O governo finalmente começou a revelar detalhes sobre seus planos para a reforma administrativa. Em entrevista ao Estadão, a ministra de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, disse ser contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32, elaborada no governo anterior pela equipe do então ministro da Economia, Paulo Guedes, e favorável à manutenção da estabilidade do servidor público.
Dweck destacou que a reforma administrativa, no governo Lula, não está pautada pelo viés de redução do Estado ou pelo corte de despesas. Reconheceu, no entanto, haver muitos problemas a serem enfrentados no setor público, especialmente na administração pública federal. Para isso, a ideia é apresentar ou aproveitar projetos de lei que tratem temas de forma separada, tais como reestruturação das carreiras, mudanças nos concursos e avaliação de desempenho dos servidores, bem como a situação dos funcionários temporários e os controversos supersalários.
Tem razão a ministra ao se posicionar contra a PEC 32/2020. Originalmente, a proposta tinha como foco único a redução dos gastos com o funcionalismo público. Mas o parecer final, aprovado em uma comissão especial, não apenas excluiu militares, o Legislativo, o Judiciário e o Ministério Público, como também ampliou, em vez de diminuir, o rol de carreiras típicas de Estado.
Nesse sentido, como disse a ministra, se o objetivo fosse tratar apenas da administração pública federal, não seria o caso de apelar a mais uma PEC. Há, no entanto, que ter mais celeridade na apresentação desses projetos de lei, até mesmo para que o governo não passe a impressão de estar empurrando os problemas sem ter a intenção de resolvê-los.
Ainda que tenha sido abandonada pela própria administração que a concebeu, a PEC 32 se tornou a desculpa oficial para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), contrapor-se a medidas que visam a taxar fundos de investimentos exclusivos e offshores. Para Lira, o governo precisa rever seus gastos antes de pensar em elevar a arrecadação. É um princípio mais do que defensável, não fosse o fato de ser usado como pretexto para os deputados não aprovarem nem uma coisa nem outra.
Dweck e Lira não poderiam ter posições mais distintas sobre um mesmo tema. Mas, por ironia do destino, eis que surge uma oportunidade perfeita para que os dois deixem de lado as diferenças e demonstrem um raro alinhamento em prol do Estado: a Proposta de Emenda à Constituição 7/2018, aprovada por unanimidade no último dia 12 pelo Senado e que agora tramitará na Câmara.
O texto, que recebeu a alcunha de “trem da alegria”, permitirá a incorporação de até 50 mil servidores dos antigos territórios do Amapá, Rondônia e Roraima aos quadros da União, ampliando as despesas do Executivo em R$ 6,3 bilhões por ano. Trata-se da quinta emenda constitucional que aborda o tema – e, dessa vez, a bola nas costas não veio da oposição, mas do próprio líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que desarquivou a PEC da qual é signatário.
A PEC não apenas representaria um aumento de gastos extemporâneo, o exato oposto do que Lira tem cobrado, como poderia comprometer os concursos públicos que a ministra Esther Dweck pretende realizar nos próximos meses. Não há qualquer justificativa para aprová-la.
Por ser uma PEC, o texto, uma vez que receba o aval dos deputados e senadores, é promulgado da forma como foi aprovado. Ao Executivo não cabe vetá-lo, mas somente trabalhar para reduzir o potencial de danos que pode gerar aos cofres públicos antes da votação.
Lira, no entanto, tem um enorme poder nas mãos. Como presidente da Câmara, é ele quem define a pauta de votações da Casa. Para evitar tamanho prejuízo ao Estado, basta não incluir a PEC na ordem do dia e impedir que o trem da alegria possa seguir adiante.
A PEC será, portanto, um grande teste para medir o real compromisso de Lira com a redução das despesas, com a solidez das contas públicas e com o próprio País. Já o governo vai descobrir, na prática, se valeu a pena abrir tanto espaço para acomodar o Centrão na Esplanada dos Ministérios.