Supercondutor, carro autônomo e X: veja as promessas da tecnologia que deram errado em 2023

No ano da inteligência artificial, houve espaço para alguns erros e fracassos no mundo da tecnologia

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Foto do author Lucas Agrela

2023 foi o ano da inteligência artificial. Isso, porém, não significa que todas as promessas do ano tecnológico se tornaram realidade - algumas não conseguiram confirmar os avanços propostos por empresas e cientistas, enquanto outras foram utilizadas para finalidades indevidas - e até ilegais.

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Um exemplo é a maneira como geradores de imagem que usam IA viraram ferramenta para os mais variados crimes: golpes, nudes falsos e desinformação política. Já os avanços tecnológicos ligados a carros autônomos e a materiais supercondutores também tiveram reveses neste ano e permanecem como desafios para pesquisadores e inovadores do ramo de tecnologia.

Confira, a seguir, quatro promessas da tecnologia que deram errado em 2023.

A transformação do Twitter no X

O bilionário Elon Musk comprou o Twitter em um acordo de US$ 44 bilhões, um dos dez maiores da história do mercado de tecnologia. A promessa de criar uma plataforma online melhor, porém, foi por água abaixo em 2023.

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Neste ano, o Twitter deixou de existir como o conhecíamos em alguns aspectos - a começar pelo nome, já que a empresa foi rebatizada para X. Logo de cara, Musk demitiu a grande maioria dos executivos de alto escalão da companhia, incluindo o CEO Parag Agrawal, e mandou embora mais de 75% do quadro de funcionários da empresa no mundo - isso causou temores de instabilidade na infraestrutura do serviço, o que não acabou se confirmando.

O selo azul, símbolo de autenticidade no Twitter, passou a ser comercializado mediante assinatura mensal no X. Nesse novo esquema, donos de selo azul passaram a receber dinheiro como resultado direto do engajamento obtido na rede, independentemente da qualidade daquilo que é postado. Isso ajudou a derrubar a qualidade das informações na plataforma.

Com o início do conflito entre Israel e Hamas, os conteúdos falsos ganharam espaço nas conversas da rede social. Um estudo da agência de checagem de notícias NewsGuard mostrou que 74% das notícias falsas, ou seja, sete a cada 10, sobre o conflito na Faixa de Gaza mais disseminadas no X são de contas com o selo azul.

A União Europeia chegou a acusar Elon Musk publicamente de permitir a livre circulação de mentiras sobre o conflito na Faixa de Gaza. No final de semana marcado pelo início da guerra entre Israel e Hamas, Musk recomendou pessoalmente que os usuários seguissem contas do X conhecidas por promover mentiras na plataforma.

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Elon Musk tenta mudar radicalmente a cara do Twitter com o novo X, mas esbarra em problemas de fake news Foto: Gonzalo Fuentes/Reuters

Além disso, com o corte de funcionários, o X não tem mais efetivo para fazer a checagem dos conteúdos publicados, levando à disseminação de discurso de ódio e de notícias falsas. Essa ausência de moderação, segundo Musk, em prol da liberdade de expressão sem limites ou responsabilidades, permitiu que conteúdos golpistas se proliferassem pelo X no 8 de Janeiro de 2023, quando manifestantes invadiram e depredaram patrimônios públicos em Brasília.

O e-mail oficial da companhia passou a responder jornalistas com um emoji de cocô.

De acordo com a empresa de pesquisas Sensor Tower, o X foi a única rede social entre as grandes empresas de tecnologia que registrou queda significativa de usuários, chegando a 9% no mês de agosto, em comparação com o mesmo período em 2022. O tempo que os usuários passaram usando o X também caiu 13% na comparação anual.

Tudo isso causou problemas no caixa da companhia. No começo de dezembro, mais de 200 anunciantes suspenderam seus gastos no X depois que Musk endossou uma teoria da conspiração antissemita e pesquisadores chamaram a atenção para casos de anúncios que apareciam ao lado de publicações pró-nazistas na plataforma. A empresa, que obtém a maior parte de sua receita com publicidade, corre o risco de perder até US$ 75 milhões neste trimestre.

