Startups mexicanas chegam para ‘apimentar’ mercado brasileiro de inovação

Depois de Nubank, QuintoAndar e Ebanx alçarem voo no México, chegou a vez de as mexicanas desembarcarem no Brasil

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Foto do author Bruna Arimathea

Depois de startups brasileiras como Nubank, QuintoAndar e Ebanx alçarem voo para o México nos últimos anos, chegou a vez das startups de lá aparecerem por aqui. Atraídas pelas oportunidades no maior mercado de inovação da América Latina, empresas mexicanas estão desembarcando no País de olho em "apimentar" o ecossistema de tecnologia brasileiro.

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A chegada que tem feito mais barulho é a da Kavak, que atua na compra e venda de automóveis seminovos e usados online. A empresa oficializou sua operação no Brasil em julho com um investimento inicial de R$ 2,5 bilhões. No mês passado, ela aumentou as fichas na expansão internacional após levantar um aporte de US$ 700 milhões, o quinto maior da história do mercado de inovação latino-americano. Hoje, a Kavak tem valor de mercado de US$ 8,7 bilhões e é a segunda startup mais valiosa da região, depois do Nubank. 

“Sempre soubemos que iríamos sair do México em algum momento. Considerando o esforço de investir em outro país, faz sentido ir logo para um lugar de alto impacto como o Brasil, que é o terceiro maior mercado de carros usados do mundo”, explica ao Estadão Roger Laughlin, um dos fundadores da empresa. Criada em 2016, a Kavak concentrou sua operação na cidade do México por 4 anos antes de crescer os olhos para outros países.

Segunda startup mais valiosa da América Latina, a Kavak, de carros seminovos, chegou ao Brasil em julho, comandada na região pelo executivo Roger Laughlin Foto: Taba Benedicto/Estadão

Desde a chegada da Kavak no Brasil, o ritmo de crescimento tem sido acelerado. A startup iniciou as atividades com 500 funcionários e já chegou a mil pessoas  – a princípio, essa era a meta de equipe para dezembro. As seis lojas anunciadas em julho já viraram nove estabelecimentos espalhados pela região metropolitana de São Paulo. Novas praças no interior paulista, como Campinas e Sorocaba, devem ser abertas ainda neste ano. Além disso, a empresa tem um centro de recondicionamento de veículos em Barueri e está construindo um hub de tecnologia para 300 desenvolvedores no Brasil. 

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Enquanto a Kavak se restringiu ao México por anos, há quem tenha dado o pulo mais rapidamente. Fundada em 2019, a startup mexicana de supermercados Justo viu a oportunidade de se diferenciar de outras empresas latinas que já estavam no Brasil, como Cornershop e Rappi, por meio de um sistema de fornecimento e armazenamento próprio de produtos perecíveis, como verduras e legumes – além de itens tradicionais.

“O plano é que, em um ano, a gente atinja um tamanho no mercado brasileiro equivalente ao que conseguimos no México”, afirma Ricardo Martinez, cofundador da startup.

Em dois anos de operação, a Justo desenvolveu um app de supermercado desvinculado de lojas físicas. Para isso, a empresa mantém armazéns onde todos os produtos vendidos pelo app são mantidos, com manuseio, temperatura e condições controladas – a startup explica que o número de pessoas em contato com alimentos perecíveis, por exemplo, é limitado para garantir o que ela chama de “alimentos mais frescos”. A proximidade com produtores é um dos fatores que permite o estoque desse tipo de produto. Por aqui, a operação ainda está restrita à cidade de São Paulo. 

As mexicanas também estão de olho no e-commerce brasileiro, que cresceu 41% em 2020 chegando ao faturamento de R$ 87,4 bilhões, segundo o estudo da Webshoppers, da consultoria Ebit/Nielsen. Com o plano de comprar marcas no Brasil, a holding de comércio eletrônico Valoreo começou a operar no País há três meses e já tem seu escritório no bairro de Pinheiros, em São Paulo – o número de funcionários não foi revelado. 

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“Olhamos para oportunidades na América Latina como um todo e o Brasil é a maior economia da região. Sabíamos que viríamos para cá um dia”, conta  o cofundador da startup Stefan Florea, que também se mudou para São Paulo para se dedicar à filial. 

Fundada em 2020, a Valoreo adquire marcas que colocam seus produtos em marketplaces como Amazon e Mercado Livre – a ideia é turbinar vendedores ajudando-os em áreas como marketing, gerenciamento de estoque e tecnologia. Com atuação no México e na Colômbia, a startup tem hoje 25 marcas em seu portfólio e trabalha principalmente com produtos de esportes, beleza, pets e itens para casas.  

