Fiéis à regra de São Bento, o fundador da vida monástica no século 6.º, os monges do Mosteiro Trapista Nossa Senhora do Novo Mundo, em Campo do Tenente, a 100 quilômetros de Curitiba, seguem o lema “Ora et labora (Ora e trabalha)”, das 3 horas às 19h30. São religiosos de vida contemplativa da Ordem Cisterciense de Estrita Observância, uma das comunidades mais rigorosas da Igreja Católica, ao lado de denominações tradicionais da mesma origem - os cartuxos e os camaldulenses, também de origem beneditina.
São 29 monges, entre os quais três americanos, dois angolanos e um chileno. O abade, d. Bernardo Bonowitz, que dirige o mosteiro desde 1996, quando foi eleito prior, nasceu em Nova York de família judaica, de ascendência bielo-russa e polonesa. Converteu-se ao catolicismo em 1968, aos 19 anos de idade. Formado em Letras Clássicas pelo Columbia College, foi jesuíta durante nove anos e ordenado sacerdote antes de se tornar trapista. Os outros dois americanos - os padres Francisco Dietzler e Felix Donahue - são da equipe pioneira dos cinco fundadores da comunidade paranaense - a única existente no Brasil.
Nos Estados Unidos, padre Felix estudou sob a direção de Thomas Merton, místico e escritor de projeção mundial, que atraiu centenas de jovens para a Ordem Trapista com seu livro A Montanha dos Sete Patamares. Felix foi prior do mosteiro antes de d. Bernardo. Aos 82 anos de idade, sofre de varizes e se sente “um pouco aposentado”. Ajuda na cozinha, na padaria e na produção de mel.
A idade média dos monges é de 38 anos, uma das mais baixas em todo o mundo. Quase todos os religiosos de Campo do Tenente têm curso superior. Padre Gabriel Augusto Vecchi, paulista de São Caetano, de 36 anos, estava no 4.º ano de Química na Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos, quando decidiu entrar para o mosteiro. Agora, é mestre de noviços e prior. Pelo seu cargo, tem acesso à internet, instrumento que só utiliza para receber e responder e-mails.
Rotina. Os trapistas não leem jornal, não ouvem rádio, não veem televisão. Afastados do mundo, têm raras notícias do que se passa fora de seus muros. Como abade, d. Bernardo pode sair do mosteiro para pregar retiros espirituais e escreve livros sobre a vocação dos monges. Na comunidade, preside os atos litúrgicos e as reuniões para recitação das horas canônicas, que começam com a Vigília, às 3 horas.
Os trapistas se reúnem para rezar na capela oito vezes por dia. Além do ofício, assistem à missa e fazem orações individuais. Sua vida é a busca de um contato íntimo e contínuo com Deus.
Solidão e silêncio são rotina diária, companheiras inseparáveis na vida comunitária. Embora vivam juntos no mosteiro, são homens solitários por vocação. Não conversam durante o trabalho, a não ser o imprescindível sobre a tarefa executada. Nunca um bate-papo. Comunicam-se, de preferência, por sinais, embora sem mais o rigor de antigamente, quando não se falava nada. Os monges podem conversar com os hóspedes, fora dos limites da clausura. Visitam a família a cada cinco anos e podem receber os parentes, por cinco dias, a cada dois anos.
O irmão hospedeiro, padre Estêvão Pinto, faz todos os contatos necessários, da chegada dos visitantes até a despedida. A hospedaria, uma casa 200 metros afastada da portaria e da capela, tem 18 vagas em celas ou quartos bem despojados. Anexos, cozinha e sala de refeições para o café e o jantar, que os hóspedes mesmos preparam, porque o mosteiro só serve almoço. O horário rígido não permite pensão completa, pois os monges rezam ao amanhecer e vão dormir às 19h30. Nos intervalos das orações, fazem todo o serviço da propriedade, de 330 hectares. O mosteiro só tem três funcionários para ajudar no cultivo de soja, feijão e milho. Em Alemanha, Holanda, Bélgica e Estados Unidos, eles produzem cerveja. No Brasil, não.
Refeição. No almoço, os hóspedes usam um refeitório anexo ao dos monges, sem vê-los, ouvindo pelo alto-falante a leitura de um livro durante a refeição. Os monges lavam a louça e passam pratos, copos, panelas e talheres para os visitantes enxugarem. Tudo em silêncio.
O cardápio é simples, como se todo dia fosse dia de penitência. Os trapistas jamais comem carne. Peixe só uma vez por mês e ovos, duas vezes por semana. Apesar do sacrifício, parecem bem dispostos e saudáveis, pois uma nutricionista (de fora do mosteiro) controla os ingredientes.
Beterraba com requeijão e berinjela frita com ovos e trigo constavam do menu incrementado no dia 12 de março, quando um grupo de oblatas (leigos que seguem a espiritualidade trapista) visitava o mosteiro. Mal se notava a mistura, mas o gosto era saboroso. Os monges consomem também carne de soja. A produção agrícola garante a autossuficiência, com sobra para socorrer outras obras religiosas. A comunidade ajuda também os pobres de Campo do Tenente, onde uma família amiga se encarrega de distribuir dinheiro e alimentos.
Pássaros. O silêncio é impressionante. Só se ouve o canto de pássaros, raramente voz humana. Ao longe, o barulho da rodovia e, mais raramente, a buzina de um trem de carga cortando a madrugada. Oblatas - são apenas 13, homens e mulheres - reúnem-se no mosteiro quatro vezes por ano. Moram em cidades vizinhas, como a assistente social Meri do Rocio Prohmann, ou vêm de longe, como o funcionário municipal Aparecido Ney de Almeida, que madrugou em São José dos Campos, pegou um avião em Guarulhos para Curitiba e chegou de táxi ao mosteiro.
Os monges não têm atividades pastorais fora da clausura, mas ouvem confissões e dão assistência espiritual a quem os procura. Apenas sete deles são padres - sempre selecionados pelo abade para serem ordenados, porque a vocação é essencialmente monástica.
Os candidatos se apresentam para viver seu ideal, à procura de Deus, na solidão e na convivência com os irmãos. Além dos votos tradicionais comuns aos religiosos - obediência, pobreza e castidade -, eles professam o voto de estabilidade, comprometendo-se a viver no mosteiro até a morte. Entram como estagiários, passam a postulantes, fazem o noviciado e, depois de oito ou nove anos, são admitidos em caráter definitivo. Pelo menos 50% dos noviços permanecem - um índice bastante bom, segundo o abade d. Bernardo.
Fundada em 1098 por 21 monges no Vale de Cister, na França, a Ordem Cisterciense ficou conhecida como Ordem Trapista no século 17, após uma reforma no mosteiro de La Trappe, que enfatizou o silêncio, a solidão e o trabalho manual como valores do monaquismo. Ao lado da Ordem Cisterciense de Estrita Observância existe a Ordem Cisterciense de Observância Comum, à qual pertence o cardeal d. Orani João Tempesta, arcebispo do Rio.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.