Donald Trump não é exatamente um chefe de Estado padrão - mas, bem, com chefes de Estado fora dos padrões estamos todos, no mundo, começando a nos habituar. Ainda assim, o resultado de sua conversa com seu par chinês, o secretário-geral do Partido Comunista, Xi Jinping, durante a reunião do G20 em Osaka, teve um quê de surrealidade. E no centro desta conversa estava a Huawei.
A comitiva chinesa chegou para sentar-se à longa mesa que separava as duas delegações decidida a conter danos. Evitar que novas barreiras comerciais fossem levantadas. Não havia maiores ambições nem motivo para tê-las. Trump tinha outros planos - de presto ofereceu para levantar o embargo à gigante chinesa de tecnologia. Xi não esperava algo assim, ninguém esperava. E o presidente americano não manteve sua intenção em segredo. Logo ao sair, foi o primeiro assunto do qual tratou com jornalistas.
Faltavam detalhes. Na manhã de segunda-feira, seu assessor econômico Larry Kudlow antecipou uma explicação no telejornal matutino da CBS. Aquilo que outros no mundo fabricam com facilidade relativa, como software e chips, poderia voltar a ser negociado. Mas as empresas de telecomunicações seguiriam proibidas de comprar da chinesa aparelhos de infraestrutura ou de revender smartphones.
E, assim, voltaria a estar tudo como era no início de 2019, com a Huawei liberada para usar o Android e vender seus (excelentes) celulares pelo mundo.
O problema é que nada, rigorosamente nada, mudou. Nenhum documento foi assinado, nenhuma portaria baixada, nem ao menos um comunicado oficial que dê dia e hora em que a suspensão ocorrerá. O presidente falou, o assessor explicou, porém nada mudou e a Casa Branca não se manifesta.
Trump, os chineses estão convencidos, não é movido a qualquer ideologia. O que lhe serve de guia mestra é uma coisa transacional, alguém que vai de acordo em acordo e cujo prazer está no surpreender o adversário com gestos abruptos na esperança de que, assim, consiga benefícios. Gosta de negociação assim, só negociações lhe interessam, embora não esteja lá muito claro quão eficiente é seu método.
O impacto para a Huawei não é mortal, mas é devastador. Ren Zhhengfei, seu fundador e CEO, em entrevista ao Financial Times afirmou que não se impressionou com o gesto americano no fim de semana. Ampliou contato com a imprensa internacional e está com foco em sobreviver sem os EUA. Não afirmou isso, mas de certa forma é como se dissesse - enquanto Trump for presidente, não dá para baixar a guarda. Ele faz gestos abruptos que mudam o ritmo comercial do mundo sem ligar muito para as consequências. A surpresa, ora, é que o satisfaz.
O que pouco se fala, nesta toada, é sobre o impacto dentro dos Estados Unidos. E, embora ainda não esteja dito, pode ser bem maior do que o previsto. O FCC, equivalente americano à Anatel, escolheu reservar para as redes 5G a banda de frequência acima de 24GHz. A vantagem é que permite velocidades altas. Mas há duas desvantagens muito relevantes. Primeiro, são ondas mais sensíveis a obstáculos físicos - um cano d’água, uma vara de metal, às vezes até mesmo uma parede já diminui muito o sinal. Depois, o sinal não vai longe. São, portanto, necessárias mais torres. Nas cidades, serão erguidas, mas no campo, não.
A Huawei tem o melhor equipamento para infraestrutura de 5G. Europa, e também o Brasil, estão comprando estas máquinas. As operadoras americanas não podem adquirir o melhor que há e operam numa banda que dificultará as redes. Pois é. Trump está brincando num momento chave - os EUA perigam ficar para trás na internet das décadas de 20 e 30.