População encolhe e Japão aposta em robôs

Com envelhecimento, País inventa a Sociedade 5.0, baseada na tecnologia

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Foto do author Ricardo Grinbaum

TÓQUIO - Um turista desavisado pode achar que é pegadinha ao ser atendido na portaria de um hotel em Tóquio por um robô com rosto e roupa de mulher. Mas a cena é real. É uma pequena amostra de um gigantesco experimento em curso no Japão: a criação da chamada Sociedade 5.0, em que boa parte do trabalho humano será substituída por computadores e robôs.

O Japão decidiu transformar sua sociedade em um laboratório tecnológico por um motivo extremo. Sua população está envelhecendo e diminuindo rapidamente. A taxa de natalidade é de 7,7 nascimentos por mil habitantes, enquanto a de mortalidade é de 9,8 por mil. Hoje, um quarto da população tem mais de 65 anos. Em um ano, o país perdeu 500 mil habitantes. Sem trabalhadores, fábricas fecharam e lojas de conveniência pararam de atender de madrugada. Falta pessoal nos hospitais. Pelos cálculos oficiais, o país perderá 20 milhões de habitantes, dos atuais 126 milhões, até 2050.

Japão investe na chamada Sociedade 5.0, em que boa parte do trabalho humano será substituída por computadores e robôs Foto: KIM/REUTERS

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Uma das soluções encontradas pelo governo Shinzo Abe para manter a máquina do país em funcionamento foi dar subsídios para a produção de serviços de inteligência artificial, internet das coisas e robôs. Abe também diminuiu as regulações para que as empresas de tecnologia possam experimentar sem medo de errar. O país liberou o uso de drones para fazer entregas em ilhas distantes. Se der certo, os drones começarão a ser usados nas grandes cidades a partir de 2020, na época dos Jogos Olímpicos de Tóquio.

Os robôs, que já eram comuns nas fábricas, agora começam a entrar nos asilos, nas enfermarias, nas creches e nas casas. São robôs amigáveis, feitos para lidar com pessoas. Cerca de 5 mil centros de enfermagem estão testando as máquinas, com apoio do Estado.

Estão em teste vários tipos de equipamentos. Um deles é uma espécie de armadura eletrônica, usada pelos cuidadores, para ajudar a levantar e mover os pacientes sem fazer muita força. Também existem máquinas com sensores para detectar o movimento de pacientes à noite e outra que monitora os movimentos do corpo para avisar se está na hora de levar um doente para o banheiro. Os robôs conversam e fazem companhia para crianças e idosos.

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Melhor amigo. Originalmente lançado como um brinquedo, o cachorro robô Aibo, da Sony, hoje ajuda a cuidar dos idosos em suas casas. O animal eletrônico tem sensores que monitoram os movimentos dos donos e avisa seus parentes caso ocorra algum sinal atípico. O Paro é uma foca de pelúcia, mas por dentro é um robô. O bicho eletrônico responde a sons de voz e afagos, o que ajuda a conectar emocionalmente com idosos.

O experimento japonês vai além da tecnologia. Outra mudança profunda em curso está ligada ao papel das mulheres e dos idosos na sociedade. Pelas regras da tradicional sociedade japonesa, as mulheres param de trabalhar quando nasce o primeiro filho. Elas passam a se dedicar em tempo integral à casa, enquanto o marido trabalha fora.

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Até pouco tempo atrás, era um caminho sem volta. Quando o filho crescia, a mulher não tentava voltar ao mercado, até porque já estava profissionalmente defasada. O governo está fazendo força para quebrar essa lógica. Agora, oferece treinamento para que as mulheres voltem a trabalhar. Faz o mesmo com os idosos. Em vez de se aposentar, eles são incentivados a buscar novas carreiras, de menor esforço físico.“Em 4 anos, foi criado 1,8 milhão de empregos para mulheres e idosos”, diz o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Norio Maruyama. “Superou os números da queda da população.”

O governo criou um comitê, comandado pelo primeiro-ministro, para encontrar soluções para o problema demográfico, em particular das cidades menores. Em 2016, só a população de Tóquio cresceu. “Estamos limitando o número de colégios em Tóquio e ajudando as prefeituras no interior, com informação e apoio financeiro, para atrair gente”, diz Ayumi Yori, vice-diretora da agência responsável por políticas contra a queda da população.

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A imigração não poderia ajudar a resolver o problema? O assunto provoca polêmica no Japão e até agora não houve autorização do governo para receber uma grande quantidade de imigrantes. “A imigração não resolve nosso problema de buscar maior competitividade na economia”, diz Maruyama. “Os robôs podem nos fazer dar um salto na produtividade.” O papel dos migrantes, no momento, é limitado. Por enquanto, o Japão busca atrair mão de obra muito qualificada ou aceita a chegada de migrantes asiáticos, por força dos acordos de integração econômica regional.

Os milhares de brasileiros descendentes de japoneses podem ter um papel nesta transformação. “Hoje, os brasileiros são em grande parte responsáveis por manter as fábricas do Japão em funcionamento”, diz o cônsul-geral do Japão em São Paulo, Yasushi Noguchi. O governo discute a possibilidade de ampliar os vistos para a quarta geração de descendentes dos migrantes japoneses no Brasil. Mas esta ainda é uma questão em aberto.

* O repórter viajou a convite do governo japonês

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