depois repassou sua participação à chinesa Didi (da qual também é acionista), a SoftBank já aportou recursos na startup de entregas Loggi.
O valor que a SoftBank tem para investir na América Latina impressiona: ele é quatro vezes maior que o total de aportes de capital de risco realizado em startups da região em 2017, segundo a Associação Latino Americana de Venture Capital (LAVCA, na sigla em inglês). Com ele, a japonesa promete buscar as principais startups da região. "Queremos achar as startups latinas campeãs e levá-las para o mundo", diz Claure. Outro foco da empresa será ajudar as mais de 100 startups em seu portfólio a chegarem à América Latina, um mercado consumidor de mais de 600 milhões de pessoas. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Estado: Por que investir na América Latina? Marcelo Claure: Nós somos uma empresa tradicional japonesa. Começamos investindo na China, com o Alibaba, e no Vale do Silício. Depois, investimos na Índia – e lá percebemos o potencial de países emergentes. Como sou latino, passei muito tempo tentando convencer Masayoshi Son [o presidente executivo e fundador da SoftBank] a investir aqui. Vejo prosperidade econômica chegando ao continente, com reformas e uma série de empreendedores excepcionais. Temos visto cada vez mais latinos nos nossos escritórios em Londres e no Vale do Silício. Era hora de prestar atenção no mercado.
Qual será o foco dos investimentos? Lá fora, a SoftBank é conhecida por apostar em indústrias diferentes, de chips a mobilidade... Na verdade, temos um foco bem específico: procuramos empresas que tenham habilidade de usar inteligência artificial e dados para desafiar indústrias tradicionais. Se investimos em muitas indústrias, é porque muitas delas ainda não passaram por disrupção. Acredito que a internet, com Google e Facebook, só mudou uma indústria até agora: a de publicidade. Mas há muito mais por vir – e se achamos um empreendedor com bom modelo de negócios, estamos interessados.
A SoftBank tem como estratégia investir em empresas que podem ser líderes globais. Você vê esse potencial nas startups latinas? Acredito que podemos achar os campeões latinos e levá-los para o mundo. Temos um portfólio de cerca de 100 empresas no SoftBank e podemos plugar as startups daqui com empresas parecidas do nosso portfólio. Também podemos ajudar as companhias de fora a se estabelecerem na região, um mercado de muito potencial. Temos a nosso favor o tamanho do fundo: não temos limitação de capital, podemos acompanhar uma empresa do início até depois que ela começar a operar na bolsa.
Hoje, o Brasil recebe cerca de 70% do capital de risco para startups da América Latina. Essa proporção vai se manter? Não temos nada pré-estabelecido. Queremos achar bons empreendedores, não importa onde estão. A lógica diz que o Brasil tem a maior economia da região e é o ecossistema de startups mais bem desenvolvido. Hoje visitei o Cubo e fiquei impressionado: é um lugar que não se acha em muitas cidades do mundo. Não acho que os brasileiros sejam mais espertos que os outros latinos, mas houve muita dedicação para a construção desse ecossistema. Também não temos valores definidos ou um prazo para fazer os investimentos. O que queremos é que os empreendedores tenham os recursos ideais para crescer. Quando isso não acontece, a criatividade deles fica limitada.
Há planos para um escritório local? Sim. Queremos contratar dezenas de pessoas, gente da área de investimentos, para tocar isso. Também poderemos aumentar as contratações, para ajudar empresas do nosso portfólio a operar no mercado latino. Não temos um plano definido ainda, mas provavelmente será em São Paulo, porque é onde a ação acontece.
Há quem critique o SoftBank por “inflar” os investimentos no Vale do Silício, reduzindo a competição entre fundos de investimento. Com um fundo de US$ 5 bi na América Latina, algo semelhante pode ocorrer aqui. Como vê isso? Acho que as pessoas confundem duas coisas: os números dos investimentos que fazemos e o fato de que fornecemos a quantidade correta de capital que um empreendedor precisa. São coisas completamente diferentes. Se apenas fizéssemos grandes apostas, não teríamos o melhor retorno do mercado. Queremos que o empreendedor foque em ter a melhor execução possível, em como fazer seu negócio crescer mais rápido. Não queremos que ele perca tempo precisando encontrar capital para seu negócio.
Quando você fala, parece que tudo vai dar certo. Mas quais são os riscos envolvidos nessa operação? O que pode dar errado para um fundo que tem tanto dinheiro? Precisamos ter certeza de que estamos fazendo os investimentos certos. Somos uma empresa de longo prazo, somos a única empresa do mundo que tem um plano para os próximos 300 anos. Às vezes, meu time de investimentos quer fechar contratos de forma rápida, está excitada com os negócios, mas faltam certezas. Precisamos ter confiança para escolher os empreendedores certos. Por outro lado, nós conhecemos bem o mercado: podemos entender o que pode acontecer no Brasil porque já vimos algo semelhante acontecendo na China, podemos mostrar o que aconteceu com eles depois de determinadas decisões.
Você almoçou com Paulo Guedes, ministro da Economia. Como foi a conversa? Foi uma lufada de ar fresco. Ele é um líder progressista e vem de uma comunidade parecida com a nossa, ele entende as nossas dores. Ele quer fazer grandes reformas. Se conseguir, o Brasil estará numa posição melhor do que está. Vocês não deveriam ser um dos piores lugares do mundo para fazer negócios ou uma das piores estruturas tributárias. Com as reformas certas, o Brasil tem uma incrível oportunidade nas mãos. Percebi que ele ficou muito animado com a possibilidade de trazer empresas “da nova economia” ao País.
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