O fundo japonês SoftBank aumentou a aposta na América Latina. A companhia anunciou nesta terça-feira, 14, o segundo fundo da região, com valor inicial de US$ 3 bilhões. Com o primeiro, de US$ 5 bilhões, a gigante comprou participação em 15 dos 25 unicórnios latino-americanos. No entanto, Marcelo Claure, diretor executivo do SoftBank Group e responsável por comandar os fundos na América Latina, disse acreditar que esse dinheiro não vai durar nem até o ano que vem: a meta é chegar a US$ 10 bilhões em investimentos até 2022. “Já estamos pensando em anunciar um fundo ainda maior em 2022”, disse.
Nem mesmo as crises política e econômica pelas quais passam alguns países da região (com o Brasil incluso) tiram o otimismo do executivo com o crescimento das empresas por aqui. A atual elevação da taxa de juros no Brasil – e a expectativa de que o mesmo aconteça nos Estados Unidos em breve –, o que pode pressionar o retorno dos investimentos, não desanima o executivo. “É muito difícil voltar ao mundo como era antes. A mudança é muito mais forte do que qualquer elevação de taxa de juros”, afirmou.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
O fundo é menor do que o primeiro anunciado para a América Latina em 2019. O que mudou?
Pensávamos que o fundo de US$ 5 bilhões teria duração de cinco anos, ou seja US$ 1 bilhão por ano. Nesse momento, todos pensaram que estávamos loucos. Mas tínhamos a hipótese de que havia grandes empreendedores na América Latina e que faltava capital para impulsioná-los. No fim, a nossa hipótese se mostrou acertada. Nos dois primeiros anos investimos US$ 2,3 bilhões. Somente neste ano, vamos chegar a US$ 5 bilhões e, no ano que vem, estimamos que serão US$ 10 bilhões investidos. O crescimento das empresas de tecnologia está muito grande. Todo o valor que vamos investir só cobre até este ano e já estamos pensando em anunciar um fundo ainda maior em 2022.
Como o senhor analisa o mercado brasileiro?
O Brasil tem um tamanho desproporcional em comparação a outros países, por isso teve de 60% a 70% dos nossos investimentos. Basicamente, o Brasil e as empresas digitais brasileiras estão mudando a vida como todos vivem. Por isso, as oportunidades são tão grandes. Em 2018, o banco Inter era um pequeno banco digital e conquistou um tamanho importante e nem é somente mais um banco, pois também tem uma área importante de seguros e um e-commerce relevante. O crescimento do Nubank também é impressionante. O setor de meios de pagamentos e as fintechs em geral estão mudando a banca. Além disso, o mercado de criptomoedas, com empresas como Mercado Bitcoin, estão abrindo esse mercado para os brasileiros. E ainda tem a Vtex, que está mudando o e-commerce, Uber Eats, iFood e Rappi que estão mudando completamente o mercado. MadeiraMadeira mudou a forma como os brasileiros compram os seus móveis e o QuintoAndar nos imóveis. O mundo está em uma transformação e há muitos empreendedores realizando isso.
O foco continuará em startups que já tenham tamanho relevante e que tenham sido testadas?
Somos o único fundo na América Latina que está aberto para investir em todas as fases. Somos os únicos que podem investir R$ 500 milhões em uma manhã e R$ 1 bilhão à tarde e com presença em toda a América Latina.
Mas os investimentos do SoftBank ainda não são tão usuais em empresas menores.
Quando começamos, estávamos focados em empresas que já tinham uma linha de negócio testada e boa possibilidade de crescimento. Agora, queremos expandir os investimentos em empresas de estágio inicial. Um exemplo é a Olist, na qual investimos algo de R$ 100 milhões a R$ 150 milhões, e hoje já vale R$ 1,5 bilhão. Mas, além delas, queremos investir em grandes empresas que precisam passar por digitalização.
Que tipos de empresas? As mais tradicionais?