A atuação lembra a startup Merama, que tem sede em São Paulo e na Cidade do México e levantou US$ 225 milhões na semana passada. Mas há diferença no formato: em vez de aquisições, a estratégia da Merama é investir nas marcas para se tornar sócia, mantendo o empresário na governança do negócio. O modelo da Valoreo também prevê a criação de marcas, do zero, pela própria startup. 

No Brasil, um dos principais trabalhos da empresa será integrar a operação das marcas em vários marketplaces – diferentemente de outros mercados, o e-commerce brasileiro não tem uma única plataforma dominante como a Amazon. “Na parte de tecnologia, por exemplo, oferecemos aos vendedores um painel integrado com as informações de vendas em diferentes marketplaces”, afirma Florea. Segundo ele, a Valoreo está se preparando para sua primeira Black Friday no Brasil. 

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Aposta

As startups mexicanas estão chegando ao Brasil porque têm dinheiro para isso. Segundo estudo do fundo de investimentos Atlantico, as startups da América Latina devem fechar o ano com um total de investimentos de US$ 18,6 bilhões – em 2020, foram US$ 5,3 bilhões. Parte desse montante tem o dedo do grupo japonês SoftBank, que anunciou em setembro um novo fundo para empresas de tecnologia da região, no valor inicial de US$ 3 bilhões.

Dentro disso, o México vem se consolidando como o segundo maior mercado de inovação da América Latina, com quatro “unicórnios” (startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão): a Kavak, a empresa de criptomoedas Bitso, a processadora de pagamentos Clip e a fintech Konfío – essa última atingiu o status bilionário na semana passada, após captar US$ 110 milhões. 

Julio Vasconcellos, sócio do Atlantico, explica que a abundância capital viabiliza internacionalizações agressivas. “Essa expansão talvez passe também a acontecer mais cedo para as startups. Pelo fato de o México ter um tamanho limitado, você precisa nascer com uma ambição internacional”, afirma. “Isso aconteceu com o Mercado Livre na Argentina e a Rappi na Colômbia”. 

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Na visão de Pedro Carneiro, diretor da aceleradora ACE Startups, o Brasil pode funcionar como mercado intermediário para as startups mexicanas, antes da expansão para os Estados Unidos, que é o destino final com que essas empresas costumam sonhar.

“É um movimento contra-intuitivo: poderia ser mais óbvio ir para Argentina, por exemplo, onde o idioma é o mesmo. Mas as mexicanas acham que vale a pena encarar as diferenças do Brasil pelo tamanho do mercado e a alta adesão do brasileiro a novas tecnologias. Acaba sendo um teste mais rápido do produto”, diz Carneiro. 

A startup mexicana de supermercados Justo viu a oportunidade de se diferenciar de outras empresas latinas que já estavam no Brasil, como Cornershop e Rappi Foto: Fabio Risnic/Justo

‘Juntando las almas’

Apesar dos atrativos, não faltam desafios ao trazer serviços mexicanos para os trópicos. Florea, da Valoreo, cita regras de impostos e regulações de importação como principais entraves no País. Já a Justo identificou a dimensão continental do Brasil como desafio para alavancar o serviço nas diversas regiões do País.

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Nesse processo, investidores atuam como ponte. A gestora Kazek Ventures, dos argentinos Hernán Kazah e Nicolas Szekasy, dois cofundadores do Mercado Livre, tem feito o meio de campo na região: além de investir em unicórnios brasileiros como Nubank e QuintoAndar, a firma apoia startups mexicanas, incluindo Kavak e Valoreo – ao desembarcar no País, a holding de comércio eletrônico chegou a se instalar no escritório da Kaszek em São Paulo.

“O Mercado Livre foi o grande exemplo de sucesso de regionalização na América Latina. Conseguimos ajudar as startups do nosso portfólio nessa empreitada com experiência e nossa rede de relacionamento”, afirma Santiago Fossatti, sócio da Kaszek. 

Fora seu trabalho na Kavak, Roger Laughlin também atua como investidor-anjo de empresas do México, entre elas a própria Justo e a Casai, que estreou em São Paulo em abril de 2021, com um serviço de hospedagem. Além do dinheiro, Laughlin costuma dar conselhos sobre estruturação de estratégia, contratação de talentos e até indicação de advogados. 

Sem dar nomes, ele adianta que novas mexicanas chegarão ao País em um “futuro próximo”. “À medida que empresas como a Kavak avançam, abrem-se portas para uma nova geração de startups. Precisamos acabar com o mito de que o Brasil é um mercado complexo”, diz. 

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