‘Polêmicas’ e profissionalização de influenciadores são gargalo em mercado de influência

Comportamento de criadores de conteúdo pode afastar marcas, que fogem de riscos; elas só vão investir em algo que pode trazer o mínimo de polêmica possível, dizem especialistas

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Foto do author Carlos Eduardo Valim
Foto do author Wesley Gonsalves
Atualização:

Para alcançar o exponencial crescimento previsto para os próximos anos, conforme previsões do Goldman Sachs, o mercado de influência precisa superar alguns obstáculos. Além do processo de profissionalização dos criadores de conteúdo, as diversas polêmicas que novos influenciadores se envolvem podem se transformar em um gargalo de crescimento dos negócios ligados a creators economy (economia dos criadores, no termo em inglês).

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Ao Estadão, especialistas e executivos do mercado apontam que a decisão das marcas de aumentar a aposta neste segmento dependerá de como os criadores de conteúdo lidarão com as questões acerca da reputação, dado a preocupação de como as polêmicas podem impactar negativamente a imagem dos anunciantes.

No Brasil e no mundo, o comportamento de alguns influenciadores contratados por grandes marcas já resultaram em prejuízos bilionários. Um desses exemplos foi a parceria entre o cantor Kayne West e a marca esportiva Adidas. Depois de se envolver em uma série de polêmicas, que iam de antissemitismo a racismo, a companhia alemã optou por finalizar o contrato com o rapper e descontinuar uma linha inteira de tênis voltados ao mercado de luxo. O resultado? Um prejuízo de alguns bilhões de dólares.

Para especialistas ouvidos pelo 'Estadão', polêmicas dos criadores de conteúdo são um impeditivo para ampliar investimentos no setor Foto: MARGARET JOHNSON

Por aqui, um dos recentes problemas reputacionais do mercado de influência aconteceu na virada deste ano, quando uma jovem se suicidou depois de ter sido citada como a suposta nova namorada do influenciador Whindersson Nunes. O perfil do X (ex-Twitter) do canal Choquei, um ex-agenciado da Mynd, a maior agência do segmento com projeção de faturamento de R$ 500 milhões para este ano, foi acusado de propagar a fake news sobre a jovem Jéssica Canedo.

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A Polícia Civil de Minas Gerais decidiu não indiciar o Choquei, pois verificou a existência de prints falsificados pela jovem sobre a história. Apesar disso, o canal e a Mynd acabaram sofrendo uma onda de ataques, denúncias e críticas nas mesmas redes sociais pelas quais ganharam popularidade e negócios.

A Mynd e a sua cofundadora Fátima Pissarra, em especial, passaram a ser acusadas de utilizarem o poder de fogo de suas centenas de influenciadores para ditar os assuntos que seriam discutidos nas redes e juntar perfis para atacar e promover cancelamentos de inimigos, por motivações políticas ou ideológicas.

“Eu não tenho esse poder todo. Nós não criamos conteúdo ou dizemos o que os influenciadores que agenciamos precisam dizer. Mesmo quando queremos divulgar algo de um artista nosso, nós apenas enviamos um press release para os outros influenciadores, e eles publicam se quiserem”, afirma Fátima.

“O que acontece é que todo mundo comenta ao mesmo tempo sobre o mesmo assunto, porque o tema está dando audiência. Mesmo na época de auge das revistas, você ia nas bancas e elas estavam com capas parecidas sobre o mesmo tema.”

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Na avaliação de Cristiane Camargo, presidente do IAB, que divulga o uso de melhores práticas no setor publicitário, o impacto financeiro das questões reputacionais geradas pelos influenciadores começa a ser quantificado pelo mercado. Ela lembra que, entre as polêmicas que podem ser evitadas, estão aquelas ligadas às infrações das regras do mercado publicitário, como as normas de boa conduta do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), Cenp-Meios e outros órgãos de classe.

Repercussão negativa

No meio de todo esse barulho, Fátima e outros representantes do setor ainda se defendem com um argumento financeiro da acusação de promover cancelamentos. O setor ganha dinheiro promovendo marcas, e, quanto mais tóxico o ambiente for, pior para as empresas anunciantes. “Empresas são alérgicas a riscos. Só vão investir em algo que pode trazer o mínimo de polêmica possível”, diz Daniel Gasparetti, ex-Mutato, Box 1824 e Raia Drogasil, que conhece a atividade pelo lado das agências e dos anunciantes.

Além disso, cancelar pessoas não traz um único centavo para as agências e só consome o tempo que poderia estar sendo usado para ganhar dinheiro, argumenta. “Eu não diria que não existe a tecnologia para as agências fazerem promoções e cancelamentos em massa junto a seus influenciadores ao mesmo tempo. Mas as empresas não são organizadas o suficiente para fazer isso”, diz Gasparetti.

