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A banalidade do impeachment

Ameaça de processo contra Biden mostra que instrumento drástico virou arma de vingança

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Por Notas & Informações
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À medida que os EUA se aproximam da eleição de 2024, a polarização se intensifica e tensiona as instituições. Elas podem emergir mais íntegras, mas o risco de saírem degradadas é grande e cresceu com a decisão do presidente da Câmara, Kevin McCarthy, de instaurar uma investigação de impeachment contra o presidente Joe Biden.

Os republicanos esperam provar que Biden usou seu cargo quando vice-presidente para ajudar seu filho Hunter Biden a fechar negócios lucrativos. As alegações têm sido investigadas em inquéritos contra Hunter e por três comitês da Câmara, mas não foram produzidas evidências que implicassem Biden. Os republicanos alegam que não o foram porque a Casa Branca manipulou instituições como o Departamento de Justiça ou a Receita Federal para suprimi-las. A investigação serviria justamente para dar poderes aos deputados de contornar essas barreiras.

A menos que provas arrebatadoras sejam encontradas, a chance de um Senado majoritariamente democrata condenar o presidente é nula. Mas, se indícios robustos vierem à tona, os eleitores podem ser convencidos de que a família Biden realmente instaurou uma “cultura de corrupção”. Uma pesquisa revelou que 61% dos americanos acreditam que o presidente estava envolvido nos negócios do filho.

Mas a aposta republicana também é arriscada. Eles terão de convencer a opinião pública de que Biden abusou de seu poder para favorecer os negócios do filho ou acobertar seus crimes, e que as investigações não os distrairão de outras questões relevantes. Do contrário, o processo se parecerá menos com uma investigação séria e mais como uma vingança contra os impeachments de Donald Trump.

Há sinais nesse sentido. O primeiro impeachment de Trump foi um ato voluntarista baseado em indícios fracos. Mas não se corrige um erro com outro. McCarthy poderia esperar a conclusão dos inquéritos ou legitimar sua decisão submetendo-a a uma votação na Câmara. Mas agiu monocraticamente, sob pressão de Trump e seus correligionários.

“O Congresso”, advertiu o Wall Street Journal, “corre o risco de transformar a séria sanção do impeachment em uma nova reprovação – uma declaração de repreensão mais do que uma ameaça de remoção.” Os sinais dessa banalização estão aí. Presidentes sofreram impeachment da Câmara só quatro vezes – nenhum foi condenado pelo Senado. O primeiro foi em 1860. Os outros aconteceram só nos últimos 25 anos: Bill Clinton, em 1998, e depois Trump, em 2019 e 2021. Com Trump, outro padrão foi rompido: ele foi o primeiro ex-presidente indiciado em um processo criminal, e agora já o foi em quatro.

Esses processos podem ser uma prova de que as instituições estão funcionando para responsabilizar, conforme a lei, quaisquer malfeitores, mesmo que sejam presidentes. Ou podem ser a prova de que as instituições estão sendo manipuladas por políticos para distorcer a lei e usá-la como arma contra seus adversários, mesmo que sejam presidentes. O bom desfecho dependerá da transparência e da máxima diligência dessas instituições na condução de seus procedimentos.