
Sir Martin Sorrell transita pelos altos e baixos da indústria da comunicação com a naturalidade de quem já viu quase tudo nesse mercado. Entre seu primeiro estágio numa consultoria britânica nos anos 1960 e ver-se obrigado a renunciar, em 2018, ao império que criou e comandou por 33 anos, o executivo viu quase tudo mesmo. Incluindo uma medalha como Cavaleiro da Rainha, recebida em 2000, e o recomeço na formatação de uma nova empresa focada em comunicação digital, a S4 Capital — reconhecida globalmente pela sua marca de criatividade e tecnologia, a Monks. Ainda assim, Sorrell se impressiona com muita coisa. “O mundo é um lugar maluco”, afirma, em entrevista ao Estadão durante viagem de negócios no Brasil. “Quando viríamos os EUA, na ONU, votarem alinhados à Rússia, China, Coreia do Norte?”
Na conversa a seguir, o publicitário fala da geopolítica e macroeconomia atuais, assim como seus efeitos sobre a indústria da comunicação. Reforça a defesa que tem feito da criatividade e tecnologia sul-americanas e a revolução que a inteligência artificial causa no mercado. Elogia Lula e Javier Milei, e não perde a chance de provocar a WPP — holding a qual criou e da qual renunciou — e pedir a cabeça do CEO atual.
Vamos começar sobre o tema mais aquecido hoje no mercado de comunicação: a fusão de Omnicom e Interpublic.
A transação ainda depende de aprovações, aqui e nos Estados Unidos. Lá, o FTC (Federal Trade Comission, equivalente ao Cade) entrou com um novo pedido por informações, o que indica que eles estão dando uma boa olhada. A média de acordos que passam por um segundo pedido de informações é muito baixa. Havia uma sugestão para que encontrassem Elon Musk, pois ele gostaria que as empresas da holding injetassem mais verba publicitária no X. Não sei se é verdade, mas muita gente na imprensa especializada comentou essa possibilidade. Pareceu que tinha um pouco de base.

Se for concretizada, como deverá impactar a S4 Capital?
A primeira coisa é que isso diminui as holdings de seis para cinco. Acredito que essas ainda vão virar quatro e talvez chegaremos a somente três. No quesito das holdings, você tem duas divisões. Se fizermos uma analogia com o futebol, temos a Premier League, onde estariam a Publicis e a Omnicom, e numa segunda divisão ficariam o IPG, a WPP e a Havas. Minha opinião é que a WPP será muito afetada, pois perdeu os negócios de mídia da Coca-Cola. A WPP não está muito bem e eu acho que o CEO (Mark Read) deveria renunciar. A holding terá que se dividir. Já a Dentsu tem muita dificuldade fora do Japão, então me parece lógico que, internacionalmente, ela esteja conectada à Havas. Esses são os seis grandes grupos, mas como no mercado financeiro, você tem bancos gigantes como Morgan Stanley, Goldman Sachs, JP Morgan e há os menores, mais independentes, como Rothschild, Moelis e Centerview... Acredito que no meio disso haverá obstáculos para ambos os extremos desse espectro.
A WPP não deveria se reinventar por meio de seu portfólio de marcas?
A WPP está falida. Tem sido muito mal gerida e, no que eles chamaram de “simplificação”, amontoaram as marcas. Então a Y&R foi para dentro da VML. A JWT acabou. A Wundermann também. Mas nós estamos num negócio baseado em marcas! A abordagem da Omnicom é mais interessante. Não acho que eles são estrategicamente eficientes, mas reconheço que têm ótima proatividade. Enquanto grupo dedicado a publicidade, veja o mapa do que fizeram, com a BBDO em alguns territórios, em outros a DDB, em outros a TBWA... Eles mantiveram as marcas, mas consolidaram o backoffice. É isso que a WPP deveria ter feito. A imensa quantidade de dinheiro que ganha para gerir a companhia deveria ser usado na gestão de complexidade. O contrário, a simplificação, isso é nonsense. Está destruindo marcas, principalmente se você faz isso rápido, por meio de um press release de Londres. Que é o que fizeram, não foi? Destruindo marcas e contrariando clientes. Uma transformação gigante está chegando para as grandes agências e a Publicis está mais bem posicionada porque tem um histórico melhor em digital e dados.
