Os presidentes executivos de Google, Facebook e Twitter foram convocados a se apresentar perante o Senado americano na próxima quinta-feira, dia 1º de outubro. O convite — por enquanto é um convite — foi feito em cima da hora. Até o momento em que a coluna fechou, os executivos ainda não haviam se manifestado. Mas o momento é particularmente delicado. As eleições presidenciais ocorrerão em 3 de novembro. Ou seja, a audiência é um mês antes. E o Partido Republicano está querendo fazer algumas mudanças muito importantes na legislação que cobre a internet.
Tanto a Casa Branca quanto os senadores trumpistas querem mexer com a seção 230 do Ato da Decência nas Comunicações, de 1996. Bill Clinton era presidente, a internet era um fragmentado de muitas páginas da web soltas, GIFs piscantes, placas de ‘site em construção’ e barulho de modem lento ligado à linha telefônica para conexão. Mas já estava crescendo tão rápido que foi preciso correr com uma lei que a regulasse. A preocupação dos parlamentares era com acesso de crianças a pornografia. Mas a lei se tornou mesmo importante pela seção 230: ela determinava que um site que abre espaço para terceiros publicarem algo não pode ser responsabilizado judicialmente pelo conteúdo.
Ou seja: quem escreveu pode ser processado. O site onde foi escrito, não. Naquela época, já havia dois ou três casos de empresas miúdas com risco de quebrar por processos milionários.
A lei criou uma barreira de proteção que permitiu à internet que crescesse. O Google seria fundado dali a dois anos. O Facebook, só oito anos depois. O Twitter nasceu quando a lei completava seus primeiros dez anos. Foram, todas, empresas miúdas, hoje são grandes corporações. Esta lei, exatamente como ela é, permitiu que se desenvolvessem sem ameaças de uma enxurrada imediata de processos que as sufocariam. É até irônico, claro. Mas foi assim.
Não são poucos os críticos da seção 230. Afinal, estas mesmas empresas seguem não tendo rigorosamente nenhuma responsabilidade por tudo o que é publicado em seus domínios. E, no tempo das fake news em que a desinformação rege a política, corporações que passam do US$ 1 trilhão como o Google, ou estão quase lá como o Facebook, parecem estar se saindo na melhor.
Mas o que o Partido Republicano deseja não é controlar as fake news. É controlar o que chama de “remoção seletiva” de conteúdo. Ou seja, impedir que as redes sociais produzam algum tipo de controle, de moderação. Não é só nos EUA — também aqui no Brasil, assim como em certos países da Europa — políticos de direita acusam as redes sociais de censurarem sua voz. Enquanto pesquisadores, especialistas e adversários acusam estes grupos de terem chegado ao poder manipulando informação, falseando dados, explorando teorias conspiratórias, tudo pela hábil exploração das fraquezas estruturais das próprias redes.
As eleições em 3 de novembro são chaves. Segundo análise do site FiveThirtyEight, que desenvolve modelos estatísticos para analisar o conjunto de pesquisas, o democrata Joe Biden tem 77% de chances de vencer Donald Trump e seu partido tem 63% de chances de fazer maioria no Senado.
Existe, portanto, a possibilidade de os republicanos estarem completamente fora do poder em 2021 — com minoria nas duas casas do Congresso e sem a Casa Branca. Mas, ainda assim, nada pode ocorrer.
O problema imposto pelo digital à democracia é grave e tudo começa por compreendê-lo. O Dilema das Redes, que estreou na Netflix, é didático como só. Explica o mecanismo. Todo eleitor deveria assisti-lo.
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