O Ministério da Defesa dinamarquês alertou que dados de inteligência indicam que a Rússia pode tentar atacar um país da Otan entre três e cinco anos. O presidente polonês, Andrzej Duda, disse que Vladimir Putin está intensificando esforços para engendrar uma economia de guerra e atacar em 2026 ou 2027. Prazos bem mais curtos do que os estimados pela Otan em 2023.
Com efeito, o Ministério da Defesa em Moscou anunciou iniciativas para robustecer a capacidade militar russa. Mesmo sem um risco financeiro iminente, Putin advertiu as oligarquias russas de medidas penosas para garantir uma estabilidade financeira de longo prazo, sinal de que os gastos bélicos seguirão escalando. São só alguns dos indicadores econômicos e militares coligidos pelo Instituto para o Estudo da Guerra (IFW, na sigla em inglês) sugerindo que a Rússia se prepara para um conflito em larga escala com a Otan. A ampliação ou redução do risco depende visceralmente dos desdobramentos na Ucrânia.
“A Rússia não tem suficiente capacidade militar para atingir seus objetivos maximalistas se a vontade de lutar da Ucrânia persistir com o apoio do Ocidente”, constata o IFW. O PIB dos países da Otan e seus aliados ultrapassa US$ 63 trilhões. O da Rússia é de US$ 1,9 trilhão. Somando-se o de seus aliados (Bielorússia, Coreia do Norte e Irã), são US$ 2,4 trilhões. Mesmo com a China (bem mais ambígua), o total não chega a US$ 21 trilhões. Assim, para o Kremlin, “um dos poucos meios, possivelmente o único, de diminuir a lacuna entre os objetivos da Rússia e os meios da Ucrânia” é “degradar a capacidade decisória” do Ocidente.
A estratégia se baseia no que os soviéticos chamavam de “controle reflexivo”. A técnica consiste em excitar temores irracionais e saturar a opinião pública do oponente com falsas premissas para induzi-lo a chegar a falsas conclusões e tomar livremente decisões contrárias a seus próprios interesses. Em relação à Ucrânia, a meta é consolidar as seguintes percepções: a Rússia tinha o direito de controlar a Ucrânia; sua invasão foi provocada por Kiev e a Otan; sua vitória é inevitável; resistir a ela levará inevitavelmente a uma escalada e uma guerra com a Otan; e a rendição da Ucrânia é o único caminho para uma paz duradoura. Para cada uma dessas assertivas, a verdade é o exato oposto.
Os ucranianos desenvolveram anticorpos contra a realidade paralela fabricada pelo Kremlin. Mas o Ocidente, seja por seus pendores pacifistas, seja pelas sequelas de guerras recentes, seja pela incompreensão da real ameaça russa, se mostra suscetível. Após a invasão da Ucrânia em 2014, o Ocidente raciocinou conforme as premissas do Kremlin, fazendo todo tipo de concessões. Em 2022, a invasão em larga escala da Ucrânia restaurou sua clareza estratégica, os ocidentais ajudaram Kiev a abater as ambições iniciais da Rússia. Desde então, o Kremlin redirecionou esforços para distrair, confundir e provocar a autodissuasão do Ocidente, retardando a entrega de dinheiro e armas à Ucrânia e a coordenação de uma estratégia de longo prazo da Otan. Isso não altera a realidade: o custo de uma vitória de Putin será catastrófico. Os riscos de escalada nuclear e confronto com a Otan só aumentarão.
Hoje, os desafios do Ocidente são mais fáceis de solucionar que os da Rússia. Mas essa vantagem não é permanente e sua erosão será proporcional à demora em admitir que a Ucrânia é só a linha de frente da guerra de Putin contra o mundo livre.
O caminho para uma paz duradoura não é um alívio instantâneo e ilusório da guerra, mas a vitória da Ucrânia, a restauração de sua soberania e a consolidação de sua democracia, integrando-a à União Europeia e instalando o maior efetivo militar do continente na linha de frente das defesas da Otan. O Ocidente pode (do ponto de vista econômico e militar) e deve (do ponto de vista moral, para fazer justiça aos ucranianos, e geopolítico, por seu autointeresse) trilhar este caminho. Mas, primeiro, precisa se conscientizar desse poder e desse dever e, depois, precisa agir. No momento, não há nem essa clareza nem essa resolução.