Nos últimos dias de novembro, a startup Stability AI pôs na rua a versão 2.0 de seu popular algoritmo de inteligência artificial. A empresa, neste momento, é a principal coqueluche do Vale do Silício. Um investimento que recebeu faz poucos meses a catapultou para o valor de US$ 1,5 bilhão de dólares.
Talvez mesmo sem conhecer seu nome, quem passeia pelas redes fatalmente já se deparou com o produto único da Stability. São imagens de rostos, às vezes como pinturas, como fotografias num ambiente de ficção científica, cenas num mundo de fantasia — a última moda da web. Envie para um app fotografias de seu rosto e receba em troca dezenas de versões do seu retrato. Todas criadas pelo computador.
Leia também
Esse ramo da tecnologia atende pelo nome de inteligência artificial generativa. É um tipo de algoritmo que gera conteúdo inédito. Ele pode ser treinado com bilhões de imagens e cria a partir do que analisou. Ou pode ser alimentado com textos, com vídeos, com o que for. Estamos em um ponto da tecnologia no qual os produtos desses algoritmos, principalmente em imagem estática, estão próximos de substituir ilustradores contratados.
O que faz a Stability AI única é a maneira como encara o setor. Seu algoritmo, o Stable Diffusion, foi publicado em código aberto. Outras tantas empresas constroem tecnologias igualmente sofisticadas. Mas são fechadas. O Stable Diffusion, não. Qualquer um que entenda do ramo pega o código, aplica como bem entender e pode inclusive construir versões modificadas.
A primeira versão de Stable Diffusion já era muito impressionante. A partir dela, brotaram na internet inúmeras cenas pornográficas com mulheres e homens famosos. Brotaram também pequenos plugins que ensinam o algoritmo a desenhar no estilo de ilustradores populares de estúdios de animação, de capas de livros e do universo da fantasia.
Tecnologia seguirá nos desafiando e precisamos de filósofos como nunca
São exemplos de uso que geram incômodo, desconforto e mesmo questões éticas. Com os algoritmos fechados de empresas, nada disso é possível. Mas, com um aberto, o limite é a imaginação. Se a produção de uma imagem começa a dispensar a pessoa que ilustra, são empregos que desaparecem. Já está acontecendo.
A questão da privacidade não é menor. É possível se defender de ter sua imagem criada artificialmente numa cena que lhe cause repulsa? É bastante provável que a resposta seja não.
A tecnologia existe, ela funciona, é gratuita — e será usada.
A versão nova de Stable Diffusion bloqueou a possibilidade de imagens com nudez ou sexualidade e dificultou a simulação de estilos artísticos. Mas, como o código é aberto, quem tem a manha pode retirar os bloqueios. Já há uma corrida em curso.
Os dilemas não vão diminuir. Tecnologia seguirá nos desafiando e precisamos de filósofos como nunca. Até lá, vejam bem, essa coisa de criar retratos de si mesmo, noves fora o narcisismo, é divertida como só.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.