A WPP não está muito bem e eu acho que o CEO (Mark Read) deveria renunciar. A holding terá que se dividir
Não é esta a lógica também por trás do negócio entre Omnicom e IPG, grupos que se complementam, respectivamente, em criatividade e dados?
Não, e eu acho que é um negócio ruim. A ação da Omnicom valia US$ 102 e agora vale US$ 80 e o IPG agora vale menos que o preço da oferta (a Omnicom ofereceu um terço de suas ações, o que representava na época 21% acima do valor do IPG): era US$ 26 e lançaram por US$ 28. Para o mercado, não tem lógica. A única vantagem que eu vejo é que 57% das receitas combinadas estarão nos Estados Unidos. Esta é a força. A fusão vai fazer deles os maiores aqui no Brasil também. O Philippe Krakowsky (CEO) e o IPG estavam sob grande pressão. Eles perderam Microsoft, Verizon, Coca-Cola, General Motors. Ironicamente, quando perderam a Coca, essa conta não estava na Omnicom, que já tinha a Pepsi. Perderam J&J, Amazon, contas muito grandes. Acredito que o IPG está numa posição fragilizada. E da parte da Omnicom, do John Wren (CEO), que está nos seus 70 anos, ele confia que esta pode ser sua última cartada de sucesso, “posso ser o número um”... Se você olhar para a procuração declarada junto ao SEC (Securities and Exchange Commission, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA), o IPG forneceu projeções de até quatro anos. Em 2025, o IPG está 3,7% abaixo que no ano passado. Se tivesse esperado, Wren poderia ter comprado mais barato e então, sim, faria um bom negócio. Mas acredito que ego e emoção se intrometeram demais... Quero dizer, ego e emoção são importantes em todos os negócios, mas não vejo lógica. Escala já não faz tão bem assim. Deveria ser sobre poder cerebral, sabe? Sobre dados e mídia digital conectados a conhecimento. Não deveria ser sobre cacife, sobre músculos.
E seria exatamente esta, mídia digital e conhecimento, a filosofia da S4 Capital?
Sim. Somos só digitais, focados em dados, num contexto em que a inteligência artificial está cada vez mais importante. Apesar do Brasil, onde digital é 45% do mercado, no mundo como um todo já é 70%. No ano passado, a receita global de comunicação foi de US$ 1 trilhão. Disto, o Google fez US$ 260 bilhões; a Meta, US$ 160 bilhões; a Amazon, US$ 60 bilhões e o TikTok, fora da China, fez US$ 4 bilhões. Somando tudo, mais de 50% daquele trilhão está em só quatro plataformas. E dos US$ 700 bilhões que foram de digital, essas quatro plataformas têm mais de 70% da fatia. Disso vem a importância de se concentrar em digital e, você sabe, dados são como o óleo que passa por essa máquina. E com IA, o mercado pode ser melhor, mais rápido e mais barato, coisas que todos os clientes do mundo buscam, especialmente onde crescem mais devagar, com maior dificuldade, por causa de juros altos e inflação. Então eficiência é muito importante: mais rápido, melhor, mais barato e mais unificado. Ironicamente, é nesse ponto que o WPP quer chegar, ainda que eu não acredite que tenham feito isso tão bem quanto poderiam.
Do ponto de vista de anunciantes, quais já estão nessa vanguarda tecnológica?
