De maneira intempestiva, o governo adotou mais uma manobra arriscada ao pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão da desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e dos municípios. Ainda que saia vencedor, a estratégia pode custar caro ao Executivo, especialmente no momento em que acaba de enviar a regulamentação da reforma tributária ao Congresso.
O Executivo sempre bateu na tese de que o Legislativo deveria analisar o impacto financeiro da desoneração da folha, bem como medidas que compensassem as perdas de arrecadação que a medida acarretaria. No entanto, ausentou-se deliberadamente do debate com o Legislativo, que aprovou a prorrogação com apoio da ampla maioria dos parlamentares, inclusive de boa parte da base aliada.
Sem saída, o governo vetou a proposta, mas o veto foi derrubado sem qualquer dificuldade. Ainda assim, o Executivo insistiu no erro e publicou uma medida provisória (MP) para reonerar a folha – em pleno recesso parlamentar, no dia seguinte à promulgação da lei e logo após a aprovação de praticamente toda a agenda econômica proposta pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
O ato, por óbvio, foi interpretado como uma afronta. Não faltaram parlamentares a cobrar do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que devolvesse a proposta ao Executivo sem sequer analisá-la. O diplomático presidente do Senado, no entanto, atuou para esfriar os ânimos de parte a parte.
Em vez de devolver a MP, Pacheco concedeu tempo ao governo para que enviasse um projeto de lei para tratar do tema e tentasse chegar a um meio-termo com o Congresso e os setores envolvidos. Se isso não ocorreu até agora, não foi por teimosia dos parlamentares, mas principalmente porque a articulação política do governo falhou ao entrar atrasada no debate com o Legislativo.
O melhor, nesse caso, seria reconhecer esse erro e construir uma solução em conjunto com o Congresso. Ao ajuizar a ação nesta semana, no entanto, a Advocacia-Geral da União (AGU) surpreendeu todos e, aparentemente, a equipe econômica não soube calcular as consequências políticas dessa decisão.
Afinal, a petição ataca justamente alguns dos atos de Pacheco, como a prorrogação parcial de trechos da polêmica medida provisória editada no fim do ano passado. O ato do presidente do Senado, em si, até poderia ser questionado sob o ponto de vista jurídico, mas a ação da AGU insulta não apenas um aliado, mas o principal avalista da tentativa de construção do acordo entre governo e Congresso.
Sentindo-se traído, o presidente do Senado anunciou que entrará com recurso no STF contra a decisão do ministro Cristiano Zanin, que prontamente atendeu ao pedido da AGU e suspendeu a desoneração em caráter liminar. Os ministros Flávio Dino e Gilmar Mendes também já se manifestaram pela manutenção da decisão de Zanin, o que talvez dê ao governo a ilusão de que poderá vencer essa batalha.
Em nota divulgada após a decisão, Pacheco disse que o governo “erra ao judicializar a política e impor suas próprias razões, num aparente terceiro turno de discussão sobre o tema da desoneração da folha de pagamento”. “Só quando a discussão política é exaurida que se recorre à Justiça”, disse o senador. Ele tem toda a razão, mas o governo, sem maioria no Congresso, parece incapaz de aceitar essa derrota e não hesita em aumentar a tensão entre os Poderes para fazer valer sua posição.
Arredio a qualquer iniciativa para rever seus gastos e sabendo dos efeitos limitados das medidas de recuperação de receitas, o governo elegeu a desoneração como o bode expiatório do alcance da meta fiscal. Independentemente do que venha a ocorrer, o governo terá de lidar com as sequelas políticas de mais uma decisão desastrada.
Pacheco, por exemplo, que não é nenhum fiscalista de carteirinha, já fez a pergunta retórica à qual o governo não tem como responder. “Além de arrecadar, qual a proposta de corte de gastos para poder equilibrar as contas?”, questionou o senador. É algo que todos os que se preocupam com o futuro do País gostariam de saber.