Quando me encontrei pela primeira vez com o professor Antonio Pedro Tota, em 1979, ele usava uma roupa indiana branca, feita de algodão cru e uma longa barba, daquelas dos sábios que passam anos lendo livros com capas de couro em salas sem muita luz. Lembrava o Mr. Natural, do cartunista Robert Crumb, como já tive a oportunidade de comentar.Saímos para tomar uma cerveja no boteco em vez de terminar a aula de inglês, pela qual eu havia sido contratado. Tota estava prestes a embarcar para Miami, para a universidade local. Não conhecia os Estados Unidos. Queria discutir a cultura americana comigo, um jovem universitário americano, fanático pelo Brasil.Já ouvira algumas histórias do professor, como eu o chamo hoje. Ele não admitia banhar os filhos, então pequenos, em banheiras de plástico, uma concessão a seu ver aos desígnios expansionistas norte-americanos. Rock-n"-roll, então, nem pensar, embora o Tota parecesse, àquela altura, com os dois integrantes da banda ZZ Top.De lá para cá, muita coisa mudou. Os tempos são outros. O professor passou diversas temporadas nos Estados Unidos na últimas décadas. Ele vai se irritar com a seguinte frase, mas a verdade é que ele se americanizou um pouco. Em 2000, lançou pela Companhia das Letras O Imperialismo Sedutor, sobre a tentativa dos Estados Unidos de ganhar os corações e mentes dos brasileiros, na época da 2ª Guerra Mundial, por meio de filmes hollywoodianos, bandas de jazz e programas de rádios. Se você ainda não o leu, recomendo-o vivamente. Acaba de sair nos Estados Unidos (como The Seduction of Brazil, pela University of Texas Press).E agora, há três semanas, o professor lançou mais um livro, este com o título de Os Americanos. Nos 30 anos que converso com o Tota, um dos nossos temas tem sido o lapso freudiano do sistema educacional brasileiro em relação à história dos Estados Unidos. É possível sair do colégio e mesmo da faculdade sem nunca ter feito sequer um curso sobre o assunto. Material didático de um ponto de vista brasileiro quase não existe. Levantamos diversas teses para explicar a lacuna nas últimas décadas, mas sem chegar a uma conclusão definitiva. Não era americanismo meu, nem do Tota, apenas a constatação de que não existiu país mais influente no século 20 do que os Estados Unidos. Impossível entender a história do mundo sem compreender os gringos. E, no entanto, a escola brasileira parece evitar o assunto.Os Americanos, publicado pela editora Contexto, não é um livro didático, no entanto; é um ensaio que aborda a história dos Estados Unidos desde a colonização inglesa até a eleição de Barack Obama, em pouco menos de 300 páginas. Se você quiser ler apenas um livro a respeito da formação dos EUA na sua vida, este seria uma ótima escolha.Tota tenta chegar à essência do americano. Conta como a nação se formou, se expandiu, analisa diversos dos seus principais líderes e detalha o impacto de suas muitas guerras no caráter do gringo. Há, no livro, uma ampla discussão sobre a influência da cultura de massas, da religião, dos protestos, do racismo, e da noção da "excepcionalidade" ? da ideia, cara ao povo americano, de que ele é diferente e especial e de como essa noção se manifesta em diversos momentos do país. O livro pode ser lido de uma só tacada, ou utilizado como referência.Entre as conclusões de Os Americanos, uma delas, das mais otimistas, me seduz, em particular. Tota atribui-a ao Obama. Diz que o povo de lá acredita sempre na possibilidade de se reinventar. Espero que Obama tenha razão.
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