PUBLICIDADE

‘Spotify do DNA diz que ronco, mas não sabe que sou baixinha’: testamos serviço genético

Análise dos genes na assinatura da MeuDNA mostra, semanalmente, características como sono, bronzeamento e até o quanto o paciente ronca

PUBLICIDADE

Foto do author Bruna Arimathea
Foto do author Alice Labate

O streaming já virou parte das nossas vidas: em serviços de vídeos e áudios, as assinaturas passaram a ser parte integrante de como levamos a rotina. E o sucesso tem feito outras áreas se inspirarem no modelo. Uma delas é a MeuDNA, empresa de testes genéticos da Mendelics, que lançou em março uma assinatura mensal para que o usuário possa acessar semanalmente resultados obtidos a partir da análise de seus genes - o Estadão testou o serviço que é uma espécie de “Spotify do DNA”.

PUBLICIDADE

Chamado “MeuDNA Perfil”, o serviço tem uma proposta diferente de outros produtos do tipo. Em vez de focar em ancestralidade ou saúde, ele entrega resultados frequentes sobre personalidade e aspectos físicos dos usuários - para responder questões como “de onde venho?” ou “qual doença eu tenho?” é necessário recorrer a outros testes.

Segundo David Schlesinger, presidente da MeuDNA, o plano é uma forma de oferecer respostas mais focadas no autoconhecimento de características que, não necessariamente, configuram doenças.

“O legal é que cada um vai encontrar resultados que podem ser explicações para várias coisas. Queremos que as pessoas que ouvem falar sobre publicações científicas que falam sobre genética possam entender o contexto desses estudos na prática”, explica Schlesinger.

Aplicativo da startup oferece várias categorias de análise de DNA ao usuário Foto: Werther Santana/Estadão

Durante a análise, é feita via inteligência artificial (IA) uma comparação dos genes do paciente com o banco de dados da empresa para identificar as variações genéticas que o indivíduo possa apresentar. Para isso, a MeuDNA utiliza a tecnologia de Exoma, que faz o sequenciamento dos genes um a um, identificando todos as moléculas de material genético existentes. Sempre que surgem novidades científicas relacionadas aos genes mapeados, o usuário recebe atualizações.

Até o momento, 17 resultados estão disponíveis na plataforma, informando características como cor de olho, altura, comportamentos vinculados ao consumo de álcool e tabagismo, relógio biológico e até a probabilidade de o usuário ser um “trator” na hora de dormir — nos testes da reportagem, a chance de roncar à noite de uma de nós duas ficou em mais de 80%.

Feito em casa e enviado posteriormente ao laboratório via correios, o teste, que inclui um kit para a coleta do material humano, é comprado pelo site da empresa. Na análise, a empresa demanda uma amostra de saliva, extraída da parte interna da bochecha do paciente e armazenada no próprio recipiente fornecido pelo kit.

Publicidade

A assinatura do serviço pode ser mensal, trimestral ou semestral e custa, respectivamente, R$ 99,90, R$ 49,90 e R$ 24,90.

Resultados

Depois de feito o teste, o aplicativo da MeuDNA traz a aba Perfil, onde o usuário encontra várias categorias em que o seu DNA foi analisado, como relógio biológico, em que é possível ver se o usuário é uma pessoa noturna ou matutina; altura, que mostra se o usuário tem uma altura acima ou abaixo da média da população; e até categorias sobre traços de personalidade, como em assumir riscos. As seções são atualizadas periodicamente e mais temas são acrescentados conforme surgem novas descobertas sobre o DNA do usuário.

Em cada aba da análise há um gráfico com a mediana da população e o resultado do exame do usuário em porcentagem, além de três curiosidades sobre o tema da categoria. No app, também é possível obter informações sobre como a análise genética foi realizada para cada tema e como entender o resultado. Dentro das seções, a plataforma também separa o resultado da análise em três templates para que o usuário possa compartilhar nas redes sociais.

Nem sempre, porém, o serviço funciona. A reportagem testou duas amostras, que apontaram uma altura maior do que 65% da população. A mais alta de nós? 1,57 metro.

