Há uma ambiguidade proposital nas regras criadas pelo Tribunal Superior Eleitoral para uso de inteligência artificial (IA) nas eleições municipais deste ano. Por um lado, deep fakes são terminantemente proibidos. Por outro, uso de IA generativa é permitido, desde que esteja registrado que aquela imagem, aquele texto, foram produzidos usando a tecnologia.
Para o observador habituado com o debate sobre o digital, a regra parece incoerente. Afinal, qual é a diferença? Deep fakes são vídeos modificados utilizando inteligência artificial para substituir um rosto. Candidato ao governo de São Paulo em 2018, o então tucano João Doria foi vítima de um. Seu rosto foi posto no corpo de um ator que compartilhava a cama de um motel com três mulheres. Este tipo de falsificação pode fazer parecer que alguém falou algo, esteve numa determinada situação. Constrói uma mentira crível. É como se o TSE estivesse dizendo que pode usar IA, mas que não pode. Toda IA cria, afinal, uma situação que jamais existiu. Ao criar a distinção entre IA e deep fakes no texto, a Corte põe ali algo que é ambíguo.
Tudo indica que a OpenAI, empresa responsável pelo ChatGPT, vai botar no ar sua ferramenta generativa de vídeos ainda este semestre. O que só complica a coisa.
Mas por trás da aparente ambiguidade o Tribunal está mandando uma mensagem para todas campanhas. Pode usar inteligência artificial, sim. O que não pode é usar para enganar o eleitor, para falsear a história. Criar um vídeo mostrando como uma obra vai ficar, gerar uma imagem ou um texto que ajudem na compreensão de um projeto, isso pode. Basta informar que uma IA foi utilizada na produção daquele material. Agora, botar numa reunião quem nunca esteve ou tirar o adversário de hoje da foto de quando eram aliados, isso não pode. Haverá uma zona cinzenta, por certo. E este vai ser o trabalho da Corte durante as eleições.
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A pena para quem for considerado culpado de gerar um deep fake é a cassação da candidatura ou, caso eleito, do mandato. Usos originais e perfeitamente legítimos vão ser coibidos só pelo medo da rigidez da Corte.
O ideal era que o Congresso Nacional tivesse criado estas regras. O debate é mais transparente do que no Judiciário, há mais chance de quem é do ramo, na sociedade, intervir. Mas, enquanto os parlamentares se queixam de ingerência dos tribunais, eles próprios não se mexem. Não legislam. E os problemas não deixam de aparecer porque deputados federais e senadores são incapazes de chegar a algum acordo sobre no que devem votar ou não.
Inteligência artificial está aí e vai avançar muito até a campanha começar. Se o TSE não agisse, cada juiz eleitoral, em cada canto do Brasil, ia ter de reagir sozinho. O caos.
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