O projeto de lei que pretende regular as redes sociais não é, de forma alguma, uma ameaça à democracia. Tampouco dá a qualquer governo poder de censura — aliás, basta ler o projeto com atenção mínima para entender que ele não tenta estabelecer o que é verdade ou o que é mentira. A mensagem que o Telegram publicou em seu canal e assim apareceu para todos usuários da plataforma, porém, diz isso. Ainda assim, ao mandar apagar o texto, publicar uma correção e ameaçar suspender a plataforma, o ministro Alexandre de Moraes cruzou uma linha indevida.
A democracia brasileira não está sob ameaça. Esteve. Hoje, graças à investigação da Polícia Federal, sabemos que o planejamento de um golpe de Estado no coração do governo Jair Bolsonaro não se limitou à minuta de um ato institucional número um encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Mas isto passou. O Supremo em geral, o ministro Alexandre em particular, souberam usar os alertas de filósofos liberais como Karl Popper e John Rawls: nos raros momentos em que grupos conseguem capturar instituições da democracia para ameaçá-la abusando das liberdades inerentes ao regime, é preciso se defender.
Mas estamos numa democracia. E a lógica mais básica de uma democracia é de que construiremos leis pelo debate público. Isto quer dizer que as plataformas têm o direito de publicar com clareza e transparência seus pontos de vista. Quem decidiu que é abuso de poder o Google botar um link em sua página levando à sua posição? Qual o limite entre uma interpretação de má-fé da lei, uma equivocada e uma da qual discordamos?
Estou certamente entre os que acham que o Telegram e seu CEO, Pavel Durov, agem de má-fé. Durov é um inimigo político de Vladimir Putin que criou horror a quaisquer governos e, daí, escolheu viver numa ditadura árabe. Ocorre que má-fé não é necessariamente crime. Opinião distorcida, tampouco. E às vezes, num debate público, a prudência recomenda dar espaço para que as conversas ocorram até com canalhas. As plataformas não estão se escondendo atrás de bots. Estão assinando com clareza aquilo que dizem.
Este pode não ser o governo dos sonhos de muita gente, mas é um governo democrático. Podemos discordar de como pensa muita gente mas, se algo parece claro, é que gente como Marina Silva, Flávio Dino, Simone Tebet, Silvio de Almeida e o próprio Haddad são pessoas não apenas íntegras, mas com evidente capacidade e currículo para ocuparem as pastas que ocupam.
Por isso, não estamos mais no mundo do Paradoxo da Tolerância. Não é mais hora para medidas de força. Poder não é para sair sendo usado simplesmente porque se pode. Não gosto de Durov, discordo de Durov. Mas, ora, uma democracia se mede assim mesmo. Deixa ele falar.
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