Em 2019, a principal medida para sanear o desequilíbrio fiscal do poder público brasileiro foi a reforma da Previdência. Entre os desafios para 2020 estão a criação de um mecanismo para frear o crescimento dos gastos obrigatórios, além de reformas de vulto, como a do funcionalismo público e a do pacto federativo. O resultado das realizações do ano que passou e das expectativas para o ano que começa é evidenciado em indicadores como a queda do risco país ou a baixa dos juros. Além dos desafios próprios do governo e do Congresso, contudo, o maior risco para este processo de saneamento fiscal vem da esfera subnacional. A menos que Estados e municípios promovam seus próprios reajustes, grande parte das conquistas e recursos angariados em âmbito federal será drenada no âmbito regional.
Um levantamento feito pelo Estadão/Broadcast com dados do Tesouro Nacional mostra que apenas sete Estados estão em situação fiscal saudável em relação ao comprometimento das receitas com o pagamento da folha. Entre 2011 e 2018, segundo dados do Banco Mundial, as despesas de pessoal nos Estados cresceram em torno de 40%. Desde o auge da crise, em 2015, muitos governadores cortaram cargos comissionados, enxugaram recursos e chegaram até a aumentar a alíquota de contribuição previdenciária dos servidores. Mas mesmo nesses casos, a disfunção dos sistemas previdenciários continua a causar o crescimento descontrolado da dívida pública.
“Tivemos uma recessão feroz, que atingiu as receitas, e uma piora demográfica que fez disparar as despesas. A conta não fecha”, disse ao Estado o economista especialista em contas públicas Raul Velloso. “Em vários Estados a conta de ativos até tem caído em termos reais. O problema são os inativos, uma conta que cresce sozinha e só muda sob efeito de reformas que demoram tanto para ser aprovadas quanto para ter efeitos.” Entre 2017 e 2018 os aportes para cobrir os gastos previdenciários subnacionais aumentaram 15%, e o déficit já passa dos R$ 100 bilhões.
Enquanto tramita no Congresso a chamada PEC Paralela, que inclui Estados e municípios na reforma da Previdência, fazem bem os Estados em não esperar o seu desfecho e iniciar suas reformas. Um levantamento do Estado mostra que até o final de 2019 10 Assembleias estaduais já haviam aprovado novas regras para a aposentadoria dos servidores e em 7 há propostas sob análise.
Além disso, assim como a União, os Estados precisam urgentemente encaminhar reformas administrativas reestruturando o funcionalismo. Como apontou a ex-secretária de Fazenda de Goiás Ana Carla Abrão, as reformas estaduais precisam englobar o fim das promoções e progressões automáticas; instituir avaliação de desempenho que permita remunerar conforme o mérito; e acabar com reserva de mercado nas leis de carreira, de forma que um servidor possa prestar o mesmo serviço para diferentes órgãos.
Ao governo federal, por sua vez, cabe exigir dos Estados que solicitam socorro um compromisso mais forte com o ajuste fiscal. Tramita no Congresso o chamado Plano Mansueto – em referência ao secretário do Tesouro, Mansueto Almeida – que prevê que os Estados que quiserem ajuda do governo devem escolher três de oito medidas de ajuste fiscal, das quais pelo menos uma deve estabelecer a redução das despesas obrigatórias com servidores ativos e inativos. Além dos detalhes a serem debatidos no Congresso, medidas como esta trilham um caminho positivo, porque buscam, por um lado, preservar a autonomia e a particularidade de cada Estado na adesão às propostas da União, mas, por outro lado, exigem daqueles que aderirem contrapartidas sólidas de ajuste fiscal.
Em 2020 cabe à população de cada Estado pressionar seus governadores e Assembleias Legislativas por reformas que viabilizem as suas contas ou então pagar o custo da sua irresponsabilidade. O que não é mais aceitável é que esse custo recaia sobre os demais membros da União.