Na realidade, psicologicamente falando, a única empresa que conseguiu mudar seu modelo, de um ponto de vista de marketing, foi a General Motors. Eles dispensaram a Publicis, dispensaram o IPG e agora têm quatro agências estratégicas para cada uma de suas principais marcas: Chevrolet (Anomaly), Cadillac (72andSunny), GMC (Preacher) and Buick (Mother). Nós, da Monks, somos a agência de base, que conecta tudo, então nós criamos a estratégia, produzimos e distribuímos. Esta percepção visa aumentar a personalização num negócio em escala. A IA afeta a indústria da publicidade de cinco modos. Primeiro, redação e produção: leva muito menos tempo para produzir um anúncio. Em vez de reservar locações exóticas, caras, vir ao Rio de Janeiro para gravar... pode-se fazer o mesmo com IA e mais rápido. O problema para as agências é que geralmente elas cobram por tempo. Então esse modelo deve mudar para entregas. Essa é a pressão, com menos redatores e menos produção de imagem.
A segunda coisa é que será possível incrementar a personalização em escala, o que chamamos de hiper-personalização em escala. Para a Netflix, por exemplo, poderíamos produzir uma campanha como se fosse um game, com um milhão e meio de peças diferentes. No fim, não seriam usadas mais de 50 ou 70 mil, mas geralmente essa é permuta. Peças diferentes segundo dados primários e indícios compartilhados pela plataforma. O preço por peça fica menor, mas o número delas aumenta, assim como a receita total.
A terceira área que será afetada é planejamento e compra de mídia. Fundos como BlackRock, BlackStone gerenciam trilhões de dólares somente com algoritmos. O mídia também está planejando e comprando investimentos. Isso será cada vez mais sobre a distribuição dessa verba do jeito mais eficiente, com dados para provar. Portanto, os profissionais de mídia serão muito impactados e, se você verificar as seis grandes holdings, cerca de 200 mil pessoas desse mercado ainda fazem planejamento de mídia com lápis e planilhas de Excel. Isso não faz mais o mínimo sentido.

A quarta área a ser impactada é a relação geral entre cliente e agência. Vou me explicar: nós temos uma joint venture com a AWS, da Amazon, Nvidia e Adobe para broadcasting. Hoje, para uma transmissão externa típica, é necessário um enorme caminhão retransmissor, custa uns US$ 10 milhões. Supondo que vá utilizá-lo por cinco anos, então custará US$ 2 milhões por ano. Mas, por outro lado, hoje é possível uma solução de IA baseada na nuvem que custa entre US$ 80 mil e US$ 100 mil, sem caminhão nenhum, fazendo tudo remotamente. É uma enorme economia.
Finalmente, a quinta e a mais interessante é a democratização de conhecimento. Pegue a Nvidia, por exemplo: o CEO, Jensen Huang, tem 51 reportes diretos. Mas se você for à McKinsey e perguntar qual seria um número ideal, diriam que o máximo seria uns 12 ou 13. Como ele gerencia tudo isso? Aparentemente, Jensen não precisa fazer muitas reuniões individuais com todos. Ele simplesmente coloca KPIs para seus subordinados e monitora o que eles fazem. E essa informação fica disponível para todo mundo. Basicamente, ele está comissionando seu quadro de diretores, por meio dessa avaliação pública.
Com maior conhecimento, o senhor se refere a transparência sobre processos?
Também. Hoje, executivos em clientes e agências desenvolvem relações de poder baseadas em silos nos quais controlam a informação. Com IA, não há mais esse tipo de controle. Dessa forma, as pessoas na organização que estão abaixo, estarão sempre mais dispostas a trabalhar junto. Há uma relação inversa, na minha experiência, entre onde você está na organização e sua predisposição a compartilhar. Maior cooperação abaixo na organização, maior concentração de informação acima. Enquanto a IA está distribuindo conhecimento transversalmente, através das organizações.
Por exemplo, vamos fazer uma apresentação aqui no Brasil esta semana sobre IA e o Google. Também fizemos na Austrália, em Cingapura, na França, na Alemanha, duas vezes no Reino Unido. E se eu pudesse pegar a informação dessa apresentação e imediatamente colocar num grande modelo de linguagem (IA treinada em enormes quantidades de dados) e disponibilizar isso para todos? Não seria ótimo? Isso é uma mudança: as organizações ficando mais horizontais, mais eficientes e mais colaborativas.
