Mais um concurso para startups está com inscrições abertas. Na quarta-feira, 12, eu estive no escritório brasileiro da Qualcomm, produtora de chips e processadores para smartphones, onde Nagraj Kashyap, vice-presidente sênior da Qualcomm Ventures, braço de investimentos da empresa que faz aportes em startups do mundo inteiro, anunciou a quarta edição da competição QPrize para financiar startups de tecnologia em estágio inicial.
A visita, porém, rendeu uma conversa interessante com Nagraj e Carlos Kokron, diretor para a América Latina da Qualcomm Ventures. Após a apresentação, os dois conversaram comigo sobre seus interesses como investidores. Um dos pontos altos da conversa foi uma constatação feita por Kokron. Segundo ele, as aceleradoras de empresas têm um papel importantíssimo no Brasil para ajudar na educação empreendedora, bastante deficiente. Porém, entre investidores há uma preocupação com o tamanho da fatia da empresa que algumas aceleradoras estão tomando em troca de investimento.
Antes de avançarmos nesse assunto, porém, fica a dica do QPrize: a premiação realizada em sete regiões - China, Europa, Índia, Israel, Coreia, América Latina e América do Norte - escolhe sete finalistas de cada local para ganhar US$ 100 mil em investimento em troca de participação acionária da Qualcomm na empresa. Essas startups depois concorrem em uma etapa final e a vencedora ganha mais US$ 150 mil em investimento. (Mais detalhes e a ficha de inscrição estão disponíveis no site do Q Prize.)
Também é importante conhecer um pouco da história da Qualcomm Ventures. O braço de investimentos da empresa nasceu em 2000 e tem um portfólio extenso de investimentos, a maioria com foco na mobilidade. Alguns desses negócios já cresceram bastante e abriram capital na bolsa de valores. Na lista de startups que já receberam apoio da Qualcomm Ventures, por exemplo, está o Waze, aplicativo de GPS israelense comprado pelo Google no ano passado.
No Brasil, a Qualcommjá investiu na Emprego Ligado, Zoop e 99 Taxis. As principais áreas de interesse da Qualcomm são hardware e infraestrutura, software e plataformas, aplicativos ao consumidor, saúde e aparelhos conectados. O fundo diz não ter um orçamento fixo nem umnúmero específico de empresas no qual investir. Mas que dois investimentos seria um bom número para o Brasil este ano. "Eu não tenho um limite. Se eu encontrar quatro oportunidades legais e tiver tempo para elas, farei o investimento. Tipicamente para grandes investimentos, dois é um bom número", disse Kokron. Uma vaga já foi preenchida e deverá ser anunciada nas próximas semanas.
Mercado.
Voltando ao papo sobre o mercado brasileiro de startups, os executivos me disseram que hoje, um dos fatores limitantes para a realização de mais investimentos no Brasil é a alta demanda das startups por suporte. "Há um contraste com os EUA que é o fato de no Brasil não haver muitos sucessos nos estágios iniciais. E muitas empresas iniciantes precisam de ajuda. Os VCs estão ajudando muito, mas muitas vezes, mesmo tendo dinheiro, eles não podem pegar mais empresas, senão não poderão ajudar. Nos EUA há muitos sucessos e, portanto, muitos mentores. Quando todo o ecossistema evoluir, os investidores ajudarão mais sabendo que gastarão metade do tempo com as empresas. É um fluxo natural", diz Nagraj.
Outro ponto interessante da conversa foi quando perguntei a eles sobre o papel das aceleradoras, que surgem em número cada vez maior no Brasil. Os dois reconhecem a importâncias das aceleradoras para amadurecimento das startups, mas destacaram uma preocupação do mercado: o tamanho da participação que essas aceleradoras recebem no negócio quando fazem investimento.
"Nós queremos que os empreendedores tenham um bom pedaço da sua empresa, porque se tudo der certo no investimento inicial, elas ainda vão passar por mais dois ou três rounds de investimento, e essa participação será diluída. Queremos que eles comecem com algo em torno de dois terços da empresa, porque aí, quando chegarem ao investimento Series C e a empresa tiver crescido, eles terão passado por outros rounds e ai terão 10% da empresa. E é legal ter 10% de um negócio que vale R$ 500 milhões", diz Kokron. "Mas em alguns casos as aceleradoras pegam uma pedaço muito grande do negócio muito cedo. Vi recentemente alguns casos em que após o investimento-anjo o empreendedor tinha penas 25% da empresa. O negócio vai precisar de mais uns dois rounds de investimento e no final o empreendedor terá 1% da empresa, o que é muito pouco para uma trajetória de 5 anos investindo em um negócio", diz.
Mas, afinal, como chamar a atenção da Qualcomm Ventures além de participando de concursos como o QPrize? Os executivos frequentam feiras e eventos de startups e dizem que networking é o melhor caminho para se apresentar ao fundo."É um clichê, mas negócios que representam boas oportunidades -- o que significa ter um time sólido, oportunidade grande de mercado, um produto diferenciado e boa oferta -- receberão investimento", diz Kokron.
A regra do bom pitch continua valendo. "Eu trabalhei nos EUA e tipicamente lá o empreendedor chega em você de forma mais articulada. Eles sabem falar a linguagem dos investidores, sabem ser curtos o suficiente para chamar a sua atenção. O processo todo é mais fluído por que até os advogados estão mais acostumados a lidar com o processo. Aqui está melhorando, mas ainda vemos oportunidades em que acho que a pessoa tem algo interessante, mas preciso falar com ela por duas horas para descobrir", diz Kokron.
Outro atributo essencial, segundo ele, é que a startup tenha tração. "Não precisa ser receita necessariamente. Nós investimento em empresas em estágio anterior.Acho que investidores estão dispostos a aceitar riscos, mas não para qualquer oportunidade. Se for uma oportunidade O.K., que talvez dobre o investimento, nesse caso talvez o investidor não se empolgue tanto. Talvez prefira empresas que representem uma oportunidade maior", disse Kokron.
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