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Para 2024, além de ter que lidar com abalos reputacionais da plataforma, Musk terá o mesmo desafio que se propôs a cumprir desde que comprou o Twitter: provar que o X pode se tornar o “superapp”.

Supercondutor em temperatura ambiente

A eletricidade move o mundo em muitos aspectos e a criação de um material capaz de potencializar a transmissão de energia é um sonho já antigo da humanidade. Por isso, a supercondutividade em temperatura ambiente é o Santo Graal dos pesquisadores do campo da energia. Um material supercondutor é capaz de conduzir eletricidade sem nenhuma resistência. Na prática, isso significa que não há perda de energia por meio do calor, como acontece com os materiais hoje utilizados.

Os supercondutores já existem e funcionam, mas são limitados pela questão da temperatura. Eles funcionam apenas sob baixas temperaturas, perto do zero absoluto, a –273,15 °C. Com isso, a produção e aplicação em massa dessa tecnologia se torna, atualmente, inviável. A promessa de um material supercondutor em temperatura ambiente seria a abertura de uma janela para a fabricação de cabos de transmissão de energia com eficiência máxima, carros elétricos mais econômicos, trens magnéticos mais acessíveis e computadores quânticos menos complexos.

Em março de 2023, um estudo publicado pela revista científica Nature deu uma nova esperança para os pesquisadores de todo o mundo. Conduzido por Ranga P. Dias, até então um dos nomes mais importantes da área, a pesquisa descreveu em sua pesquisa como o hidreto de lutécio (um material feito de lutécio e hidrogênio) adquiriu propriedades supercondutoras em temperatura ambiente quando misturado a nitrogênio e exposto a uma pressão 10 mil vezes superior à da superfície terrestre.

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Cientista brasileiro Pedro Pires ajudou a desmentir um estudo publicado na revista Nature sobre o uso de supercondutores em temperatura ambiente Foto: TABA BENEDICTO

No entanto, O estudo de Dias foi removido da Nature sob suspeita de fraude - o brasileiro Pedro Pires, que participa da Universidade Técnica de Graz, na Áustria, publicou um estudo que ajudou a derrubar a descoberta de Dias.

Paralelamente, pesquisadores sul-coreanos publicaram em julho dois estudos que apresentavam o LK-99, um mineral que contém cobre, chumbo, fósforo e oxigênio. Segundo eles, o material apresentava propriedades supercondutoras em temperatura e pressão ambiente. Logo, porém, foram contestados - a apresentação do trabalho, feita sem a revisão de pares, aumentou a desconfiança. E o trabalho foi removido.

Assim, a supercondutividade, descoberta pelo físico holandês Heike Kamerlingh Onnes e sua equipe em 1911, continua como um sonho da ciência, um desafio a ser vencido pela persistência dos melhores pesquisadores do mundo. É um cenário bem mais desanimador do que os anúncios do ano pareciam sugerir.

Carros autônomos

A promessa do carro sem motoristas se mostrou mais difícil do que o esperado para as montadoras especializadas no ramo. Algumas delas têm autorização para circular em cidades dos Estados Unidos há alguns anos, em circuitos específicos. Mesmo assim, os veículos acumulam problemas que atrapalham a vida na cidade.

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Em São Francisco, na Califórnia, mais de 600 incidentes com veículos autônomos foram documentados de junho de 2022 a junho de 2023, de acordo com a Agência Municipal de Transportes da cidade, conforme divulgou o jornal americano The New York Times. Em Austin, no Texas, as autoridades municipais informaram 52 incidentes envolvendo carros autônomos de 8 de julho a 24 de outubro deste ano, incluindo um acidente inédito de um protótipo de robotáxi sem volante contra um “pequeno prédio elétrico”.

