Startups de atividade física ‘fazem ginástica’ para se adaptar à quarentena

Com academias fechadas, empresas do setor tiveram de se reinventar no isolamento social; aulas ao vivo, apps de bem estar e personal trainer à distância são saídas em meio à crise

PUBLICIDADE

Foto do author Bruna Arimathea

Em um País que tem cerca de 35 mil academias e mais de 9 milhões de pessoas matriculadas em aulas, o setor de startups de atividade física tem um grande potencial no mercado. Mas o que fazer quando, por motivos de força maior, os pesos têm de parar de ser levantados? Foi uma dúvida que muitas empresas do ramo tiveram de enfrentar nos últimos meses: com estabelecimentos e até parques fechados por conta do período de isolamento social, as startups perderam receita e tiveram de fazer ginástica para tentar seguir em frente. 

Para a Gympass, por exemplo, a saída foi se tornar ainda mais tecnológica. Fundada em 2012, a startup é dona de um serviço que permite que empresas contratem para seus funcionários um plano de acesso a mais de 23 mil academias espalhadas pelo Brasil. Com a crise, a empresa viu vários clientes cancelarem o serviço e teve de demitir cerca de 20% dos funcionários que tinha espalhados pelo mundo – a startup também atua em outros 13 países da América e da Europa. “Na reestruturação, criamos uma equipe de ataque e outra de defesa, para manter a nossa sobrevivência”, explica Priscila Siqueira, presidente executiva da startup no País. 

Disciplina.Gympass, liderada por Priscila, teve de fazer demissões para se ajustar à crise; agora, meta da startup é investir pra não deixar a peteca cair Foto: Tiago Queiroz/Estadão

PUBLICIDADE

O primeiro passo foi treinar as academias parceiras para darem aulas ao vivo, pela internet. Depois, a empresa lançou mão de uma rede de aplicativos – a Gympass Wellness –, com plataformas de saúde mental e de bem-estar. Também passou a permitir que personal trainers oferecessem aulas individuais na plataforma. Nesta semana, a empresa decidiu juntar tudo num pacotão só: todos os serviços estarão integrados ao app principal da empresa, mesmo depois que a pandemia passar. “Agora, com a mesma mensalidade, o usuário vai ter acesso a mais atividades, como terapia, meditação e apoio nutricional”, diz Priscila. 

Hoje, o plano mais simples do Gympass custa pelo menos R$ 30 por mês para o funcionário – além disso, outra parte da mensalidade é paga pela empresa contratante, com valores que variam de contrato para contrato. Planos mais caros, por sua vez, dão acesso a academias de alto padrão e modalidades específicas. De acordo com a Gympass, hoje já existem 500 personal trainers e 3 mil academias oferecendo aulas ao vivo na plataforma. 

A expansão de atividades, além de ampliar o atendimento aos usuários, também busca tornar a empresa mais atraente aos olhos dos departamentos de recursos humanos, responsáveis pela contratação da Gympass. “Antes, nós cuidávamos só da atividade física dos funcionários, mas agora podemos ajudar as empresas a fazer mais coisas, o que é ótimo, ainda mais em um momento em que todos estão atarefados.” 

Alvo de críticas por ter feito demissões menos de um ano após receber um aporte de US$ 300 milhões, a Gympass defende sua postura e se diz segura que o pior já passou. “Conseguimos reagir e agora estamos investindo, treinando as academias e fazendo campanhas com influenciadores para aumentar o foco sob a empresa. É preciso investir para continuar vendendo. Se a gente não vender, precisaríamos de ajustes, mas não será o caso.”

Guinada digital

Publicidade

Quem também está fazendo a transição para o mundo digital é a americana ClassPass, que chegou ao Brasil em dezembro passado. Ao contrário da Gympass, a empresa oferece planos de uso de academias para o consumidor final – algo que a fez sofrer mais na crise. Segundo Cassandra Nattrass, diretora de parcerias da startup na América Latina, a empresa chegou a perder 96% da receita nos primeiros dias de pandemia. 

Assim como a rival brasileira, também foi necessário fazer demissões: globalmente, 53% dos funcionários foram dispensados ou tiveram licença; aqui no País, 14 pessoas foram afetadas pela reestruturação da empresa. A situação só não foi pior porque, em janeiro, a empresa havia levantado um aporte de US$ 285 milhões. Nas últimas semanas, chegaram a circular rumores no mercado de que a ClassPass deixaria o Brasil – algo prontamente negado por Cassandra. “A pandemia mudou todos os nossos planos de expansão, mas temos um compromisso com os mercados que entramos na América Latina”, disse a executiva ao Estadão.

Enquanto as academias não puderem voltar a abrir, a empresa deixou de cobrar assinaturas dos usuários. Está ainda oferecendo aulas ao vivo e vídeos sob demanda pela internet – nos primeiros meses de pandemia, todas os valores recebidos pela empresa foram repassados às academias e estúdios. A partir de junho, porém, a startup começou a cobrar uma pequena comissão. Além disso, academias de alto padrão também estão usando o serviço da empresa para cobrar por suas aulas. 

Nesse interím, a empresa corre contra o tempo para lançar um novo produto digital. “Esperamos lançar em meados de julho e acreditamos que ele será permanente, visto que, num mundo pós-covid-19, a prática caseira de atividade física tende a aumentar significativamente”, acredita Cassandra. 

Ruy Drever, da Magic Fitness: em busca de aporte para expandir em meio à demanda da quarentena Foto: Magic Fitness

PUBLICIDADE

É nisso que acredita a Magic Fitness, startup que chegou ao Brasil no mês passado e se define como o “Uber dos personal trainers” – por preços a partir de R$ 35, usuários podem marcar uma aula com um profissional especializado à distância. Já um pacote mensal com oito aulas sai por R$ 200 – outro, com 16 aulas, fica R$ 300. “O criador da empresa, o Julian Herbstein, não gostava de academia, nem de treinar e vivia viajando, mas pensou que poderia dar certo se fizesse uma aula com personal via Skype. Depois de um ano, ele tinha perdido 30 quilos. Acabou virando uma startup”, conta Ruy Drever, brasileiro que é sócio da operação da empresa por aqui. 

A ideia da empresa, porém, não é que cada aluno tenha um professor fixo, mas sim que a plataforma esteja pronta para se encaixar na necessidade de tempo de cada pessoa. “Se sobrar 30 minutos na rotina, o usuário pode entrar e fazer uma aula, porque o personal já vai ter todos os dados dele ali, com a metodologia da Magic”, explica Drever, que já foi executivo da Microsoft e da Souza Cruz. Segundo ele, a procura global pelos serviços da empresa nos últimos três meses triplicou. Além disso, a startup começou a fazer parcerias corporativas, atendendo empresas como a Samsung e o Facebook, além de se tornar parceiro da Gympass. 

“Muita gente tinha resistência com o modelo, mas agora com a quarentena, isso mudou. Estamos até segurando o crescimento frente à demanda, porque queremos manter um nível de qualidade”, explica o executivo, que afirma ter capacidade para absorver até 2 mil profissionais de educação física como parceiros na plataforma. Para os próximos meses, a empresa planeja ainda uma nova rodada de captação, em torno de US$ 2 milhões, para conseguir realizar sua expansão. 

Publicidade

*É estagiária, sob supervisão do editor Bruno Capelas

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.