Análise: fusão de gigantes da publicidade aposta na união entre dados e tecnologia

Negócio anunciado entre Omnicom e IPG nesta semana tem boa complementaridade, cria oportunidades milionárias de economia, mas impõe desafios criativos

PUBLICIDADE

Foto do author Igor Ribeiro
Por Igor Ribeiro

Se poucos sabiam dos bastidores que determinaram o anúncio da compra do Interpublic Group of Companies (IPG) pelo Omnicom Group, menos gente ainda ficou surpresa. Não porque o mercado já falava disso: até o Wall Street Journal publicar um dia antes do anúncio oficial, o negócio vinha sendo tocado de forma bastante hermética. Mas algo era esperado, pois não ocorriam grandes consolidações no setor desde antes da pandemia (exceto por fusões entre grandes redes dentro de uma mesma holding, como ocorreu no ano passado entre VMLY&R e Wunderman Thompson).

A estátuta “Fearless Girl” em frente à bolsa de Nova York, NYSE: EUA voltarão a ter maior grupo de comunicação do mundo após fusão de Omnicom e IPG  Foto: Timothy A. Clary/ AFP

PUBLICIDADE

Em anos anteriores, durante ciclos menos prósperos desses grupos, ambos já cogitaram fazer negócio, não necessariamente entre si. Mais recentemente, ambos vinham encarando desafios como fuga de clientes e turnover de executivos. Por outro lado, seus principais concorrentes estavam bem. Após alguns anos turbulentos, o grupo britânico WPP ficou confortável na liderança, enquanto o francês Publicis Groupe (com quem o Omnicom tentou uma fusão em 2013 que deu errado) seguiu numa curva de crescimento.

Se os reguladores de mercado assim permitirem, o Omnicom – como se chamará após a conclusão do negócio – desbancará o WPP da liderança global a partir do segundo semestre de 2025. Os Estados Unidos já têm as empresas que mais investem em publicidade, compondo 35% do share internacional de gastos em marketing, e passarão a também ter o maior grupo de comunicação do mundo.

“Omnicom e Interpublic miram na competitividade para ampliar o portfólio de serviços, capaz de competir de forma mais agressiva e veloz em um mercado digital e data-driven”, diz Roberta Cesarino Iahn, coordenadora-adjunta do curso de Publicidade e Comunicação da ESPM, contextualizando essa disputa por liderança. Segundo a professora, há propósitos estratégicos bastantes claros na fusão: maior sinergia, eficácia operacional, otimizar custos e melhorar resultados financeiros.

Publicidade

Há zonas claras de complementaridade em cada lado. O Omnicom se formou apostando em criatividade e na aquisição de redes independentes. Nesse processo, foi costume respeitar cultura e legado locais. No Brasil, por exemplo, isso é visível em agências como Africa Creative, AlmapBBDO, DM9 e ID\TBWA, cujo espírito criativo determinou também uma forte identidade cultural cuja sede (tanto da respectiva rede como do grupo) sempre procurou preservar.

Já o IPG preferiu, em sua dinâmica estrutural, globalizar suas marcas. Redes como FCB, Momentum, MullenLowe, R/GA e Weber Shandwick têm uma verticalização definida dentro do organismo internacional ao qual pertencem (exceção no Brasil à WMcCann, que cometeria sacrilégio caso excluísse o legado de Washington Olivetto). Por outro lado, traz para a mesa ativos interessantes em dados, tecnologia e compra de mídia.

“Uma das partes ruins dessa fusão para o mercado brasileiro é o formato da publicidade nacional, com operações de comunicação muito dependentes do volume de mídia negociado”, analisa Martin Montoya, sócio e head de operações da consultoria Truths. “Aqui, as agências resistiam, mantendo a negociação de mídia, enquanto outros mercados aprenderam há muito tempo a cobrar pelo trabalho criativo. Agora, com o negócio estratégico e estruturas inteiras dedicadas a esse tipo de planejamento, as agências brasileiras desses grupos terão que se adaptar”, completa Montoya, com a experiência de quem já passou pela liderança executiva brasileira de várias redes globais.

Omnicom e Interpublic miram na competitividade para ampliar o portfólio de serviços, capaz de competir de forma mais agressiva e veloz em um mercado digital e data-driven

Roberta Cesarino Iahn

Sinergias e redundâncias

“A nova empresa terá um tamanho e poder de mercado sem precedentes, o que exigirá uma adaptação dos demais players e dos clientes”, concorda Iahn. Em termos de contas, há poucos conflitos no que diz respeito ao mercado brasileiro. Em alimentos, Mars e Ferrero têm concentração em grupos diferentes no exterior, mas no Brasil a marca italiana está, basicamente, na Publicis. Disney (Omnicom) e Netflix (IPG) também podem colidir. Mas as adaptações mais importantes terão de ocorrer internamente.

Publicidade

A professora da ESPM acrescenta que o sucesso da fusão depende da construção de uma cultura comum e colaborativa, além de muita matemática financeira. “A eliminação de redundâncias e a otimização de processos serão essenciais. Em relação aos números, a sinergia entre elas promete uma economia anual de US$ 750 milhões”, comenta Iahn.

Num contexto geral de mercado, a frieza das consolidações globais tende a pulverizar entregas mais arrojadas dentro de um sistema que transforma a criatividade em commodity – favorecendo, nas entrelinhas, as redes independentes, com maior liberdade criativa. Por outro lado, os grupos internacionais conseguem mais poder de investimento em tecnologia, o que é uma vantagem competitiva. No caso da negociação em análise, uma das preocupações é o encaixe das redes criativas do IPG dentro da nova estrutura, especialmente marcas como McCann e MullenLowe.

R/GA e Huge, outras reconhecidas redes criativas do Interpublic, têm destinos mais definidos. Tanto a empresa que nasceu nos anos 1970 a partir do estúdio de audiovisual dos irmãos Greenberg como a agência criada em 1999 com o pé no digital estão fora da operação. No relatório aos investidores, o IPG deixou claro que as marcas não fazem parte do negócio.

Uma das partes ruins dessa fusão para o mercado brasileiro é o formato da publicidade nacional, com operações de comunicação muito dependentes do volume de mídia negociado

Martin Montoya

A venda da Huge ao fundo de private equity AEA Investors foi anunciada no começo deste mês e já está em processo. Já a R/GA tentou ser negociada durante uma baixa de mercado, em junho deste ano, quando foi noticiada a intenção de compra pela indiana Tata Consultancy Services. O Wall Street Journal noticiou a intenção logo após o Cannes Lions, chamando a atenção de outros interessados. A R/GA tem, afinal, enorme reputação no cruzamento entre craft, criatividade e inovação. O valor da agência foi redimensionado e, valendo mais, sua venda foi adiada para um momento mais oportuno.

Publicidade

Foi novamente o Wall Street Journal que primeiro revelou a transação entre IPG e Omnicom. A nota ao mercado apontou uma receita combinada de USD 25,6 bilhões (valores de 2023) e mais de 100 mil funcionários, além de “ativos altamente complementares” e forte confiança “no poder das ideias impulsionadas por tecnologia e dados”, entre outras frases sob medida para acalmar os ânimos de stakeholders.

Montoya lembra, com bom humor, de outra sentença de impacto que é muito cara aos norte-americanos: “A oportunidade é sua para você estragar”. Dito isto, o executivo diz acreditar que a fusão tem todos os elementos para dar certo. “O Omnicom vinha conseguindo ter sabedoria em equilibrar musculatura corporativa com uma cultura que defende a criatividade. Me parece um bom augúrio saber que isso pode prevalecer.”

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.