Durante muito tempo, os consumidores se acostumaram a medir a qualidade da câmera de um celular pela quantidade de megapixels – quanto mais pixels, melhor seria a imagem. Já não é mais assim: nos últimos tempos, as fabricantes de smartphones têm apresentado não só uma grande quantidade de câmeras em um só aparelho, mas também softwares e uso intensivo de inteligência artificial (IA). Nessa semana, por exemplo, chega ao Brasil o P30 Pro, smartphone da chinesa Huawei, que abusa da computação para melhorar as imagens captadas pelas quatro lentes fabricadas pela tradicional marca alemã Leica – favorita de fotógrafos como Henri Cartier-Bresson.
Há um motivo para tanta atenção: as câmeras são um dos principais motivos de compra de celulares. Segundo pesquisa feita pela consultoria IDC em setembro de 2018, câmeras traseiras duplas foram o segundo principal fator de compra de smartphones para os brasileiros – atrás só do armazenamento interno. “Os consumidores querem guardar momentos de suas vidas, e as câmeras de celulares tornaram isso cada vez mais fácil para qualquer pessoa”, diz Renato Meirelles, analista de pesquisas da IDC Brasil.
Apresentar novidades em um setor de desejo virou, claro, estratégia de marketing – lançar uma câmera melhor a cada modelo passou a ser uma justificativa para trocar de aparelho. Na primeira década da indústria de celulares, a evolução era possível melhorando as lentes, mas hoje o mercado atingiu um platô de inovação. Investir no software foi a saída para seguir com melhorias. O uso de programas específicos ajuda ainda a minimizar um problema inerente às câmeras dos smartphones: o tamanho.
Segundo especialistas ouvidos pelo Estado, diafragmas e sensores de tamanho reduzido não são capazes de captar luz suficiente para as fotografias, mesmo que a contagem de megapixels seja alta. O resultado são imagens com ruído (borrões ou alterações de brilho). “O software aparece para remover ou minimizar o ruído”, diz Manuel Menezes de Oliveira Neto, membro da Sociedade Brasileira de Computação (SBC) e especialista em fotografia computacional. “É aí que são usadas técnicas de processamento de imagem ou inteligência artificial.”
Técnicas. Um exemplo de processamento de imagem é bastante conhecido dos usuários da Apple: o High Dynamic Range (HDR), no qual o software dos celulares da empresa combina várias imagens para criar a melhor foto – o programa acumula informações com exposições de luz diferentes da mesma cena para produzir uma só fotografia com mais detalhes.
Já o uso de inteligência artificial torna isso mais sofisticado: o software toma decisões para a melhor foto com base num banco de imagens cheio de exemplos para cada situação – uma foto de pôr do sol, comida ou uma selfie. A Samsung, por exemplo, diz que a IA de suas câmeras é treinada por um banco com 100 milhões de imagens.
O uso de diversas câmeras, nova moda entre os fabricantes, é outro exemplo do uso do software: a utilização combinada de várias lentes ao mesmo tempo permite dar profundidade às fotos, algo que antes só era possível com lentes dedicadas. Com a inteligência artificial, isso se tornou ainda mais bem resolvido: o hardware fotografa várias imagens e o software ajuda a mesclá-las – tudo de forma tão rápida que o usuário mal percebe.
Simulacro. Com tanto uso de tecnologia, será que as câmeras dos celulares fotografam de fato o que é real? É um debate parecido com o enfrentado por celebridades, que costumam aparecer em fotos alteradas no Adobe Photoshop, o mais conhecido programa de edição de fotos. A tecnologia, claro, pode ter seu papel para reforçar padrões de beleza – o P30 Pro, da Huawei, por exemplo, tem recurso de embelezamento, com alterações no rosto dos usuários, removendo olheiras, manchas e até clareando dentes. Para as sugestões, o aparelho acessa um banco de dados com imagens de diferentes locais do mundo. “Cada local tem um padrão: o que é belo na América Latina pode não ser na Europa”, diz José Luiz do Nascimento, diretor de vendas da Huawei.
Mas, com o poder de fazer isso na palma das mãos, essa parece ser uma questão superada para muitos usuários. “O usuário nem sempre busca a realidade, mas sim a melhor foto”, diz Nascimento. É a opinião também do fotógrafo Fabrício Vianna, especializado em cenas de casas noturnas e shows. “Na foto da balada, as pessoas não querem o real, querem luz estourada para esconder as espinhas.”
Há ainda quem defenda que essa discussão sobre retratar o real é tão antiga quanto a própria fotografia. “Os fotógrafos usam técnicas para destacar um ponto ou obliterar outros”, avalia Norberto Alves Ferreira, gestor de soluções de IA no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD). “Esses recursos só vão se tornar cada vez mais acessíveis e serem usados com frequência, por mais que pareçam transformar a realidade.”
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