O Brasil acena para uma mudança em sua postura na guerra diplomática pelo controle da internet. O País irá sediar em novembro uma conferência da ONU sobre a rede mundial de computadores e, por anos, insistiu na criação de um organismo internacional que fosse responsável por essa gestão, hoje nas mãos da Icann, entidade ligada ao governo dos Estados Unidos. Agora, membros do governo já indicam que poderiam ficar satisfeitos com uma ampla reforma da Icann para garantir a independência da rede e evitar o seu controle por apenas um governo. Mas foi necessário a intervenção do secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, no debate para que o controle da rede fosse incluído na agenda da conferência do Rio, com a participação de mais de 2 mil pessoas. O assunto havia ficado de fora das últimas reuniões por pressão dos Estados Unidos, que via com desconfiança a postura brasileira e de outros países como China, Irã e Argentina. A inclusão agora do assunto foi resultado de um compromisso em que os países emergentes deixaram claro que não vão mais insistir para que a gestão mundial da internet fique nas mãos da ONU, mas sim que a estrutura atual seja reformada. Para Augusto Gadelha Vieira, coordenador do Comitê Gestor da Internet no Brasil, o tema ganhou "maturidade". Desde sua criação, a internet foi sempre controlada pela Icann, empresa com sede na Califórnia e que gerencia e toma todas as decisões sobre o registro de endereços de sites. O problema para muitos governos é que a entidade tem um acordo com a Casa Branca, que mantém sua voz sobre a Icann em decisões estratégicas. A situação mais delicada ocorreu quando os sites iraquianos foram tirados do ar no início da guerra contra Bagdá, em 2003. Diante dessa situação, uma pressão cada vez maior foi construída pelos países emergentes e liderados pelo Brasil, Índia e China para que a internet passasse a ser gerenciada de forma "multilateral, democrática e transparente". Diplomatas chegaram a sugerir que as decisões fossem colocadas no mandato da União Internacional de Telecomunicações (UIT), um órgão do sistema da ONU que cuida de freqûencias de rádio, TV e de telefonia. Nos Estados Unidos, o governo fez de tudo para evitar essa democratização e bloqueou uma série de reuniões na ONU sobre o tema. Em 2005, o assunto teria de ser lidado na Conferência das Nações Unidas em Túnis. Mas sem um acordo, o então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, optou por criar um grupo de trabalho para estudar o assunto até 2010. O problema é que, na primeira reunião sobre o assunto, em Atenas em 2006, mais uma vez os americanos rejeitaram a inclusão do tema do controle da Internet no debate. O Brasil, que sediaria a reunião seguinte, prometeu que o tema não ficaria de fora. "Não podemos repetir Atenas", afirmou Hadil da Rocha Vianna, diretor do Departamento de Temas Científicos e Tecnológicos do Itamaraty. Na realidade, porém, os países emergentes já aceitam que o controle da internet não seja transferido para a ONU ou que um organismo internacional seja criado para lidar com o assunto. A UIT declarou, em 2006, que não seria o fórum ideal para tal mandato, acalmando os americanos. A meta agora, portanto, é de reformar a Icann para que seja mais transparente em suas decisões e que deixe de ser controlada pelo governo americano. "Não somos contra a Icann", afirmou Vieira. Uma das idéias é de que a entidade com sede na Califórnia adquira total independência em relação ao governo americano e que passe a incluir em seu comitê gestor estrangeiros não apenas com poder de dar opinião, mas com poder de decisão. Como sinal de moderação em seu discurso, a delegação brasileira chega a apontar para as vantagens que o contrôle dos Estados Unidos sobre a entidade teve nos últimos anos. "Foi graças à intervenção americana que a Google não passou a ter uma voz de maior força dentro da Icann", destaca Vieira, que relata como Washington serviu para isolar a entidade da influência total das empresas do setor. Mas para garantir maior peso nos debates, o Brasil ainda está incentivando e até pagando para que algumas delegações de países africanos possam estar presentes no Rio de Janeiro em novembro. "A reunião de Atenas estava desequilibrada", alertou Vianna, que irá dividir o trabalho de co-presidente das negociações com o indiano Desai, que ocupa o cargo desde 2005. Para o Itamaraty, a inclusão do brasileiro no processo foi uma demonstração de que a ONU aceita que não haja apenas um mediador no processo. Mas diplomatas estimam que a Casa Branca continuará com sua postura de tentar evitar que uma decisão seja fechada no Rio sobre o futuro da Internet. A ICANN tem um contrato com os americanos que poderá ser renovado anualmente até 2011. "Sabemos que eles (americanos) vão tentar aguar qualquer debate, pelo menos para adiar o máximo possível uma reforma", afirmou um diplomata sul-americano. O Brasil também sabe que a reunião do Rio não sera conclusiva. Um acordo está sendo programado para ocorrer apenas em 2010. Até lá, o Brasil e outros países emergentes esperam que o controle americano sobre a ICANN seja relaxado para que a nova estrutura seja estabelecida. Além do tema do controle da internet, a reunião da ONU no Brasil ainda lidará com temas como o custo da rede e acesso â população, além de diversidade cultural. Um dos temas polêmicos deve ser a liberdade de expressão na internet, principalmente diante das acusações contra a China e os filtros que está impondo em vários sites. Segurança Outro aspecto do encontro será a segurança da rede, um tema que o governo americano promete insistir em garantir algum avanço. O próprio Brasil irá estabelecer mais um local de back-up para a rede nacional. O País já tem computadores que guardam toda a informação da internet nos Estados Unidos e dois na Europa. Agora, irá instalar mais um na Ásia. Segundo Hartmut Glaser, diretor do Núcleo de Informação e Coordenação, o objetivo é o de garantir que a troca de emails entre a Ásia e o Brasil estejam asseguradas. Os investimentos para isso são de US$ 150 mil em equipamentos que serão colocados em Seul. Nos ataques de 11 de setembro de 2001, a África do Sul ficou sem conexão de internet. Sua rede estava baseada das Torres Gêmeas, em Nova York.
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