PUBLICIDADE

Para indicar miopia, outro erro. Uma de nós tem 3 graus de miopia, mas o teste colocou no grupo de 2% da população com menor chance de ter o problema.

Segundo a empresa, os desencontros nas informações são explicados por uma tríade de fatores utilizados que definem a característica final de uma pessoa: os componentes genéticos comuns, os raros e o ambiente. Na empresa, a IA analisa, em sua maior parte, os componentes genéticos comuns, que são os mais conhecidos e “comparáveis” entre si. Para o exemplo da altura, um dos fatores determinantes para que o resultado seja impreciso pode ser a presença de algum gene raro que altere a expressão fenotípica, ou seja, a aparência e as características visíveis de uma pessoa.

Plataforma oferece 17 categorias e análise até o momento Foto: Werther Santana/Estadão

“Ainda existem muitos componentes genéticos, mesmo os comuns, que a gente ainda não conhece. Então, não conseguimos medir tudo. Estamos trabalhando com o que é conhecido e, por isso, ainda tem bastante coisa para se entender melhor”, afirma Schlesinger.

Publicidade

Além disso, a empresa diz que somos influenciados pelo ambiente ao nosso redor. Hábitos adquiridos, treinados, costumes familiares e a própria necessidade de se adaptar a certos tipos de situações podem moldar a forma como nos comportamos ao longo da vida.

Por outro lado, outras características foram confirmadas nos testes. Acessamos informações sobre o quão bronzeada a pele pode ficar quando exposta ao sol e sobre a probabilidade na população de ter cabelos ruivos. Infelizmente, o resultado sobre o ronco também estava correto para uma de nós.

Opções

O serviço, entretanto, não é exatamente novo no Brasil. Outras empresas também oferecem testes capazes de revelar para o usuário de onde ele veio ou se mutações malignas podem ser encontradas em seu DNA. A Genera, empresa de análise genética, é uma das que estão no mercado com testes a partir de R$ 300. Outra representante do setor é a israelense MyHeritage, que também oferece testes genéticos para descobrir sobre as origens ancestrais do paciente, a partir de R$ 209.

Fora do País, os testes — tanto para sanar a curiosidade quanto para ajudar na chamada medicina de precisão — são mais populares. A 23andme, criada por Anne Wojcicki, esposa de Sergey Brin, cofundador do Google já oferecia, em 2014, oportunidade de colocar a prova o material genético e descobrir predisposições a doenças, características genéticas e até a ancestralidade.

Privacidade é dilema

Dar o controle de dados genéticos para uma empresa ainda é uma barreira para muitas pessoas quando se fala de um teste de DNA. Isso porque os dados são tão ou mais íntimos do que fornecer informações da sua conta bancária: a partir do genoma, é possível construir uma personalidade inteira, com características de saúde e de aparência — o que pode ser usado em golpes avançados de engenharia social ou, ainda, em esquemas de fraude, caso sejam vazados.

Para fornecer um relatório semanal sobre a personalidade do usuário, é inevitável que a empresa tenha acesso aos dados do usuário por um longo período de tempo. No caso da MeuDNA, a empresa informa que usuários podem pedir pela exclusão das informações pessoais em qualquer momento, desde que, claro, a assinatura seja cancelada.

“Todos os dados são do cliente e, portanto, em qualquer momento em que o cliente pede para deletar o dado, ele tem esse direito”, explica Schlesinger.

Publicidade

Consideradas informações sensíveis segundo a Lei Geral De Proteção de Dados (LGPD), os dados sobre saúde e genética não podem ser compartilhados com terceiros sem que o paciente forneça autorização para tal. De acordo com Schlesinger, na MeuDNA, os dados ficam guardados com a empresa em uma base de dados criptografada.

Mesmo com a sensibilidade das informações, ele acredita que os testes de DNA são uma nova forma de enxergar como as pessoas “funcionam” e, principalmente, e de como detectar a reação do ser humano em relação a uma combinação de características genéticas e ambientais.

“Tivemos um avanço muito grande em como desenvolver escalas para entender o genoma nos últimos anos”, aponta Schlesinger. “Os resultados conseguem mostrar coisas que explicam ou que as fazem parar para pensar. Queremos começar a colocar as pessoas no contexto dos estudos científicos”.

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.