A aula do professor Galípolo

Futuro presidente do BC explica didaticamente por que o real não está sob ataque especulativo, numa aula aos petistas que acham que a disparada do dólar é fruto de complô contra Lula

Quem entende um mínimo de mercado financeiro sabe que o real não está sob ataque especulativo, como os petistas querem fazer crer. A desvalorização da moeda reflete basicamente a notória falta de compromisso fiscal do governo Lula nas últimas semanas. Mas o nível do debate econômico no País atualmente anda tão baixo que é um verdadeiro alento quando quem diz isso é o futuro presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo.

“Não é correto tentar tratar o mercado como um bloco monolítico, vamos dizer assim, como se fosse uma coisa só, que está coordenada, andando em um único sentido. Basta a gente entender que o mercado funciona, geralmente, com posições contrárias. Para existir um mercado, precisa existir alguém comprando e alguém vendendo”, afirmou Galípolo, durante entrevista coletiva após a divulgação do Relatório Trimestral de Inflação, como se estivesse dando aula para os petistas.

E a aula prosseguiu: “Então, toda vez que o preço de algum ativo se mobiliza em alguma direção, você tem vencedores e perdedores. Eu acho que a ideia de ataque especulativo enquanto algo coordenado não representa bem”.

Indicado pelo presidente Lula, Galípolo assumirá o cargo formalmente no ano que vem, mas desde já vem se esforçando para demonstrar que não pensa como o padrinho. Consta que na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), na qual os juros foram elevados em um ponto porcentual, para 12,25% ao ano, Galípolo assumiu o protagonismo da decisão, que foi unânime e que desagradou profundamente ao PT de Lula.

E a sinalização que o comitê deu sobre seus próximos passos, prevendo dois aumentos de um ponto porcentual nos juros nas reuniões de janeiro e março, de certa forma facilitou o trabalho de Galípolo. Havia receio de que ele fosse pressionado pelo governo para afrouxar os juros durante seus primeiros meses à frente da autoridade monetária. Com a orientação dada na última reunião e as declarações dadas nesta semana, essas iniciativas, se ocorrerem, não surtirão efeito.

Desde o desastrado anúncio do pacote de medidas econômicas do governo e a promessa de isentar de Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil mensais, o dólar disparou e a curva futura de juros embicou para cima. E desde o dia 12 de dezembro, para acalmar os investidores e injetar liquidez no mercado cambial, a autoridade monetária já despejou US$ 27,760 bilhões por meio de 12 leilões no mercado.

Isso prova que a desvalorização do real, infelizmente, não é mera especulação. Se fosse, os investidores desmontariam essas posições na primeira oportunidade que tivessem. Afinal, ninguém está disposto a perder dinheiro à toa e são pouquíssimos os agentes com “bala na agulha” para segurar suas apostas contra o Banco Central e suas reservas.

Na narrativa do governo, porém, o mercado joga contra o Brasil e o presidente Lula da Silva. Que a bancada do PT na Câmara e no Senado repita esse tipo de informação é até compreensível como parte do jogo político, mas é assustador que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dê a entender que pensa da mesma forma. “Há contatos conosco falando em especulação”, disse Haddad, na última quarta-feira, 18. A frase, evidentemente, pegou mal. Quando é o ministro da Fazenda quem diz isso, ele exime o governo de Lula da Silva de responsabilidade por toda a instabilidade que ele mesmo fabricou nas últimas semanas, razão pela qual a obviedade apontada por Galípolo a respeito do funcionamento do mercado ganha ainda mais valor.

Ao contrário do que o governo quer fazer acreditar, há muitas razões internas a explicar a desvalorização da moeda. De um lado, há um fluxo de saída de dólares acima do esperado para o período de fim de ano, quando há concentração de envio de remessas ao exterior.

De outro, o mercado já acredita que o BC terá de elevar os juros para 15% ou até mais no ano que vem, haja vista que dados do Relatório Trimestral de Inflação indicam que o IPCA acumulado em 12 meses ficará acima do teto da meta ao menos até o terceiro trimestre.

Essa conjuntura exige uma visão realista do Banco Central sobre as causas e consequências dessas turbulências. Espera-se que Galípolo consiga mantê-la nos próximos meses.