A obsolescência programada reduz a durabilidade de produtos para estimular o consumo, mas um documentário vem mostrar o lado sombrio desta prática raramente admitida pela indústria
SÃO PAULO – A cineasta Cosima Dannoritzer usa o mesmo celular há 13 anos. “Ele nem tira fotos, mas eu tenho uma câmera para isso”, diz. Depois de ouvir lendas urbanas sobre obsolescência programada – a prática da indústria de determinar uma vida útil curta em seus produtos para vender mais –, ela decidiu investigar o tema. E a realidade se tornou ainda mais estranha para ela.
Em seu documentário, The Light Bulb Conspiracy (A conspiração da lâmpada, em inglês), Cosima mostra que a indústria tem práticas escusas para determinar a validade dos seus produtos. E isso ocorre especialmente na indústria da tecnologia.
O caso da primeira geração do iPod é emblemático. Casey Neistat, um artista de Nova York, pagou US$ 500 por um iPod cuja bateria parou de funcionar 8 meses depois. Ele reclamou. A resposta da Apple foi “vale mais a pena comprar um iPod novo”. O caso virou uma ação de rua nos cartazes publicitários da Apple, retratada no vídeo iPod’s Dirty Secret. O filme foi visto por Elizabeth Pritzker, uma advogada de São Francisco. Ela entrou com uma ação coletiva em nome dos consumidores – naquela altura, a Apple já havia vendido três milhões de iPods pelos EUA.
No caso do primeiro iPod, a empresa fez um acordo com os consumidores. Elaborou um programa de substituição das baterias e estendeu a garantia dos iPods por US$ 59. A Apple disse ao Link que “a vida útil dos produtos varia muito com o seu uso”.
“Eu acredito que o desenvolvimento do iPod foi intencionalmente uma obsolescência programada”, diz a advogada no documentário.
De diretora, Cosima abraçou a causa e virou ativista contra o consumismo. “Na indústria da tecnologia, muitos consumidores estão sempre procurando pela última versão, para ter novas funções, mas também para seguir a moda”, afirma. “Muitas formas de obsolescência programada estão juntas. Na forma tecnológica pura, mas também na forma psicológica em que um consumidor voluntariamente substitui algo que ainda funciona só porque quer ter o último modelo.”
Uma dessas travas eletrônicas é a que está em impressoras a jato de tinta. No filme, um rapaz vai à assistência para consertar sua impressora. Os técnicos dizem que não há conserto. O rapaz então procura pela web maneiras de resolver o problema. Ele descobre um chip, chamado Eeprom, que determina a duração do produto. Quando um determinado número de páginas impressas é atingido, a impressora trava.
A Epson nega. A assessoria de imprensa afirma que não há nenhum prazo para seus produtos. “Rejeitamos totalmente a afirmação de que eles são fabricados para apresentar defeitos depois de algum tempo”, disse. “A almofada de tinta e o Eeprom mencionados no programa são instalados para manter a alta qualidade da impressora e não para controlar a vida útil do produto.”
Crescimento. A prática, porém, não é de agora. A história da obsolescência programada confunde-se com a história da indústria no século 20. E tudo começou com lâmpadas.
Na década de 1920, um cartel que reunia fabricantes de todo o mundo decidiu que as lâmpadas teriam uma validade: 1.000 horas (embora a tecnologia da época já pudesse produzir lâmpadas mais duráveis, e uma lâmpada de 100 anos que ainda permanece acesa é citada logo no início do documentário). Assim, as empresas conseguiriam garantir que sempre haveria consumidores para seus produtos.
Com a crise de 1929 o consumo caiu. E a obsolescência programada se consolidou como uma estratégia da indústria para retomar o crescimento.
O economista Bernard London foi o primeiro a teorizar sobre a prática. Em 1932, publicou o livro The New Prosperity. O primeiro capítulo deixa claro: “Acabando com a depressão através da obsolescência programada”. Ele sugere que, se as pessoas continuassem comprando, a indústria continuaria crescendo e todos teriam emprego.
Em teoria, diz Cosima, não há nada de errado na obsolescência programada. “Nós não queremos um computador com 20 anos de idade”, exemplifica. “Mas a vida útil dos produtos está se tornando mais curta e não dá para atualizar nada sem jogar o objeto inteiro no lixo”, diz a cineasta.
E é aí que vem a conta. Cosima visitou lixões em Gana, na África, para chegar o final da cadeia produtiva dos eletrônicos de consumo rápido. Viu pessoas serem exploradas em busca dos metais valiosos dos produtos. “Se eu uso meu celular por dois anos em vez de um, não é um grande sacrifício, mas se todos fizerem isso, significaria que apenas metade dos celulares em desuso seriam enviados para lixões ilegais.”
Para a diretora, a crise mundial mais uma vez pode refletir no comportamento da indústria. Só que, desta vez, ao contrário. Na Consumer Eletronics Show, a CES, maior feira de tecnologia dos EUA, que ocorreu no início do ano, a pirotecnia de lançamentos de aparelhos dividiu espaço com outra tendência: a durabilidade dos produtos. Passou quase despercebido, mas algumas empresas já estão partindo para a “desobsolescência programada”, como escreveu Lance Ulanoff, editor-chefe do site de tecnologia Mashable.
Ele cita as smart TVs “à prova de futuro” da Samsung, que têm um kit para se manterem atualizadas. “Claramente a Samsung descobriu que os consumidores não estão tão interessados em TVs de alta definição que ficam desatualizadas ou saem de moda em poucos anos de uso”, escreveu. Ele também falou do Motorola Droid Razr Max, smartphone Android, cuja bateria roda até 15 horas de vídeo com uma carga.
“Há empresas que estão vendendo produtos mais duráveis convencendo seus consumidores de que isso é um bom investimento”, diz Cosima. Ela cita no documentário as lâmpadas ultra-duráveis da Philips que ficam acesas por até 25 mil horas. Segundo a assessoria da Philips, os produtos verdes representaram 31% do total das vendas da companhia. Foram mais de 800 lançamentos nessa área nos últimos dois anos.
“A obsolescência programada sempre faz sentido enquanto você pensa em como manter o crescimento da indústria e a criação de empregos a curto prazo”, diz Cosima. “O problema é a longo prazo. Estamos usando nossos recursos naturais e criando montanhas de lixo. A obsolescência programada funcionou bem no passado, mas estamos começando a ver as consequências. É um sistema que não pode ser usado para sempre.”
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