Veículo autônomo da Cruise se envolveu em acidente que levou à saída do CEO da empresa Foto: REUTERS/Elijah Nouvelage

Um dos casos mais emblemáticos foi o atropelamento de um pedestre na Califórnia por um veículo autônomo da empresa Cruise, subsidiária da General Motors. A empresa entregou um vídeo do acidente às autoridades, que apontaram uma edição do conteúdo para omitir informações sobre o ocorrido. Com o vídeo completo em mãos, as autoridades locais pediram a suspensão das licenças da Cruise para a operação de veículos autônomos na Califórnia. Após o caso, o executivo-chefe da Cruise, Kyle Vogt, pediu demissão do cargo. A Cruise já testou seus carros sem motorista em São Francisco, Austin e Phoenix e planejava expandir para Houston, Dallas e Miami.

Em outro caso, também na Califórnia, um veículo autônomo da Waymo, empresa “irmã” do Google, bloqueou o caminho de uma ambulância que resgatava uma pessoa passando por uma emergência médica. O carro não tinha motorista e um funcionário da empresa, acionado pelos socorristas por um dispositivo comunicador do automóvel, informou que uma equipe iria removê-lo do local. Em vez disso, outro carro autônomo da Waymo apareceu e bloqueou o outro lado da rua. O tempo de resgate da vítima foi 7 minutos maior devido aos problemas gerados pelos carros autônomos em fase de testes.

A Waymo, a Cruise e a Zoox, que também opera testes de carros autônomos nos Estados Unidos, disseram trabalhar em colaboração com as autoridades municipais e continuam a melhorar o funcionamento dos seus veículos para reduzir os efeitos sobre os serviços de cada cidade.

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Geradores de imagens com IA

Os geradores de imagem com inteligência artificial tinham tudo para dar certo e ajudar a criar ilustrações, fotos e imagens de uma forma sem precedente na história da tecnologia. Porém, logo no começo do ano, essa ferramenta começou a ser utilizada para gerar conteúdos falsos e enganosos. Lembra da foto do Papa Francisco usando uma jaqueta puffer branca? Aquilo foi apenas a ponta do iceberg.

Tecnologias como o Midjourney, DALL-E 3 e Stable Diffusion permitiram a criação de imagens falsas com objetivos, no mínimo, questionáveis. Em alguns casos, nefastos, como a produção de conteúdos de pornografia infantil.

Imagens falsas, especialmente de mulheres, nuas se proliferaram na internet neste ano, chegando a afetar a reputação de políticos por meio da divulgação desses conteúdos ou mesmo sendo usadas para extorquir dinheiro de adolescentes.

Ferramentas como o DALL·E foram utilizadas para gerar imagens falsas que afetaram a reputação de mulheres, políticos e empresas Foto: Michael Dwyer/AP Photo

De acordo com um levantamento feito pela analista de inteligência artificial Genevieve Oh, e divulgado pelo jornal americano Washington Post em novembro, os 10 principais sites que hospedam imagens pornográficas falsas tiveram mais de 415 mil foram carregadas este ano, obtendo quase 90 milhões de visualizações. Em setembro, mais de 26,8 mil pessoas foram vítimas de “sextortion”, nome dado a extorção por imagens de nudez ou sexo, um aumento de 149% em relação a 2019, segundo informou o FBI ao The Washington Post.

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Os gigantes da tecnologia dizem trabalhar em ferramentas de segurança e remoção de imagens falsas da internet, mas esses conteúdos, até o momento, permanecem como uma ameaça à reputação de pessoas comuns, famosos, partidos políticos e empresas.

No Brasil, a história já virou caso de polícia. Em novembro, a Polícia Civil do Rio de Janeiro identificou integrantes de um grupo de adolescentes envolvidos na produção de fotomontagentes de alunas nuas do Colégio Santo Agostinho da Barra da Tijuca. O número de vítimas, à época, era 20.

Além disso, vídeos falsos gerados por IA passaram a usar a imagem de celebridades brasileiras, com William Bonner, Luciano Huck e Drauzio Varella, para aplicar golpes.