Os profissionais de mídia serão muito impactados e, se você verificar as seis grandes holdings, cerca de 200 mil pessoas desse mercado ainda fazem planejamento de mídia com lápis e planilhas de Excel. Isso não faz mais o mínimo sentido
O desafio em transformar o modelo de negócio baseado em tempo criativo seria, então, compensá-lo com essa entrega personalizada em escala?
Sim. Embora na publicidade tradicional tenha escala, esses US$ 300 bilhões (que não são digital) estão encolhendo. Se a mídia tem esportes ao vivo, pode não cair ou cair até 5%. Se não tem esportes ao vivo, pode cair de 10% a 15%. Por outro lado, a fatia digital de US$ 700 bilhões vai crescendo nessa proporção. Google, Amazon, Meta estão crescendo nesse ritmo. Mas a mídia tradicional não cresce mais esse tanto, mesmo em mercados sofisticados de televisão como Itália ou Brasil. Ainda que aqui seja um mercado único no mundo, pois as agências ainda deixam juntos a compra de mídia e a criatividade. Em nenhum outro lugar isso acontece. E aqui ainda tem um incentivo se a agência reúne essas áreas. É único no mundo. E é um ótimo ativo. Acredito que esse é o modelo do futuro.
Quanto mais integrado, mais eficiente. Antigamente era o criativo lá em cima e o mídia lá embaixo. Numa discussão com as holdings, poderia se defender que a área de mídia é o motor de crescimento das agências. Mas hoje, não. Hoje é gordura. Esse é o motivo pelo qual a Publicis cresceu mais que as outras: organizaram melhor a operação de mídia. Com a personalização em escala, a criatividade fica mais importante. Outro dia estava numa chamada como James Quincy (CEO da Coca-Cola) e ele disse “Se todo mundo começar a fazer publicidade personalizada, como vamos distinguir uma da outra?”. Você diferencia pela criatividade. A bom criativo vai ser mais qualificado. O problema nisso é que todo mundo vai ficando imediatista. É tudo sobre ativação, performance, meio do funil, fundo do funil... Uma empresa listada em bolsa tem de apresentar resultados todo trimestre. Crescimento. Com private equity é a mesma coisa. Seguram um investimento de cinco anos — é pouquíssimo prazo.
Mas a história nos mostra que marcas precisam de certo tempo para atingirem certo nível de qualidade.
Marcas são criadas por meio de investimentos de longo prazo. Mas o mundo não é naturalmente assim. Mesmo o Brasil. É tão volátil. Você não sabe como será o governo daqui a dois anos. E o Trump 2.0? Ainda mais imprevisível. Meses atrás eu estive no Rio de Janeiro durante o Summit do FII (Future Investment Initiative Institute) da Arábia Saudita e o Lula apareceu, fez um discurso. Ele faz bons discursos. Ele tinha roteiro, mas deixou de lado e fez um desabafo. Uma fala agressiva contra o ocidente, como são malvados, referindo-se aos Estados Unidos e a Europa Ocidental. E como os Brics e os próximos 11 do Sul Global eram o futuro. E as pessoas menosprezam isso, sendo que na verdade é um ponto bem importante. Acredito que as pessoas subestimam a veemência, a força, o sentimento que Lula tem sobre os países colonialistas.
O senhor se refere à forma como ele aponta para países em desenvolvimento como vetores de crescimento?
O mundo é um lugar muito difícil. O crescimento vai diminuir, a inflação vai aumentar, os juros também. É preciso analisar crescimento com muito mais cuidado. Não cresce mais como naquele passo apontado pelo famoso professor de marketing, “consumidores vão consumir tudo do mesmo modo em todo lugar” (atribuído a Theodore Levitt, que lecionou em Harvard). Em 1983, quando eu estava na Saatchi, essa era a visão. Mas isso mudou. É muito mais volátil.

Onde estão as melhores oportunidades?
