Marco Civil: 'Faz sentido guardar dados no Brasil'

Entrevista com Virgílio Almeida, membro do conselho do Comitê Gestor da Internet e secretário do Ministério da C&TI

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Entrevista com Virgílio Almeida, membro do conselho do Comitê Gestor da Internet e secretário do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação

 

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Arte: Marcos Müller/Estadão

SÃO PAULO – O projeto de lei nº 2126/2011, o chamado Marco Civil da Internet, foi adiado nesta terça-feira, 29, pela primeira vez após o Executivo ter colocado sua tramitação sob regime de urgência (embora no total, o projeto já tenha sido formalmente adiado cinco vezes). O prazo, na última segunda, 28, estourou, o que fez com que o adiamento da votação trancasse a pauta da Câmara. Isso significa que enquanto não for votado, não se vota mais nada. O texto recebe sugestões de mudanças há quatros anos, sendo entre 2009 e 2011 pela sociedade civil interessada através de consultas públicas; e nos dois últimos anos, por parlamentares.

+ Veja mais: Votação do Marco Civil da Internet é adiada

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Nesta reta final, mais alterações estão previstas e ambos os lados sabem que a briga será das grandes. Até lá, publicaremos no site do Link entrevistas com pessoas influentes sobre o assunto e envolvidos diretamente nas discussões. Estreando a série, conversamos com Virgílio Almeida, secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e conselheiro do Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br)

Confira a entrevista:

O governo e a relatoria se dizem prontos para votar o Marco Civil. A oposição diz que o deputado Alessandro Molon (PT-RJ; relator do projeto) deve abrir mão de alguns pontos, como sobre a guarda de registros e a neutralidade, e pede mais tempo para discussão. Qual sua posição? Acha que isso ainda vai se estender? 

 

O texto do deputado Alessandro Molon foi resultante de um processo amplo de consultas públicas. O deputado trabalhou durante um período longo e o texto está, por isso, pronto para ser votado. O MCTI e o CGI consideram que o texto atual tem fundamentos importantes como a questão da neutralidade, a guarda de registros de conexão (não necessariamente pelos provedores de aplicações, a não ser que haja ordem judicial para isso, caso contrário todo dono de blog teria que guardar os registros de todo visitante do seu blog).

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O texto tem todas as virtudes – além de seguir com coerência muito grande o decálogo do CGI (Comitê Gestor da Internet). Até o inventor da World Wide Web, o senhor Tim Berners-Lee, fez elogios ao texto do projeto. Por tudo isso acho que ele tem tudo para ser aprovado. Sobretudo, o importante é termos essa lei aprovada, é fundamental para o desenvolvimento da internet e para garantir a segurança do brasileiro online.

E quanto à oposição, contrária à neutralidade?

Outros países têm a neutralidade preservada, como os EUA e a Holanda. É bom lembrar que a internet é uma camada das telecomunicações. É na internet que existe o espírito da inovação, a facilidade de se criar novos modelos de negócios; a neutralidade garante o impedimento de criação de barreiras de entrada para empresas e ideias novas. Assim, defender a neutralidade é importante para a manutenção do espírito da internet.

A espionagem americana e a relutância do Google em fornecer informações que não estão armazenadas em território fez com que o governo estudasse a possibilidade de exigir a guarda de dados sobre Brasil em território brasileiro. A medida é criticada por ser “ineficaz” e, em vez de armazenar menos dados e assim garantir a privacidade (além da presunção de inocência), armazena mais dados. Qual sua opinião sobre o assunto? Acha que funcionaria? Isso deve estar vinculado ao Marco Civil?

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Existe a proposta de se ter exigência de armazenamento local de dados de cidadãos brasileiros em território brasileiro. Exigências desse tipo existem em outros países, a Austrália tem projetos para exigência de armazenamento de dados de saúde dos australianos localmente, a Coreia do Sul exige o armazenamento de dados de seguros financeiros e transações financeiras no território coreano. A proposta do Brasil ainda se encontra em discussão e os detalhes sobre que tipo de dados seriam obrigatoriamente armazenados aqui irão provavelmente ser definidos por um decreto de regulamentação. Também em termos comerciais faz sentido pensar que empresas que possuem um grande número de seus consumidores no país deveriam ter parte de suas infraestruturas aqui no Brasil. É uma discussão que tem estado nas discussões internas do governo, mas não há ainda uma definição sobre o texto final.

O Brasil possui infraestrutura que justifique a instalação dos datacenters pedidos? Vincular esse assunto ao Marco Civil não é colocar uma problema estrutural em um carta de princípio e complicar ainda mais a sua votação?

A questão da localização de dados não vai aumentar a segurança das informações mesmo, mas vai permitir que os dados estejam sob jurisdição brasileira. Outro ponto: é também uma resposta aos eventos de monitoramento e espionagem que estão acontecendo (recentemente saiu que a NSA vigiava o Google e o Yahoo!). O que iria para o texto é uma orientação apenas, detalhes sobre que tipos de empresas seriam obrigadas ou que tipo de arquivos serão definidos em uma regulamentação posterior. No entanto, o mesmo efeito dessa proposta poderia ser obtido por meio de políticas públicas, por exemplo dando preferência nas compras públicas a empresas que tenham armazenamento local de dados. Faz sentido o País querer ter parte dessa estrutura de dados aqui.

No fundo, queremos descentralizar a internet, não queremos que os Estados Unidos estejam sentados sobre todas nossas informações; o Brasil quer estabelecer outras conexões para que todos os dados não tenham que passar por lá. A internet é global, o ideal seria que houvesse uma distribuição desses dados. As empresas grandes já têm essa infraestrutura aqui. Sobre as críticas de que o Brasil tem que investir em PTT (pontos de troca de tráfego), digo que não há deficiência de PTT; há 21 pontos de troca de tráfego no País, do sul até a região Norte. Eu acho que é um ponto controverso, que ainda vai ser discutido no Congresso, mas adianto que faz um certo sentido reivindicarmos a localização de parte dos dados para o Brasil, dado o tamanho da economia brasileira.

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Vê alguma contradição em o governo defender a governança multissetorial (multistakeholder) e a neutralidade lá fora enquanto por aqui o CGI foi retirado do texto do Marco Civil, e o princípio da neutralidade ainda não é consenso?

Nos textos do PL do Marco Civil não está mencionado explicitamente Anatel ou CGI. Isso deverá fazer parte da regulamentação. O CGI é a entidade responsável pela governança da Internet. Seu modelo “multistakeholder” é elogiado internacionalmente e a própria presidenta Dilma tem apoiado o modelo do CGI. A neutralidade está no PL e conta com apoio do governo, agora cabe ao Congresso votar, como ocorre com todos projetos de lei. Não há nenhuma incoerência entre a governança “multistakeholder” e o Marco Civil ou o funcionamento do CGI.

Qual foi o saldo do IGF 2013? Tudo aponta que a comunidade internacional seguirá o modelo brasileiro do CGI?

Estive tanto em Seoul, na Conferência Cyberspace, quanto na reunião do IGF em Bali. A organização e a composição dos participantes do IGF seguem o modelo multistakeholder, extamente como o CGI. Tanto em Bali como em Seoul, a palavra mais falada para a governança da internet foi multistakeholder e o Brasil citado como exemplo, por ter o CGI, que tem quase 20 anos de criação (1995). O Presidente da ICANN quando tomou posse ano passado, ficou sabendo do CGI e pediu para participar de uma reunião do CGI (dezembro passado) e desde então tem sido um grande apoiador e divulgador do modelo CGI.

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