A receita da Seguridade Social no ano passado atingiu R$ 1,179 trilhão, o suficiente para cobrir apenas 73,3% da despesa total de R$ 1,6 trilhão do sistema de previdência e assistência social. O déficit de R$ 429 bilhões em 2023, revelado em estudo de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com dados coletados da Receita Federal, mostra que é urgente repensar o sistema previdenciário. Ainda que em 2019 a Previdência tenha passado por sua mais ampla reformulação desde a Constituição de 1988, os números comprovam que não foi o bastante para garantir o financiamento futuro.
Os pesquisadores Rogério Nagamine Constanzi e Graziela Ansiliero, autores do trabalho que buscou estimar alíquotas capazes de custear a Previdência Social, recorreram à base de dados de órgãos do governo, pesquisas estatísticas e estudos de especialistas para concluir que a perspectiva – caso permaneça a situação atual – é que o déficit cresça ao longo do tempo, acompanhando o rápido envelhecimento da população.
O novo trabalho do Ipea corrobora, com precisão técnica inquestionável, a necessidade de um novo e profundo debate sobre a questão previdenciária. Há pouco mais de quatro anos, mudanças fundamentais para a manutenção do sistema, como a extinção da aposentadoria por tempo de contribuição, representaram avanço importante, mas não solucionaram os problemas de financiamento. Faz-se necessário, no atual contexto de discussão da reforma tributária, retomar um debate profundo para garantir a solvência previdenciária nas próximas décadas.
Lembrando que, num sistema previdenciário contributivo a receita é vinculada ao financiamento da despesa, Nagamini e Ansiliero chamaram a atenção para o fato de que o rombo do ano passado ocorreu, apesar do efeito do mecanismo de Desvinculação de Receitas da União (DRU), que permite ao governo federal usar livremente 30% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas, o que incluía (supostos) excedentes de receitas vinculadas à seguridade social.
O acompanhamento dos economistas mostrou que, ao longo de 15 anos, a relação entre receita e despesa se deteriorou de forma consistente. Em 2008, as receitas representavam 111,8% das despesas assistenciais e de Previdência; em 2013, a arrecadação ainda era mais do que suficiente para os gastos, representando 102,8%, mas, daí para a frente, os déficits se sucederam até chegar aos pouco mais de 73% em 2023.
O estudo também apresenta dados restritos do regime previdenciário dos trabalhadores privados vinculados ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), e os resultados são ainda mais alarmantes: em 2000, a receita cobriu 84,7% da despesa total; em 2023, a arrecadação foi suficiente para custear apenas 65,9% do dispêndio. A receita do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) correspondeu a 5,5% do PIB no ano passado, exatamente a mesma proporção de 2009. Já a despesa, que era de 6,7% do PIB em 2009, aumentou para 8,3% em 2023.
Diante de números que revelam tamanha insustentabilidade do regime previdenciário, ações como a criação de uma força-tarefa do INSS para realizar 800 mil perícias e verificar se foram corretamente concedidos os benefícios por incapacidade e as aposentadorias a idosos de baixa renda e pessoas com deficiência, como anunciou o presidente do instituto, Alessandro Stefanutto, ao Estadão, assumem um caráter meramente paliativo. Embora a revisão periódica de benefícios seja uma medida importante para evitar fraudes e gastos desnecessários, a questão previdência é mais profunda e exige ação imediata.
Os pesquisadores do Ipea destacam, além da intensa mudança demográfica, transformações do mercado de trabalho, que criaram desequilíbrios adicionais na cobertura previdenciária, como o crescimento vertiginoso de Microempreendedores Individuais (MEIs), com tratamento subsidiado, e o aumento da informalidade. As alíquotas de contribuição propostas por eles são invariavelmente altas, ao redor dos 30%. Em tempos de debate sobre desoneração da folha de pagamentos, é uma discussão necessária.