Em um país como o Brasil, com altos índices de pobreza e desigualdade social, há um grande espaço para filantropia e associações de ajuda sem fins lucrativos. Segundo os dados mais recentes do IBGE, existem 237 mil organizações não governamentais (ONGs) no País. Mas seu caminho para receber auxílio é antiquado – segundo pesquisa da organização global Charities Aid Foundation (CAF), 68% dos brasileiros ainda fazem doações usando dinheiro vivo. Pensando nisso, startups estão buscando formas de usar a tecnologia para simplificar esse processo.
Criada em Portugal, mas presente no Brasil em agosto de 2019, a startup eSolidar é uma das que buscam digitalizar o processo de doações. Por meio de sua plataforma, potenciais filantropos podem buscar organizações sociais para fazer donativos. Há três modalidades: doações tradicionais, crowdfunding (financiamento coletivo com recompensas) ou até mesmo leilões de produtos – como guitarras autografadas de artistas que se apresentaram no festival de música Rock in Rio. No caso do evento carioca, os recursos foram direcionados para o reflorestamento da Amazônia.
Além do Brasil, a eSolidar também atua em seu país de origem e no Reino Unido. Ao todo, tem usuários de 22 nacionalidades e cerca de 800 ONGs parceiras – no Brasil, 45 instituições já estão cadastradas na plataforma. Para faturar, a empresa cobra uma fatia em cima das doações feitas às instituições. Outra fonte de receita é uma mensalidade cobrada das empresas que utilizam uma ferramenta da empresa personalizada para o mercado corporativo.
A meta da empresa é ter uma base de 100 mil usuários registrados no País até o final de 2020, diz Telma Figueiredo, que dirige a operação local da eSolidar. Além da expansão, a startup lusitana quer se sofisticar neste ano: “queremos implementar o sistema de blockchain para conseguir criar um sistema financeiro global, descentralizado e seguro”, diz o fundador português Marco Barbosa.
Para Amure Pinho, presidente da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), é no setor financeiro que está o grande potencial a ser explorado por startups de impacto social. “A tecnologia pode trazer transparência e segurança para o processo de doação”, diz Pinho. “As pessoas precisam confiar que o dinheiro de fato vá chegar ao destino.”
Quem também aposta em um modelo de loja online para doações e cobra comissões por isso é a Doare. Fundada em 2011, em uma incubadora da PUC-RJ, a empresa foi inspirada em um hábito de família. “Minha mãe doava para a Cruz Vermelha e eu sempre via o motoboy buscar um envelope de dinheiro em casa”, diz o fundador da startup, Ruy Fortini. “Logo percebi a necessidade de automatizar esse processo.”
Quem está interessado em doar – seja pessoa física ou jurídica – pode se cadastrar e selecionar a causa pela qual se interessa. Entre as parceiras da startup, estão o Instituto Luisa Mell, fundado pela ex-apresentadora de TV para proteger animais. Além de auxiliar doações esporádicas, os planos da Doare são de atrair uma base de doadores recorrentes, ajudando as ONGs a terem estabilidade financeira.
Retorno
Há ainda startups que tentam colocar o impacto social no meio do consumo. É o caso da fintech paulistana Igual, que testa desde novembro seu sistema de “compras com propósito”. Ao adquirir produtos em estabelecimentos parceiros da empresa, com recursos da carteira digital da Igual, o usuário consegue reembolsar uma parcela do valor (o chamado cashback) e destiná-la à filantropia. Por enquanto, o sistema está só na região dos Jardins, em São Paulo, com quatro ONGs parceiras. Ainda este mês, o app deve ganhar lançamento em larga escala – o plano é alcançar 50 marcas e 50 instituições parceiras até julho.
Já a Polen, de Curitiba, desenvolveu uma tecnologia filantropa que pode ser acoplada a sites de comércio eletrônico – entre os parceiros atuais, estão a marca de almofadas FOM e a grife Pierre Cardin. Ao entrar nas lojas virtuais de uma dessas marcas, o cliente pode optar por fazer uma doação a uma organização social de sua escolha – os valores são pagos pelas lojas.
“Percebemos que as empresas queriam doar, mas havia toda uma burocracia fiscal que as fazia desistir”, afirma Renata Chemin, fundadora da Polen, que já levantou R$ 700 mil em aportes e tem 300 instituições sociais parceiras. A empresa também tem a ferramenta do troco solidário, em que a doação entra para arredondar um valor quebrado na hora da compra.
Aceitação
Para especialistas, um dos principais desafios das startups de impacto social é educar o mercado – elas costumam ser criticadas por ganhar dinheiro com filantropia. “Esse estigma existe, mas as startups precisam sobreviver com uma estrutura básica”, diz Vinicius Machado, da consultoria de inovação Startadora. “Tem muita gente precisando de ajuda, muita gente querendo ajudar, e as startups estão aí para melhorar esse processo.”
Atriz e ativista pela ampliação do acesso ao teatro, Renata Chemin conta que teve dificuldades para atrair investidores no início da Polen. Eles desconfiavam que um negócio de impacto social pudesse crescer de forma escalável, o que se espera de uma startup. “É um mercado como qualquer outro”, afirma ela. “A diferença é que trabalhamos com propósito e com amor.”
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