“O que mais assusta as pessoas que observam o setor de fora é que haveria o poder de comunicação organizada para ditar os temas da internet, algo meio conspiratório. Mas a realidade é muito pior: o mundo das redes sociais é ingovernável, é um barco à deriva e sem capitão”, afirma. O algoritmo das redes sociais bomba os temas do momento, e todos correm ao mesmo tempo para tentar surfar na audiência e ganhar dinheiro com isso, explica. “Os influenciadores agem muito por instinto, sem saber exatamente por que cada conteúdo funciona ou não.”

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Para os especialistas no setor, existe muita confusão de como é o trabalho das agências, até pela novidade das empresas e do modo de atuação dos influenciadores. Mas também parte da culpa recai no próprio mercado, uma vez que ele ainda está se profissionalizando, as agências ainda não fazem parte das grandes associações do setor de publicidade e os modelos de negócios divergem muito de empresa para empresa. E mesmo dentro do próprio mercado se percebe que não existe uma compreensão completa de como cada empresa atua.

A única regra em comum é que, antes do surgimento das agências, as marcas queriam acessar o público da internet e tinham o dinheiro, enquanto os influenciadores tinham a audiência. Era preciso existir um intermediário. As agências fazem o trabalho para o dinheiro encontrar os cliques.

Algumas empresas atuam, porém, simplesmente como intermediadoras, outras como agências tradicionais que criam conteúdo de publicidade e depois buscam os influenciadores que vão transmitir as mensagem. Há ainda aquelas que se parecem mais como as antigas e até centenárias agências de talentos de Hollywood, como as poderosas William Morris Agency e Creative Artists Agency (CAA).

Existe até uma confusão para diferenciar as agências que representam influenciadores e as que criam conteúdo para viralizar. Entre essas últimas, há diversas microempresas especialistas em criar memes e abastecer redes sociais, com os objetivos mais diversos e até pouco éticos, como promover políticos, fazer uma rede social “bombar” ou simplesmente ganhar cliques (e dinheiro) fáceis, independentemente se a informação é verdadeira.

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Novos modelos

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O mercado também está bastante receptível a novos modelos de negócios. Um exemplo de um novo campo aberto neste segmento é a atuação da BrandLovrs, uma plataforma que conecta diretamente as marcas anunciantes a centenas de microinfluenciadores, que podem ser contratados diretamente, sem passar por agências. Em um ano de existência, o marketplace já conta com 150 mil influenciadores e atendeu a campanhas de 300 empresas.

Em vez de pagarem o mínimo de cerca de 20% do valor total da campanha para as agências de influenciadores, como é comum no segmento, as empresas remuneram a plataforma por meio de uma mensalidade para o seu uso. Com o acesso, elas podem criar a divulgação totalmente pela internet, definindo escopo, número de influenciadores e público-alvo, e pagam o influenciador e geram o contrato diretamente pela plataforma. Assim, podem de uma vez só disparar uma campanha com 5 mil influenciadores

O criador da tecnologia é Rapha Avellar, cofundador da agência de marketing digital Adventures. A Brandlovrs atraiu este ano aporte de R$ 35 milhões do fundo Kaszek - que já investiu no Nubank, Gympass e Loggi -, depois de já ter levantado R$ 10 milhões em uma rodada de investimentos em 2023. “O Brasil é o epicentro da economia de criadores, por que o brasileiro passa entre 10 e 11 horas do dia consumindo mídia digital, e mais da metade desse tempo passa em redes sociais. O brasileiro adotou este estilo de vida”, diz o empreendedor. “São 13 milhões de pessoas que ganham dinheiro em redes, e 98% deles são microinfluenciadores, com até 100 mil seguidores. Esta ponte entre as empresas e eles não existia.”

Pescaria

Entre as curiosidades do segmento está também uma prática que é chamada de pescaria. Isso acontece quando um influenciador divulga de graça uma marca que gostaria de representar, para chamar a atenção da empresa dona dela. Algumas vezes dá certo e ele passa a receber para divulgar a marca. Às vezes, ele pode prejudicar a marca falando de uma forma que não é aderente com o perfil e estratégias de comunicação oficiais da empresa que estaria representando, ou atingindo um público que não é o alvo.

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Todo esse novo mundo criou desafios éticos e de regulação para a publicidade digital. O Conar registrou a primeira reclamação de prática de influenciador em 2012, e desde então o tema só cresceu. Em 2022, 80% dos casos analisados já versavam sobre internet, diz Juliana Albuquerque, vice-presidente do Conar.

“É uma nova realidade com a qual nos deparamos”, diz ela. “Em 2018 e 2019, criamos um grupo de trabalho para discutir se seria preciso novas regras para os influenciadores. A primeira conclusão do grupo foi que a resposta não é ter uma regra nova, mas como aplicar as regras em rede, como nos comunicarmos para que os influenciadores entendam que é bom para todo o mercado seguir certa ética. Temos de falar com eles na linguagem deles, mesmo que a gente não faça dancinhas no TikTok.”

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