Só nos sete primeiros meses de 2021, o volume de aportes em startups brasileiras alcançou a marca de US$ 5,6 bilhões, superando os US$ 3,5 bilhões investidos em todo o ano de 2020, segundo a empresa de inovação Distrito. Esse recorde tem um motivo: tanto empresas ainda em amadurecimento quanto os unicórnios (startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão) estão recebendo cheques mais “gordos”.
De acordo com levantamento feito pela Distrito a pedido do Estadão, todas as categorias de aportes das startups observaram crescimento no valor médio dos aportes nos últimos cinco anos – desde o investimento-anjo e o semente, que são os primeiro contatos da startup com o capital, até a rodada de série D (a nomenclatura do mercado de inovação para os estágios de investimento utiliza a ordem do alfabeto).
Segundo os dados, o valor médio de uma série B, por exemplo, saltou de US$ 8,3 milhões no primeiro semestre de 2018 para US$ 33,8 milhões em 2021. O maior crescimento foi na série D, quando startups já têm maturidade suficiente para se tornar unicórnios, fazer expansão internacional e até entrar na Bolsa: nessa etapa, os cheques aumentaram em quase seis vezes, atingindo US$ 157 milhões em 2021 (não houve série C nesse período em 2018 para a comparação).
As razões para essa bonança generalizada são várias: há mais investidores com capital disponível (juros básicos estão em níveis baixos e as Bolsas, instáveis), alta adoção de tecnologia para alavancar essas startups (turbinada pela covid), atração de estrangeiros devido à desvalorização do real diante do dólar (o País fica mais barato para investir) e, claro, a maturidade do ecossistema nacional, que se torna a referência na América Latina e atrai olhares de americanos, europeus, japoneses e chineses.
O presidente executivo da Distrito, Gustavo Araújo, explica que o efeito prático desse fenômeno é que as empresas de tecnologia são alavancadas rapidamente. “O consumo de tecnologia aumentou muito durante a pandemia de covid, tanto na pessoa física quanto na pessoa jurídica. E, obviamente, os cheques subiram porque a necessidade das startups é outra, justamente para abocanhar um mercado maior”, aponta.
A fintech Cora, especializada em crédito para pequenas e médias empresas, é um exemplo dessa aceleração. Ontem, a startup anunciou que recebeu US$ 116 milhões em uma série B, somente quatro meses após levantar uma série A de US$ 26,7 milhões. Para o presidente executivo da startup, Igor Senra, esses cheques maiores são uma maneira de “marcar território” e conquistar clientes de maneira agressiva: “O mercado de bancos digitais para PMEs ainda não tem dono, por isso temos de mostrar que determinado pedaço é nosso e dizer que somos referência nesse assunto”, afirma.
Megarrodadas são o ‘novo normal’
Entre os cheques, um destaque são as megarrodadas levantadas por unicórnios brasileiros. Enquanto o maior aporte levantado por uma startup brasileira em 2018 foi do iFood, de US$ 400 milhões, neste ano o Nubank abocanhou um investimento de US$ 1,15 bilhão, o maior da história na América Latina.
“As megarrodadas são aquelas a partir de US$ 100 milhões, que começam a surgir na série C. E isso não tem fim: pode ser uma série até o Z, o fim do alfabeto. Quanto maior é a série, maior é a rodada”, explica o diretor da ACE Startups, Pedro Carneiro.
E o Nubank não foi o único unicórnio do País a levantar um aporte gigante em 2021. O feito também foi atingido pela Loft (US$ 525 milhões, em abril), Ebanx (US$ 430 milhões, em junho), QuintoAndar (US$ 420 milhões, em agosto) e Loggi (US$ 212 milhões, em fevereiro). Inclusive, neste ano, ficou popularizado o “chorinho”, quando essas gigantes anunciam aportes remanescentes para completar a rodada principal.
O QuintoAndar, por exemplo, levantou um aporte adicional de US$ 120 milhões neste mês, que elevou a rodada iniciada em maio a US$ 420 milhões. Segundo a empresa, novos investidores entraram em contato para entrar no cheque, o que justificou a “esticadinha”. Além da vontade dos sócios, porém, a startup está em um cenário de competição acirrada, principalmente com a rival Loft, o que justifica o reforço da capitalização.
“Se há mais dinheiro na praça e mais competição, a expectativa é de ter um ritmo de crescimento cada vez maior. Serão necessários menos anos de maturação para novos unicórnios romperem a marca de US$ 1 bilhão de avaliação de mercado”, aponta Carneiro.
Anjos têm crescimento tímido
Apesar da fartura, o investimento-anjo, etapa mais inicial, foi quem teve a variação mais tímida de 2018 para cá, de quase 10%. Essa categoria de cheque é responsável por dar o “empurrão” para o nascimento das empresas, geralmente feito por pessoas físicas que também são “startupeiros”, como fundadores de unicórnios – sem eles, pode haver um efeito dominó de escassez de novas startups no futuro, o que pode estagnar o crescimento do ecossistema de inovação.
Entretanto, para o presidente da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), Diego Perez, esse não é um problema com o qual o Brasil deve se preocupar no momento. “As alternativas de investimento nos primeiros estágios estão aumentando. Existem investimentos-anjo, crowdfunding e venture debt, por exemplo. Isso pulveriza o capital disponível e dá a impressão de que os cheques diminuíram na média, mas na verdade eles aumentaram em quantidade”, explica.
Carneiro, da ACE, afirma que a própria escassez de startups para investir, que torna os investidores mais vorazes, explica esse efeito na base da pirâmide. “Por causa dessa disponibilidade maior de capital no mercado e pelo surgimento de mais empresários competentes, o empreendedor pula a etapa de anjo e vai para o pré-semente ou algo mais estruturado e mais caro, por exemplo”, aponta.
Essa timidez não é o fim do mundo, explica Araújo, da Distrito. “Não dá para dar um aporte grande para uma startup que não está pronta para isso”, diz. “E, depois de 10 anos de maturação do nosso mercado, temos várias empresas prontas para receber esses aportes maiores.”
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