A democracia da Turquia agoniza há tempos. Em índices de liberdades democráticas, como os da Freedom House, da Economist Intelligence Unit ou do Varieties of Democracy, o regime turco é classificado respectivamente como “não livre”, “híbrido” e uma “autocracia eleitoral”. Mas a recente detenção do líder de oposição e prefeito de Istambul, Ekrem Imamoglu, talvez seja indexada no futuro como o momento em que a Turquia cruzou o Rubicão rumo a uma ditadura plena.
O presidente Recep Tayyip Erdogan tem seguido o manual do autocrata contemporâneo e manietado instituições democráticas para sufocar a democracia. Nos anos 2000, seu partido, o Justiça e Desenvolvimento (AKP), se apresentou como um movimento de renovação democrática. Após crises financeiras lançarem as elites e instituições em descrédito, Erdogan aglutinou segmentos dispersos – pobres, islamistas, nacionalistas – contra o status quo rico, secularista e cosmopolita. Ao se tornar ele mesmo o status quo, o AKP liderou o retrocesso ao regime mais autoritário e corrupto na história turca recente. Após uma tentativa de golpe dos militares em 2016, Erdogan se sentiu legitimado a explicitar seus instintos autoritários, sufocando dissidências internas, enfraquecendo o Parlamento, colonizando o Judiciário e cooptando a imprensa.
Em anos recentes, houve reações democráticas. Imamoglu derrotou o candidato de Erdogan à prefeitura de Istambul em 2019 e nas eleições regionais de 2024 liderou a maior retaliação ao AKP em 20 anos. Ele goza de confortável vantagem sobre Erdogan nas pesquisas para as eleições presidenciais que devem ocorrer até 2028.
Na quarta-feira passada, mais de cem lideranças da oposição foram presas. Imamoglu é acusado de corrupção e terrorismo. Um dia antes, a Universidade de Istambul cassou seu diploma – um requisito para candidatos à presidência.
Foi o assalto mais truculento à democracia turca até então. Erdogan segue decididamente os passos do autocrata russo Vladimir Putin. Em seus cálculos, decerto contou a facilidade com que o presidente americano, Donald Trump, acomoda ditadores em sua política externa. Os europeus esperam estreitar laços com a Turquia para fortalecer sua arquitetura de segurança contra a Rússia. De resto, a Turquia abriga milhões de refugiados que Erdogan poderia despejar na Europa. De fato, a reação das democracias ocidentais oscilou entre tímida e nula.
A aposta de Erdogan pode render grandes dividendos, mas tem seus riscos. Ele pode querer ser como Putin, mas a Turquia não é a Rússia, cujos recursos naturais conferem algum grau de autonomia, enquanto a Turquia depende muito mais de investimentos externos. A reprovação dos mercados foi imediata. A população foi às ruas, na maior onda de protestos em 12 anos. A repressão tem sido brutal. Mas já em 2019 a tentativa de invalidar a candidatura de Imamoglu sucumbiu à indignação popular, e pode ser que Erdogan a esteja subestimando de novo agora.
Não é impossível, portanto, que no futuro este seja visto como o momento de inflexão das forças democráticas na Turquia. Mas, realisticamente, a probabilidade é de que seja mesmo o momento de sua capitulação.