Na manifestação do último dia 16 de agosto saí às ruas com um grupo de pesquisadores para investigar a opinião dos manifestantes sobre uma série de questões. Achávamos que, de uma perspectiva sociológica, as mobilizações não deviam ser julgadas pela opinião dos grupos organizados e que poderia haver um desacordo entre o que pensa quem sai às ruas e o que pensa quem convoca as manifestações. Descobrimos que a agenda de junho de 2013 segue viva nos protestos de 2015, mas que a demanda por redução de impostos cria um paradoxo para as reivindicações. Antes da manifestação, havíamos observado nas convocações apócrifas que circulavam pelo Whatsapp e nos debates nas redes sociais que o discurso dual dos organizadores que poupavam certos atores políticos que poderiam ser úteis num processo de impeachment da presidente não encontrava respaldo nos manifestantes. Por isso, fomos perguntar aos manifestantes o que achavam da corrupção atribuída à oposição. Perguntamos aos manifestantes se consideravam o presidente da Câmara, o deputado Eduardo Cunha, como corrupto, e 71% disseram que sim. O mesmo se deu com os escândalos de corrupção que envolvem o PSDB, principal partido da oposição: 80% consideraram o mensalão tucano grave e 87% consideraram grave o escândalo de corrupção do metrô e da CPTM. Como esperado, um número muito alto também considerava corrupta a presidente Dilma Rousseff (89%), assim como os escândalos do mensalão petista e da Lava Jato (99% dos manifestantes). Mas a grande surpresa da pesquisa foi descobrir que as demandas por melhores serviços públicos que emergiram com força em junho de 2013 se encontrava também nos manifestantes de 2015. Um número surpreendentemente alto de manifestantes (97%) concorda total ou parcialmente que os serviços de saúde devem ser universais e gratuitos, e outros 98% que a educação deve ser universal e gratuita. Até mesmo a nova e ousada demanda por tarifa zero nos transportes públicos encontra 49% de apoio total ou parcial nos manifestantes. No entanto, o fato das manifestações de junho de 2013 serem convocadas e lideradas por grupos de esquerda e as de 2015 por grupos de direita deixa suas marcas. Embora queiram serviços públicos universais, gratuitos e de qualidade, os manifestantes também consideram os impostos excessivos (83%) e atribuem a má qualidade dos serviços à corrupção (89%) e à má gestão (94%). Apesar de corrupção e má gestão contribuírem sem dúvida para a má qualidade do serviço público, é bastante claro que o gasto para prover saúde e educação universal, gratuita e de qualidade terá que aumentar, pelo menos se tomamos como parâmetro o gasto público em sistemas modelares, como os dos países da Europa continental. O paradoxo entre redução de impostos e a demanda por mais serviço público está no coração da disputa política sobre para onde vai a indignação coletiva que emergiu em junho de 2013 e que parece ainda animar subterraneamente os protestos de 2015.A pesquisa ouviu 405 manifestantes maiores de 16 anos por toda a extensão da Avenida Paulista das 12h às 17h30 do dia 16 de agosto. A margem de erro com 95% de confiança é de 4,9%.* Pablo Ortellado é filósofo, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da EACH-USP e coautor do livro 'Vinte centavos: a luta contra o aumento'
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