Para onde vão as informações que você coloca em um cadastro em um site de compras coletivas? Quem sabe o que você curtiu no Facebook? O que suas pesquisas no Google dizem sobre você? Provavelmente elas dizem mais do que o seu terapeuta sabe. Tudo isso está por aí, guardado em algum banco de dados. E, até agora, não há nenhuma norma que defina como essas informações devem ser tratadas.
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“Estamos em um típico momento em que a indústria está prestes a criar uma situação de desbalanceamento, determinando como será feita a coleta de informação”, diz Danilo Doneda, advogado e pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas. Ele participa da elaboração de um anteprojeto de lei encabeçado pelo Ministério da Justiça que definirá regras para a guarda e o uso de dados pessoais.
O principal ponto do projeto, que está em consulta pública, é o seguinte: o cidadão precisa ter o controle sobre sua própria informação. Precisa saber qual dado está sendo coletado, para que será usado e por quanto tempo a empresa ou o governo poderá armazenar essa informação. Hoje não há nenhum tipo de controle – são comuns os casos de venda de banco de dados a terceiros, por exemplo, ou cruzamento de dados.
Informação vale ouro. “Quando temos uma sociedade em que qualquer segmento do consumo trabalha a partir das informações de seus consumidores, a informação vira um insumo do mercado. Em algumas situações vale mais do que dinheiro”, explica Juliana Pereira, diretora do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça. Dá para ter uma dimensão mais exata do poder ao olhar para as empresas online. “A utilização dos nossos dados é o que justifica a existência de tantos serviços gratuitos na internet”, explica Doneda. O crescimento de empresas como Google e Facebook – que anunciou a chegada ao Brasil com registro na área de “consultoria em publicidade” – demonstra o potencial bilionário da perda de privacidade. “O momento é o da economia da informação pessoal. Por isso as redes sociais são importantes: elas são quase como um pote de mel para as pessoas se sentirem à vontade para fornecerem suas informações”, define Doneda.
“Uma proteção de dados efetiva é fundamental para a democracia e sustenta os outros direitos e liberdades”, diz Viviane Reding, vice-presidente da Comissão Europeia de Justiça, Direitos Fundamentais e Cidadania, durante o Data Protection Day, que aconteceu no dia 28 de janeiro. Como garantir que esses dados não sejam usados para fins discriminatórios ou que de alguma forma prejudiquem o consumidor? “As pessoas jogam as informações e não sabem o que acontece. Estão em uma posição fraca”, diz Doneda. Para o advogado, o setor que mais requer preocupação é o de marketing online. Hoje há ferramentas que monitoram silenciosamente o usuário – como por onde ele navega ou quais suas últimas compras, sua localização e suas preferências.
“Rastreando o comportamento do usuário através de vários sites você consegue montar um perfil”, explica Philip Klien, CTO do BT Buckets, empresa de behavioral targeting, tecnologia capaz de traçar perfis do usuários para segmentar a audiência. É um recurso útil para anunciantes conseguirem atingir um público específico.
A área está em alta. Um levantamento do Wall Street Journal revelou que há mais de 200 ferramentas monitorando conexões. Todos os 50 sites mais populares dos EUA têm algum mecanismo do tipo. Em 2010, o total de investimento em anúncios na web foi de US$ 8.9 bilhões. Destes, US$ 1,1 bilhão foram para os anúncios segmentados – e o valor deve dobrar até 2014.
Tudo que é grátis tem preço. Para Klien, o principal problema é a falta de esclarecimento. “Esse controle está sendo feito em vários sites em domínios diferentes. E aí muitas vezes o usuário não sabe disso”, diz. É preciso se assustar? A publicidade também não pode ser vista como vilã – ela custeia os serviços que tanto usamos e também nos proporciona anúncios mais relevantes. Mas é preciso saber que tudo que é grátis tem um preço.
Enquanto não há regras claras, a responsabilidade sobre informações valiosas fica para as empresas. “Por não haver regulamentação e você ter muito poder, é preciso agir com cautela”, diz Klien. Nos EUA, o setor de behavioral targeting tem uma organização de autorregulação e há uma carta de boas práticas, que é seguida pela startup brasileira. Recentemente a deputada norte-americana Jackie Speier apresentou o projeto de lei Do Not Track Me Online (não me monitore na internet), que criaria uma lista de internautas que não querem ser monitorados – como já existe, por exemplo, com o telemarketing.
Na Europa, a prática foi regulamentada no meio do ano: é preciso consentimento livre e informado para a instalação de um cookie de rastreamento; ele não pode ser eterno e a revogação deve ser livre e fácil; e, por fim, o monitoramento deve ser facilmente perceptível.
No Brasil, o projeto de lei que está em consulta pública não regulará os tópicos específicos de mercados – como é o caso da publicidade e de bancos – mas a ideia é fomentar a autorregulação das áreas. “O projeto estabelecerá um padrão mínimo de proteção. Queremos regulamentar uma coisa que está na Constituição: o direito à privacidade. Todo o mercado quer ter segurança jurídica”, diz Juliana Pereira.
Daqui para frente, as regras do jogo ficarão – senão mais rígidas – pelo menos mais claras.
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