A startup mineira Buser, de ônibus fretados para viagens intermunicipais, comunicou nesta quinta-feira, 8, a demissão de 30% do corpo de funcionários da empresa. O número representa cerca de 165 pessoas, segundo apurou o Estadão.
A companhia, fundada em 2017, atribui os cortes ao mau momento do mercado de startups, que enfrenta a escassez de capital de investidores, e à “morosidade” dos avanços regulatórios”, que estaria freando o modelo de negócio da empresa.
“É uma medida dura e difícil, mas necessária para continuarmos crescendo de forma sólida e segura”, afirma o presidente executivo e fundador da Buser, Marcelo Abritta, em nota. Segundo a startup, a expectativa é de que a companhia recupere o número de contratados para o mesmo patamar de dezembro já no próximo semestre.
Os funcionários demitidos vão receber mais um mês de salário, além de extensão de três meses do plano de saúde e do serviço de cuidado da saúde mental da startup Zenklub, apurou o Estadão.
Em junho de 2021, a Buser levantou R$ 700 milhões em uma rodada que contou com diversos investidores tradicionais do mercado de tecnologia, como LGT Lightrock, Softbank, Monashees, Valor Capital Group, Globo Ventures, Canary e Iporanga Ventures.
Por conta da rápida expansão nos últimos anos e pela alta capitalização, a companhia era uma das candidatas a “unicórnio” em 2022, clube das startups com avaliação de mercado superior a US$ 1 bilhão.
Modelo em xeque
O corte desta quinta-feira vem após diversas idas e vindas no mercado regulatório de ônibus, no qual a Buser opera ao fretar veículos de forma colaborativa. No modelo, usuários compram passagens na plataforma online da startup, que organiza os veículos conforme a demanda – consequentemente, o preço das passagens pode cair em até 50% em relação às viagens tradicionais.
O negócio da Buser vai de encontro ao conceito de “circuito fechado”, que define como devem operar as viagens interestaduais de ônibus. Pelo decreto de 1998, as viações rodoviárias são obrigadas a atender o mesmo número de passageiros na ida e na volta, impedindo que grupos diferentes sejam transportados.
O modelo é questionado pelas autoridades. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) estuda definir o que é “transporte clandestino”, o que colocaria em xeque a operação da Buser no Brasil. Decisão da Justiça de São Paulo, no entanto, ordenou em 17 de novembro a retirada desse item da pauta do órgão regulador brasileiro, em decisão vista como favorável pela startup.
A incerteza faz com que as autoridades impeçam a circulação dos ônibus da Buser, que teve veículos apreendidos por blitzes rodoviárias – as apreensões impedem as viagens dos passageiros e forçam a companhia a arcar com multas e custos de manter os carros estacionados. A startup afirma que as viações tradicionais são as maiores beneficiadas dessa decisão.
“Infelizmente, tivemos que fazer esse ajuste não só devido ao cenário macroeconômico, mas também por causa da perseguição que sofremos de alguns órgãos reguladores”, afirma Abritta na nota. “Esperamos que a regulação tenha avanços no próximo governo para que possamos voltar a gerar empregos de alto valor agregado.”
Nova unidade de negócio
De acordo com duas fontes que falaram ao Estadão em condição de anonimato, devido às incertezas do mercado regulatório, a Buser vem investindo na compra e venda de passagens de terceiros, cobrando uma taxa de cada venda. O modelo é similar a marketplaces do setor, como a ClickBus.
A expectativa é que essa nova unidade de negócio, em vigor desde janeiro de 2021, complemente o modelo principal da startup: “A unidade de fretamento de ônibus queima muito caixa, então crescer com os parceiros nas rodoviária vai ser o foco da empresa”, disse a fonte.
Reclamações crescem em meio a incertezas
O cenário desafiador vem afetando o serviço da Buser com os passageiros, reclamam usuários nas redes sociais. As queixas incluem remarcação de pontos de saída dos ônibus e remarcações de horários das passagens, além das apreensões que impedem as viagens.
Na plataforma ReclameAqui, a empresa é avaliada com a nota 6,9, equivalente a “regular”, nos últimos seis meses. Além disso, apenas 57,6% dos clientes afirmam na plataforma que voltariam a fazer negócio com a empresa.
A despeito das demissões, a Buser garante que a operação da startup segue em funcionamento para os 8 milhões de clientes da empresa.
Startups levam as viagens de ônibus para a internet e crescem oferecendo passagens mais baratas
Crise nas startups
Conhecidas por contratar centenas de funcionários ao mês, as startups têm realizado centenas de demissões pelo mundo – o fenômeno não é exclusivo do Brasil. O período tem sido batizado de “inverno das startups”, após a onda positiva causada pela digitalização da pandemia nos últimos dois anos.
Segundo especialistas consultados pelo Estadão nos últimos meses, as demissões ocorrem como reajuste de rota em meio à alta global nos preços e à guerra da Ucrânia, que desorganiza a cadeia produtiva mundial. Nesse cenário, investidores viram as costas para investimentos de risco, como startups. Com isso, levantar rodadas tem sido mais difícil do que durante a pandemia, quando o apetite dos investidores por risco era maior.
O processo tem sido especialmente duro com as startups maiores, que estão no momento conhecido como “late stage”. Nesse estágio de maturidade, as empresas queimam dinheiro velozmente na tentativa de crescer e ganhar mercado - sem o dinheiro, elas precisam preservar caixa para sobreviver.
Entre os unicórnios nacionais que já fizeram demissões em massa em 2022 estão 99, Loggi, QuintoAndar, Loft, Facily, Vtex, Ebanx, MadeiraMadeira, Mercado Bitcoin, Olist, Unico, Hotmart, Dock e Wildlife. A mexicana Kavak, maior unicórnio da América Latina, também fez cortes severos na operação brasileira.
Fundos de investimento alertaram as startups sobre o cenário desafiador nos primeiros meses do ano. O investidor Masayoshi Son, presidente do SoftBank, um dos maiores investidores de startups no Brasil, disse em abril que o conglomerado japonês deve reduzir os investimentos em empresas de tecnologia neste ano.
A aceleradora Y Combinator, uma das mais conhecidas no Vale do Silício, recomendou que as startups reavaliassem suas finanças e que ficassem prontos para cortar gastos. A medida, de acordo com a aceleradora, é uma forma de prever até 24 meses sem investimentos. “Crises econômicas geralmente se tornam grandes oportunidades para os fundadores que mudam rapidamente sua mentalidade, planejam com antecedência e garantem que sua empresa sobreviva”, afirmou a gestora na carta.
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