Acredito que a América do Norte e a América do Sul estão numa posição forte. A inflação, neste caso, pode até ajudar a publicidade. A África é muito imprevisível. O Oriente Médio, apesar do Irã, é uma grande oportunidade. O que MBS (Mohammed bin Salman, primeiro ministro) da Arábia Saudita vem fazendo na região, junto com a União Europeia, está transformando a cultura, a política e a sociedade. Geralmente, quando alguém quer provocar essas transformações, faz Copa do Mundo, Jogos Olímpicos, Fórmula 1... Mas isso é muito mais profundo. Ainda que precise de maior integração, MBS defende que a região será a nova Europa.
Ásia: projeções para 2050 mostram que a maior economia global será a chinesa, passando os EUA. Depois a Índia, a Indonésia em quarto lugar e, depois, a Alemanha. Dos top cinco, três são asiáticos. E nem falamos de Japão e Austrália, mas da nova Ásia.
Os maiores problemas geopolíticos são EUA, China, Rússia, Ucrânia e Irã. E na relação China e EUA tem um fator inegociável: Taiwan. Na cabeça de Xi (Jinping presidente chinês), Taiwan é território chinês e não tem como convencê-lo do contrário. É uma questão de tempo para invadirem Taiwan. Acredito que não vai ocorrer até a questão da fabricação de chips estar resolvida, pois sabem que se fizerem um movimento agora, é uma ameaça existencial para a economia americana e ocidental. E transportar a produção de chips vai levar um tempo longo, pelo menos uns cinco, dez anos, talvez mais. Na China, se você é grande como a Tesla, a Apple ou LVMH, vai querer ficar maior? Provavelmente não. Mas se você é pequeno como Unilever, com 9%, Pepsi com 3%, talvez você queira mais mercado, pois numa economia com um PIB de US$ 18 trilhões, o ideal talvez seja de 15% a 20%. Ainda na Ásia, a Índia vai ser a terceira maior economia do mundo em 2050 e outros bons mercados vem crescendo: Vietnã, Filipinas, Tailândia, Cingapura, Malásia.
A Europa tem problemas. A Alemanha acabou de introduzir uma política de estímulo fiscal e, claro, eles tinham de cortar déficit e fazer gastos militares. Reino Unido, França, Itália e Espanha... todos têm grandes problemas, exceto pela periferia da Europa. Todos têm de aumentar os gastos militares numa época em que não têm superávit orçamentário e estão repletos de dívidas que, em proporção ao PIB, são maiores que 100%. Então a Europa, hoje, é sobre eficiência, e não sobre crescimento. Todos os clientes com quem eu falo na região quer conversar sobre corte de custos e não sobre IA, computação quântica, blockchain ou metaverso.
A crise da imigração é um problemão, pois são pessoas que não têm sido absorvidas pelo mercado. Pegue por exemplo a questão de conflitos religiosos: hoje há 2 bilhões de muçulmanos no mundo e 16 milhões de judeus. Claro, não estou falando de extremistas, mas no geral. É preciso reunir essas pessoas, do contrário esse ódio só tende a aumentar. Vimos o que houve na Holanda, o que tem acontecido em quase todo lugar, o antissemitismo crescente. E o fluxo é intenso por causa da quantidade de guerras e conflitos na África. Neste contexto, é importante escolher seus parceiros comerciais.
Acredito que a América Latina, como eu disse antes, tinha de ter o reconhecimento em criatividade e tecnologia que merece, pela alta qualidade do que é produzido aqui
E o Reino Unido especificamente?