Um exemplo é o que fizemos no México, em que investimos na Televisa, que é praticamente uma Rede Globo por lá. Vai ser uma forma para competir com a Netflix no mercado latino. Esse é um grande exemplo de empresa grande e tradicional que tem um grande potencial de ganho com a digitalização. Essas empresas grandes estão se movimentando para não desaparecerem. Vamos ter um mundo fascinante a partir de agora e veremos grandes batalhas entre as companhias digitais e as tradicionais. Esse é só o início da relação do SoftBank com a América Latina.
A reabertura dos mercados e uma eventual volta à vida normal vai ser positiva para o setor de tecnologia?
A pandemia acelerou o mercado de maneira desproporcional e está ocorrendo uma digitalização de tudo o que fazemos. As pessoas estão aprendendo que, agora, não é necessário mais ir a uma loja para fazer uma compra. E com a reabertura dos mercados, o crescimento dessas empresas vai se acelerar ainda mais. Por isso, queremos ter o capital necessário.
O mesmo vai acontecer na América Latina, na sua opinião?
A melhor maneira de comparar o que acontece na América Latina é vendo o que aconteceu na China há cinco anos. Houve um crescimento muito grande dos super aplicativos e também na desintermediação bancária. Empresas como o TikTok vieram para mudar tudo e esse é o tipo de revolução que não vai parar.
Mas parte dos países da América Latina, incluindo o Brasil, está sofrendo com crises econômicas, alta da inflação e aumento na taxa de juros. Isso não aumenta o risco?
As empresas em que investimos têm crescimento acelerado e não são tão afetadas por problemas na política, inflação ou de crescimento nas taxas de juros. É muito difícil voltar ao mundo como era antes. Eu tenho uma filha de 22 anos e dei um carro para ela ao fim da faculdade. Ela pediu que eu devolvesse o carro porque ela não queria se preocupar com seguro, estacionamento e nem com possíveis roubos. Nosso pensamento é a transformação digital dos setores. A mudança é muito mais forte e do que qualquer elevação de taxa de juros.
No passado, o senhor disse que não investir no Nubank foi um erro. Você mantém esse pensamento?
Nós sempre paramos para analisar os gols que não marcamos e para aprendermos com isso. O Nubank eu nem chamaria de grande erro, pois isso nos permitiu investir no Banco Inter, que é uma das nossas melhores apostas. Chegamos como investidor e eles valiam menos de US$ 2 bilhões e, agora, valem US$ 10 bilhões e temos a família Menin como grandes parceiros e sócios. Obviamente, seria ótimo voltar no passado e investir na Amazon a preços mais baixos, mas conseguimos ter aprendizados.
O SoftBank fez diversas apostas erradas desde a sua existência, como o investimento no WeWork. Como não repetir esses mesmos erros na América Latina?
O momento nos permite entender os modelos de negócios que foram testados no exterior e que podem ser adaptados para a América Latina. É muito mais fácil para nós investirmos sabendo se o modelo de negócio já funciona em outro lugar. Nos perguntamos: esse modelo funciona na América Latina? Caso seja a resposta seja positiva, temos algum empreendedor para tocar o negócio? Isso facilita. Os nossos erros no WeWork, por exemplo, foi a quantidade de capital e um crescimento muito acelerado e aprendemos com isso. Prova disso que é que os nossos investimentos na América Latina tiveram um rendimento de 85%, acima dos melhores fundos do mundo. Agora, esse retorno será difícil de manter, mas acho que teremos um grande crescimento pelos próximos 20 anos na América Latina. É uma oportunidade de crescimento.
Olhando para o futuro, qual tendência o senhor enxerga como a mais forte no mundo da tecnologia?
Eu acredito que a grande mudança será o blockchain. É a internet 3.0. Ele vai mudar completamente tudo, como a forma da nossa relação com os bancos e o dinheiro. A mudança é tão forte que eu creio que nunca na história da humanidade foi tão bom ser empreendedor no mundo. Além do blockchain, vamos ter a introdução dos robôs, de veículos autônomos e até a forma como nos curamos, com as healthtechs. Por isso, o SoftBank se tornou uma empresa que investe em tantas empresas. As oportunidades são muito grandes.
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