A proposta de reforma da Previdência do governo Bolsonaro foi entregue ao Congresso Nacional. Mas quase nada do que entra em sua porta sai intacto como lei, sem alteração significativa. Uma coisa é o projeto, outra, a casa reformada. A sociedade é plena de grupos de pressão e resistências; e o Legislativo dá sinais de não se conformar a guichê homologatório do Executivo. A reforma requer Política; é preciso fazê-la.
O presidente descarta os tradicionais métodos de composição e formação de maioria, o “toma lá dá cá”. Há méritos nisso: o hiperfisiologismo levou à disfuncionalidade e ao esgotamento. Abandonar o modelo exige, porém, saber o que colocar em seu lugar para conquistar corações e mentes, formar e consolidar maioria, adquirir a plena governabilidade.
Cinquenta dos simbólicos cem primeiros dias de governo já foram consumidos e as relações com o Congresso ainda estão particularmente confusas. Por parte do governo, não há lideranças ou interlocutores claros; a Casa Civil parece isolada, sobretudo na Câmara. O PSL se dilacera com escândalos, inexperiência, ausência de direção e disputas internas; suspeita-se que os próprios filhos de Bolsonaro o abandonem. Há muita desorganização e a coordenação da maioria tem ficado por conta do Centrão, cuja prática e voracidade são conhecidas.
Do Senado, ecoam sons da fragmentação e da disputa que definiu sua presidência, ocasião em que o próprio governo se dividiu. O esdrúxulo processo de exoneração de Gustavo Bebianno deixa rastro de desconfiança e temor de que o método possa se repetir com qualquer aliado. Dúvidas pairam sobre a capacidade e liderança do presidente: tanto ainda não se firmou como abusa da tolerância inicial do eleitor. Fia-se na popularidade efêmera.
Nos ombros de Rodrigo Maia e Paulo Guedes repousam as esperanças do mercado financeiro – este último montou sua própria Casa Civil. Ambos têm surpreendido. Mas governos e parlamentos não são feitos por um homem só. É tão insuficiente quanto injusto. Não há força norteadora e ascendência clara sobre o processo.
Em razão do drama e do esgotamento fiscal, mais provável é que a reforma se faça por inevitável. Mas parcial: na lógica da política, não há incentivos para que o Congresso a aprove integralmente, dando ao governo autonomia e distanciamento em relação ao Legislativo e aos partidos. Será incremental, a conta-gotas: um pouco neste ano, para acalmar o mercado e animar a economia; outro pouco ano que vem, se o governo cumprir sua parte. E assim por diante.
*CIENTISTA POLÍTICO E PROFESSOR DO INSPER
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