Um problemão também. Talvez não tanto quanto a Alemanha, que tem de investir nessa bazuca enorme, os US$ 500 bilhões (aprovados pelo parlamento para investimento militar e infraestrutura). Mas provavelmente o Reino Unido tem a pior posição, exceto pela França que também está bem complicada. O governo trabalhista aparenta ter um grande mandato, mas não é bem assim: lembre-se que só 58% do país votou e, destes 58%, só 34% votaram nos trabalhistas — ou seja, menos de 20% do total de contribuintes. E o partido não têm uma cabeça preocupada com a questão fiscal. A Rachel Reeves (chanceler do tesouro, equivalente a ministra da economia) tem de fazer uma revisão orçamentária. Como aumentar o PIB de volta aos 3% ou mais, enquanto reduzem os gastos com o bem-estar social? Há muitos desempregados, principalmente entre pessoas com deficiência, que saltou de 1 milhão para 2 milhões desde 2023. No total, dos 60 milhões de britânicos aptos, 4 milhões estão fora da força de trabalho. Um verdadeiro fardo para o Estado. E o governo trabalhista, que em tese é de esquerda, tendo de fazer maiores investimentos militares, o que é contrário à filosofia deles. Para pagar por isso terão de diminuir políticas públicas de bem-estar social. A briga no parlamento em função disso tem sido gigante.
Esse contexto é favorável para a América do Sul e a do Norte. Muitas pessoas subestimam o ótimo talento criativo dos sul-americanos. E o talento tecnológico também. Os países mais interessantes são México, Colômbia, Brasil e Argentina. Esses quatro são centrais. Um pouco o Uruguai, ainda que seja muito pequeno. Dos nossos 7 mil funcionários globais, temos quase 3 mil nesse mercado.
A S4 Capital está para publicar seu relatório financeiro de 2024. Depois de dois anos complicados, como está a expectativa para 2025?
Sim, ano passado foi duro. Acredito que 2025 vai ser muito parecido com o ano passado. As empresas de tecnologia estão investindo grande parte de seu Capex em inteligência artificial. Os Mag 7 estão gastando meio trilhão de dólares nisso: Amazon, US$ 100 bilhões; Google, US$ 75 bilhões; Meta, 60 bilhões... Muito dinheiro. E reduzem Opex direcionado a marketing. A outra parte é que tarifas são ruins. Isso vai aumentar as crises, a inflação, talvez causar uma recessão. E é uma enorme discussão nos Estados Unidos hoje, mas com impacto na região toda. Aqui mesmo no Brasil as pessoas estão ansiosas com a inflação crescente, a desvalorização do Real, a segurança pública. Nesse contexto, o (Javier) Milei é um personagem interessante. Adoro a fala dele de que a “economia argentina vai subir como o pum de um mergulhador” (risos). Mas, por outro lado, ele não se ajuda com aquele desastre da criptomoeda, entre outras coisas. É muita bagunça. Mas se Milei for bem nas eleições legislativas deste ano, então estará bem-posicionado. Ele conseguiu transformar a dinâmica econômica da Argentina e reduziu a inflação. E cortar gastos públicos é como um vício. Pois esse tipo de custo, de dívida, é um problema grande.
Falando em crescimento do conservadorismo, políticas de Diversidade, Igualdade e Inclusão (DEI) tem perdido espaço. Como isso é para a S4 Capital?
Temos uma posição forte quanto a isso mas, ainda antes, isso vem da decisão de saber para quem você trabalha. Nós faremos negócios com (empresas de) cannabis, mas não faremos com combustíveis fósseis. E isso é um desejo dos nossos 7 mil colaboradores. Portanto, vai seguir assim, não acho que vamos mudar. Um eventual desequilíbrio nesse sentido é um custo. Nossa qualificação como companhia B Corps (Certified B Corporation, certificação britânica de alto padrão para compromissos sociais, ambientais e de governança) exige que entreguemos relatórios sobre esses temas. É um custo. Agora, se o governo Trump começa a dizer que temos de ir no sentido contrário... É complicado. Na primeira semana ele assinou um decreto que suspendia processos contra funcionários de governo acusados de pagar propina. E quando fez isso, ele disse que uma lei anticorrupção soava bem, mas colocava as empresas americanas em desvantagem comercial. Isso representa, para mim e muitas pessoas, uma linha vermelha. É maluco. Quando viríamos os EUA, na ONU, votarem alinhados à Rússia, China, Coreia do Norte?
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